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grilagem de terra
2010-03-17 | Tatianaf

Líderes comunitários e religiosos representantes de 400 famílias do município de Barreirinha (a 328 quilômetros de Manaus) denunciaram à Comissão Pastoral da Terra no Amazonas (CPT-AM) que um grupo empresarial, representado pelo sócio e procurador André Roberto dos Santos Manfredini, está reivindicando a posse de uma área de aproximadamente 39 mil hectares (cerca de 40 mil campos de futebol) às margens do rio Andirá, onde vivem cerca de 400 famílias ribeirinhas do município.

A questão, que gera controvérsias e acusações entre os envolvidos, está prestes a ocasionar embates violentos entre posseiros e o empresário André Manfredini, alerta a CPT-AM. A proposta de Manfredini, segundo a denúncia feita à Pastoral, não requer a expulsão das famílias, desde que elas aceitem viver, cada uma, em lotes de quatro hectares, formando uma área total de 1,6 mil hectares. O restante, cerca de 37,5 mil hectares, seria utilizado pelo grupo para fins comerciais.

O empresário declarou que na área, segundo informações obtidas junto ao Instituto de Terras do Amazonas (Iteam), só há 128 famílias ocupantes, e que elas receberiam lotes maiores que quatro hectares caso fosse comprovado por órgão competente. "Não há conflito, vamos garantir a posse da terra para os habitantes de boa-fé independentemente do tamanho que cada um tem direito", disse. A coordenadora da CPT, Auriédia Marques, contradiz a afirmação de André, pois, segundo avalia, o discurso de aceitar parcialmente a permanência de alguns ribeirinhos na área é uma forma disfarçada de expulsão.

"Segundo denúncias anunciadas em última reunião ocorrida dia 18/02, ele (André) esteve na área e ameaçou famílias, derrubando e queimando casas, colocando placas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) embargando a entrada dos moradores", disse.

A área, ainda de acordo com a denúncia levada à CPT, é cobiçada pelo grupo empresarial por causa dos recursos florestais madeireiros e outros produtos naturais que existem em abundância como a castanha-do-pará. No local, existem comunidades ribeirinhas que estariam habitando, segundo os documentos apresentados por Manfredini, uma extensão de terra pertencente às empresas Asgard Comércio de Alimentos Ltda (paranaense) e Conexão Verde Comércio de Madeiras Ltda (amazonense). A área total, isto é, os 39 mil hectares, é dividida em 22 lotes, segundo a documentação apresentada pelo grupo. "Pelos nossos levantamentos a área não é tão rica em madeira, mas também não pobre", reconhece Manfredini.

Ele revelou que o grupo empresarial deseja implantar um projeto de manejo florestal orçado, inicialmente, em R$ 850 mil. "Assim que for comprovada a posse da terra em nosso favor, vamos dar início ao projeto", completou o empresário.

A coordenadora da CPT-AM, Auriédia Marques suspeita desde a origem da legitimidade dos documentos de posse apresentados pelo grupo empresarial e disse que vai oferecer denúncia aos Ministérios Públicos estadual e federal, ao Conselho Nacional de Justiça, à Corregedoria de Justiça e à Secretaria de Terras do Estado e Procuradoria Geral do Estado para que o caso seja investigado minuciosamente e tomadas as providências necessárias.

As famílias, segundo relatos e depoimentos colhidos pela Pastoral, habitam a localidade há várias gerações e vivem do extrativismo da floresta e agricultura de subsistência. O grupo liderado pelo empresário André Mafredini alega que é dono da área e apresenta, segundo a CPT-AM, uma documentação duvidosa, na qual dados são omitidos e sucessivas transações de compra e venda são feitas simultaneamente no mesmo dia.

"A documentação que apresentamos de aquisição da área foi feita dentro da legalidade. Isso eu garanto", rebateu André Manfredini.

Manfredini é paranaense e, em 2000, esteve envolvido no escândalo do jogo e caças-níqueis que apontava o ministro do Esporte e Turismo do governo Fernando Henrique Cardoso, Rafael Greca, como líder de um grupo criminoso ligado à máfia italiana. Segundo uma reportagem da Isto É daquele ano (disponível no site da revista), Manfredini e o lobista Sérgio Buffara foram acusados de oferecer facilidades para um grupo estrangeiro instalar no Brasil máquinas de caças-níqueis em troca de um pedágio que, segundo depoimento do representante da multinacional, Alejandro Viveiros Ortiz, seria usado para as pretensões eleitorais do ministro.

"Meu nome foi incluído injustamente neste caso. Meu nome já está fora do processo. Foi apenas uma matéria veiculada em 1998", disse Manfredini.

Auriédia Marques afirma que a prefeitura de Barreirinha e o Instituto de Terras do Amazonas (Iteam) não questionam a posse da terra por parte do grupo empresarial, em última reunião realizada sobre a questão, embora as certidões apresentadas apresentem uma série de dúvidas e irregularidades. "As certidões apresentadas pelo grupo empresarial apresentam, em sua cadeia dominial (transações de compra e venda desde a origem), padrões de compra e transferência suspeitos, além de omitirem informações sobre valor de compra e local de registro. Suspeitamos que isso é um escândalo de grilagem que precisa ser investigado, pois muitas famílias estão sofrendo com ameaças e intimidações por porte desse grupo empresarial", denuncia.

Certidões duvidosas, com padrões de transações suspeitas
A CPT-AM, de posse da documentação de compra e transferência da terra em questão, identificou pontos questionáveis, como a existência de um padrão de compra e transferência no qual um comprador (pessoa física) compra um lote de terra do Estado, em seguida vende para uma outra pessoa física que, por sua vez revende o lote a uma terceira pessoa, o senhor Carlos Alberto Queiroz Platilha. Este, que aparece como segundo ou terceiro comprador em todas as transações, revende a terra ao grupo holandês Gerardus Laurentius que, na sequência, repassa o lote a um outro grupo holandês, quando chega, então, à posse da Asgard Comércio de Alimentos Ltda ou à Conexão Verde. "A cadeia dominial mostra que essas terras foram entregues nas mãos de grupos estrangeiros, como o senhor Gerardus Laurentius e Eco Brasil Holanda Ltda, que revende os lotes para o grupo de Manfredini por valores irrisórios", diz Marques.

O fato curioso, segundo a CPT, é que a partir da compra do senhor Carlos Alberto Platilha, os valores de venda não aparecem e, além disso, o registro de aquisição é feito em diversos cartórios, inclusive nos cartórios de Itacoatiara, Novo Aripuanã e Belém (PA). "O que nos assusta é que a terra faz parte de Barreirinha e no cartório de lá não há registro de compras e vendas posteriores à primeira aquisição", questiona a coordenadora da CPT-AM.

O lote Caripuna, por exemplo, que possui 8 mil metros quadrados, foi comprado do Estado em 1930, com registro em Barreirinha. No dia 01 de outubro de 1974, Carlos Alberto Platilha, adquire o lote por valor desconhecido e faz o registro na Comarca de Belém. No dia seguinte, isto é, horas depois da compra por Platilha, ele mesmo vende o lote, valor também desconhecido, ao holandês Gerardus Laurentius. A transação foi registrada, desta vez, na Comarca de Itacoatiara.

O terreno é incorporado à empresa ligada ao grupo holandês Eco Brasil Holanda Andirá Ltda que, em 15 de março de 2007 vende a terra ao grupo RDF Empreendimentos Ltda que, por sua vez, no dia 07 de maio do mesmo ano, vende a terra por R$ 10 mil à Asgard Comércio de Alimentos Ltda.

"Esse padrão suspeito e confuso acontece nos processo de compra e venda de todos os lotes em questão. As autoridades precisam agir e investigar, pois em nossa opinião há indícios de grilagem e o que é pior: está ameaçando a vida de centenas de famílias do município", acrescenta Auriédia Marques.

Outro questionamento apontado pela religiosa, é que o lote Cacaia Grande de aproximadamente 25 mil metros quadrados aparece na certidão com cadastro do Instituto Nacional de Colonização (INCRA), portanto terra da União. Em seguida este lote aparece como sendo adquirido pelo governo do Estado, passa por três compradores, incluindo Carlos Platilha que novamente vende ao grupo holandês, sendo que todas estas transações são feitas no mesmo dia, mês e ano, 27 de julho de 1978. "Não está claro como este lote saiu do poder da União para o Estado, passando por dois compradores até chegar nas mãos do senhor Carlos Alberto  Platilha e em seguida ao grupo Holandês no mesmo dia, mês e ano", denuncia.

O advogado Herivelto Simões disse que é improvável que um mesmo lote de terra, como o Cacaia Grande, seja comprado, vendido e revendido várias vezes no mesmo dia, mês e ano. Ele explicou, ainda, que as certidões de compra e venda precisam ser registradas nos cartórios da localidade à qual o imóvel pertence.

Reunião mostrou gravidade do conflito
Segundo o padre da paróquia de Barreirinha, Pedro Belcredi, no último dia 18 de fevereiro ocorreu uma reunião entre a prefeitura do município, Iteam, CPT, famílias habitantes da área em questão e André Manfredini. Segundo o pároco, os ânimos se exaltaram quando representantes da CPT-AM questionaram a documentação apresentada pelo grupo empresarial e os objetivos do grupo na região.

Ainda de acordo com o padre, o senhor André Manfredini lhe pediu apoio para convencer as famílias de que as empresas não iriam exigir a saída deles do terreno, desde que eles aceitassem morar e trabalhar em somente quatro hectares por família. "As famílias não têm como aceitar uma oferta desta, pois eles vivem da floresta e não podem garantir o sustento da família e um futuro melhor para as próximas gerações em um pequeno pedaço de terra. As autoridades precisam fazer alguma coisa", diz o padre.

O Decreto da Presidência da República número 6.040/2007, que institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, estabelece, no artigo 3º, inciso II, que por território tradicional compreende-se "...os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária...", ressalvado os direitos das populações indígenas previstos no artigo 231 da Constituição Federal.

Segundo a coordenadora da CPT-AM, Auriédia Marques, e o padre Belcredi, nem a prefeitura nem o Iteam se pronunciaram, durante a última reunião, quanto aos questionamentos da legalidade de posse da terra apresentada por Manfredini.

"Acho suspeitas as atitudes do prefeito de Barreirinha e do diretor-presidente do Iteam em se omitirem da discussão, durante a reunião. Eles não demonstraram interesse em investigar a questão, mesmo diante de várias suspeitas. Nós fazemos um apelo ao poder público estadual e federal que interceda na questão, pois muitas famílias estão apreensivas e temem perder o direito de tirar seu sustento das áreas em que habitam há dezenas de anos, mas porque já está em curso um processo de expulsão", desabafa Marques.

Prefeitura de Barreirinha e Iteam rebatem acusações da CPT
O secretário de Cultura, Turismo e Meio Ambiente de Barreirinha, Eupídio José Nunes Ribeiro, disse que a prefeitura desconhece a documentação de posse apresentada pelo grupo empresarial. "O senhor Manfredini, que representa os que se dizem donos da terra, nos entregou documento de compra da terra, mas nós tomamos a iniciativa de fazer a cadeia dominial (juntada de todos os documentos referente à área) que foi entregue ao Iteam para averiguação. A acusação da CPT não procede. A representante da CPT só começou a participar da questão a partir da quinta reunião e, mesmo sem ter total conhecimento do assunto, fez com que a população ficasse contra a prefeitura", disse o secretário.

Eupídio afirmou, ainda, que não há motivos para se suspeitar das atitudes da prefeitura. "Nós não temos rabo preso com ninguém", disparou.

Sobre a oferta do grupo empresarial de permitir a doação de quatro hectares de terra para cada família ribeirinha, o secretário informou que a intenção da prefeitura juntamente com o Iteam e garantir um total de 18 mil hectares para as cerca de 200 famílias envolvidas diretamente. "Nós sabemos que o ribeirinho não consegue viver com somente quatro hectares, pois isso estamos buscando aumentar a área disponível para eles", declarou.

Ainda de acordo com ele, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) tem conhecimento do fato e está realizando investigações. "Este é um conflito que vem se arrastando por mais de dez anos, mas agora é nosso compromisso resolver de uma vez por todas esta questão", finalizou o secretário.

A presidência da Iteam rebateu as acusações da CPT e informou que órgão está tomando as providências cabíveis para resolver a questão e, que, no próximo dia 18 será realizada uma nova reunião na qual o Iteam deverá apresentar um documento conclusivo sobre o caso. A presidência do Instituto disse, ainda, que é um órgão regulamentador e que está fazendo o que lhe compete.

Outro grupo empresarial reivindica posse e busca apoio parlamentar
No dia 02 de fevereiro, portanto dias antes da reunião em Barreirinha com a prefeitura, Iteam, CPT-AM e comunitários, outro grupo de empresários representantes da empresa holandesa Fiam visitou a deputada Conceição Sampaio (PP) e, na ocasião, solicitaram apoio de Conceição Sampaio "... junto às autoridades estaduais, nomeadamente o Instituto de Terras do Amazonas (Iteam), para a solução de alguns problemas fundiários na área,...". O grupo também afirma ser dona da área em questão.

A deputada Conceição Sampaio disse que recebeu o grupo, mas que não manifestou opinião sobre o conflito e que o caso foi encaminhado ao diretor-presidente do Itema, Sebastião Nunes. "Não tomei partido algum nesta questão. Apenas recebi os empresários. O mais correto é levar o caso ao Iteam. Isso foi feito e também estarei acompanhando os desdobramentos", disse a parlamentar, que é membro da Comissão de Meio Ambiente, Amazônia e Recursos Hídricos da Assembléia Legislativa do Amazonas (ALE).

"Os empresários deram a versão deles dos fatos, mas precisamos ouvir todos os envolvidos", completou Sampaio.

Para a coordenadora da CPT-AM, Auriédia Marques, a visita do grupo à deputada é uma tentativa de garantir uma ‘fachada’ legal para legitimar a posse da terra. "Eles buscam apoio com o discurso de que vão respeitar o meio ambiente e aos povos habitantes do local, mas isso é só discurso. Se eles querem agir dentro da legalidade, vamos, primeiro, comprovar a veracidade da posse da terra que eles apresentam", desafiou a religiosa.

(Adital, 17/03/2010)


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