Organizações não-governamentais do Brasil e do mundo enviaram ao relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, James Anaya, uma carta comunicando a violação de garantias dos povos indígenas pela construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO).
Segundo o documento, as afrontas aos direitos dos índios dizem respeito a: falta de consulta a esses povos sobre a construção das usinas e ausência do consentimento livre, prévio e informado dessas populações com relação às obras, desrespeitando-se recomendação feita pelo relator da ONU em visita realizada ao Brasil em agosto de 2008.
Além disso, os redatores da correspondência alertam para a exclusão desses povos indígenas no processo de elaboração do Estudo/Relatório de Impactos Ambientais (EIA/Rima) das usinas. "Consequentemente, [os índios] já estão sofrendo efeitos danosos desses projetos, sem que os impactos negativos sobre seu modo de vida e o meio ambiente do qual dependem tenham sequer sido estudados, e sem que se tenha previsto alguma medida de mitigação dos impactos sobre esses povos", diz trecho do documento.
Entre os danos das hidrelétricas aos índios, são apontados, na carta, o impedimento da reprodução de peixes migratórios no rio Madeira e a redução do volume de sedimentos e nutrientes disponíveis nas áreas localizadas rio abaixo, com impactos à cadeia alimentar e aos indígenas que dela dependem.
"Ao modificar a dinâmica e propriedades físico-químicas das águas, as represas afetarão seriamente os povos indígenas que vivem rio abaixo. Por outro lado, também não foram avaliados, com relação aos povos indígenas, os impactos do aumento vertiginoso da migração para a região. Esse incremento traz consigo muitas outras ameaças aos índios, como desmatamento ilegal, ocupações ilegais de terras, doenças e violência", explica também o comunicado.
A preocupação mais urgente das organizações que redigiram a carta, no entanto, é voltada aos povos indígenas isolados, que, embora vivam nas cercanias das obras das usinas, também foram ignorados pelo EIA da das hidrelétricas e, portanto, estariam ameaçados e indefesos.
"As ditas evidências têm sido recentemente corroboradas por uma expedição de campo, que confirmou a presença dos índios isolados a uma distância entre 10 e 30 km da represa de Jirau. Porém, isso não impediu que a construção seguisse em ritmo acelerado, com toda a devastação ambiental que causa uma obra dessa magnitude", diz a carta.
De acordo com o documento, desde o início da construção das usinas, passaram a existir, na região, elementos geradores de riscos aos índios isolados, como: desmatamento em áreas protegidas, emprego de maquinaria pesada, detonação de explosivos e a atuação de mais de 20 mil trabalhadores.
O comunicado também informa que, no EIA das hidrelétricas, há apenas informações sobre alguns dos povos indígenas atingidos pelas obras, sem a indicação dos impactos que as usinas trarão a essas populações. Além disso, outros povos que vivem rio abaixo teriam sido desconsiderados nas análises, assim como outras comunidades localizadas na bacia do Madeira e na área por onde irão passar as linhas de transmissão da energia a ser gerada pelas usinas.
Outras críticas dizem respeito às medidas compensatórias impostas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ao empreendimento, que, segundo as organizações que assinam a carta, são insuficientes para mitigar os impactos que serão causados aos índios.
"Se faz necessária a complementação dos estudos e devem ser realizadas audiências públicas específicas aos povos indígenas, feitas nas terras indígenas", afirma a carta.
(Amazonia.org.br, 17/03/2010)