Cientistas canadenses alertam que a idéia de "fertilizar" os oceanos para que capturem mais dióxido de carbono da atmosfera pode resultar na intoxicação de diversas espécies marinhas e inclusive do próprio ser humano
Pesquisas divulgadas recentemente demonstram que ainda há muito a se descobrir sobre os complexos e fascinantes processos envolvidos na química da rica vida marinha antes de começar a colocar em práticas técnicas de geoengenharia.
Um estudo lançado na última edição do periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences USA coloca mais um obstáculo para a idéia de adicionar ferro aos oceanos visando aumentar a absorção do dióxido de carbono atmosférico.
Um grupo de pesquisadores liderados pelo ecólogo Charles Trick, da Universidade de Western Ontário, no Canadá, concluiu em experimentos no Pacífico Norte que o ferro, apesar de ser essencial na nutrição do plâncton, em concentrações muito grandes pode desencadear florações tóxicas.
Microscópicos organismos, os plânctons, formam a base da cadeia alimentar marinha e o chamado fitoplâncton, que realiza fotossíntese, é responsável por absorver grandes quantidades de dióxido de carbono da atmosfera.
Os experimentos do grupo de cientistas confirmaram que adicionar ferro a água do mar aumenta a produção de ácido domóico pelo plâncton do gênero Pseudonitzschia. Este ácido é uma neurotoxina e se acumula em frutos do mar, como ostras, mariscos, siris e lagostas e até em vísceras de peixes, podendo afetar aves e mamíferos. Em humanos causa uma doença chamada ASP (Amnesic Shellfish Poisoning) com distúrbios gastrointestinais, como diarréia, vômitos e dores abdominais, até a dor de cabeça, com alterações no sistema nervoso.
O gênero pseudonitzschia é um dos muitos que compões o grupo das diatomáceas e é amplamente distribuído nos mares do globo, inclusive na região costeira do Brasil, onde freqüentemente é responsável pela interdição da comercialização de frutos do mar.
A idéia de ‘fertilização’ dos oceanos como uma forma de seqüestrar o carbono surgiu na década de 1980 e desde então diversos testes controversos tem sido realizados e vários projetos faraônicos têm sido propostos.
De veneno a nutriente
Ao mesmo tempo, outro estudo publicado nesta segunda-feira no periódico Nature Geoscience demonstra a importância do ferro para incentivar o desabrochar da vida marinha. Cientistas australianos e franceses confirmaram pela primeira vez que as águas quentes em fontes hidrotermais ao redor de vulcões submarinos são uma fonte significativa de ferro nos oceanos.
As mensurações do ferro dissolvido nas profundezas do Oceano Austral, até quatro quilômetros de profundidade, foram feitas comparando com modelos do traço de transporte do gás hélio-3 que também existe nestas fontes hidrotermais e para o qual existem dados disponíveis.
“Nossas descobertas indicam que o ferro fornecido pelos vulcões nas profundezas marinhas é relativamente constate ao longo de períodos de milênios e, ainda mais importante, ajuda a produzir entre 5% e 15% do estoque de carbono total no Oceano Austral, e em algumas regiões até 30%”, explicou o principal autor do estudo Alessandro Tagliabule segundo o Science Alert.
Até agora se acreditava que as principais fonte de ferro para o fitoplâncton eram a poeira e os sedimentos na superfície oceânica.
Os avanços da ciência moderna podem criar choques de antigos paradigmas, abrir novas fronteiras e com isso contribuir para a compreensão do funcionamento dos processos intrínsecos ao planeta. Porém, eles também são um lembrete que apesar de pensarmos que compreendemos o que está acontecendo no meio ambiente, precisamos ser cautelosos, pois certamente ainda nos surpreenderemos muito.
(Por Fernanda B. Muller, CarbonoBrasil, 16/03/2010)