Uma questão vem preocupando ambientalistas, servidores da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul – FASE, moradores de comunidades vizinhas ao Centro de Atendimento Sócio-educativo Padre Cacique – CASE, em Porto Alegre.
Trata-se de uma proposta do executivo estadual, através do PL 388, protocolado na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, que tem o objetivo de vender, através de processo licitatório, no sistema de permuta, a área onde localiza-se o CASE. É mais um ato contra o patrimônio público do estado.
A FASE, responsável pela execução de medidas socioeducativas de internação e de semiliberdade determinadas pelo Poder Judiciário e direcionadas a adolescentes autores de ato infracional, foi criada a partir da lei estadual nº 11.800, e do decreto estadual nº 41.664 – Estatuto Social -, ambos de 2002.
Tal iniciativa se enquadra no processo de reordenamento institucional iniciado pela edição do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, criado pela lei nº 8.069/90, o qual também provocou o fim da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM. A FASE é órgão do governo do Estado vinculado à Secretaria da Justiça e Desenvolvimento Social.
A FASE conta com 1.792 funcionários e possui 16 unidades de atendimento em todo o Estado do Rio Grande do Sul, sendo 06 em Porto Alegre e 10 no interior, com cerca de 770 atendimentos, meninos e meninas, 405 na capital dos gaúchos.
Centro de Atendimento Sócio-educativo Padre Cacique – CASE – que o governo pretende entregar para especulação imobiliária, tem capacidade para abrigar 80 adolescentes, e destina-se ao atendimento de adolescentes com medida de Internação Sem Possibilidade de Atividade Externa – e Com Possibilidade de Atividade Externa, oriundos dos Juizados da Infância e da Juventude onde ainda não há unidades da Fase.
A cobiçada área de 75 hectares, foi registrada no Cartório de Imóveis de Porto Alegre sob o Nº 5936, está situada na Avenida Padre Cacique, embora Relatório Georreferenciado da Fundação do Meio Ambiente do RS – FEPAM – tenha registrado 72,43 hectares.
A área foi estimada em R$ 160 milhões, mas seguindo a esteira do que aconteceu no caso do Pontal do Estaleiro, área vizinha. Logo depois de leiloada a área, a legislação que norteava e limitava o uso do terreno, foi altera pelo Legislativo Municipal, ampliando as possibilidades de uso e ocupação. Como resultado houve uma valorização de mil por cento do terreno e do empreendimento em si, um grande negócio para os investidores, um grande prejuízo para os cofres públicos e um grande impacto ambiental e paisagístico, perdem os Portoalegrenses, perdem os gaúchos.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS -, existem hoje no mundo mais de 100 milhões de crianças vivendo em condições de abandono, destas, cerca de 10 milhões são brasileiras. Na sua grande maioria sem escolaridade, que sofreu ou sofre, atos ou processo violentos, e a situação complexa e delicada de suas vidas merece uma maior atenção. A condição de abandono, de falta de orientação e referencias mínimas, coloca todos os dias, centenas de jovens à mercê da ilegalidade. Acreditando na necessidade de garantir, ampliar e qualificar os serviços e projetos desenvolvidos no âmbito institucional cobra-se das autoridades locais responsáveis, ações concretas de melhorias nas condições de vida, da infraestrutura disponível para os internos, educandos, e para os servidores.
Acredito na importância do Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo (SINASE), fruto de uma construção coletiva que envolveu governos e representantes de entidades dos menores e dos direitos humanos. Em seu documento base, está expressa a necessidade de uma política de descentralização. Mas isto significa o sentido de territorialização. Expandir as unidades de atendimento, ampliá-las, melhorá-las, sem fechar as preexistentes. A proposta do governo, em sua justificativa, usando de oportunismo, usando como escudo as necessidades dos menores, é no mínimo sórdida, cruel e lamentável. Coisa que até o diabo teria medo. O texto expressa que:
“a proposta encontra guarida, pois na busca de amenizar os efeitos danosos provocados pela privação de liberdade, tais como ansiedade pela separação, carência afetiva, baixa autoestima, afastamento da vivência familiar e comunitária, dentre outros, pretende garantir um melhor acompanhamento na reinserção social dos adolescentes. Aqui, é importante mencionar o déficit de 287 vagas na Instituição, decorrente do excedente por unidade de atendimento, fato que aumentou consideravelmente o número de adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de internação em desconformidade com a legislação vigente. Com efeito, a apresentação da proposta de permuta, mediante processo licitatório, por unidades descentralizadas que atendam estritamente ao padrão previamente determinado pelo SINASE se justifica, uma vez que a área onde se localiza a Fundação não apresenta mais condições de instalação das novas unidades e a Instituição não dispõe de recursos financeiros para atender a demanda. Ademais, no pertinente à viabilidade jurídica, a Procuradoria-Geral do Estado já analisou a hipótese de realização de permuta de terreno por área a ser construída e, do estudo, foi emitido o Parecer PGE nº14.801 favoravelmente a este tipo de escambo, troca esta que poderá ser perfectibilizada por meio de acordo prévio de promessa de permuta a ser efetivado entre as partes, precedido da necessária autorização legislativa e, após a construção da edificação, deverá ser implementada a permuta propriamente dita de imóvel por natureza (solo) por imóvel por acessão (edificação).”
Ver na integra do PL 388
Para o UNICEF, o crescente número de “crianças de rua” é um produto da urbanização, da pobreza, da falta de alternativas, tudo estimulado pelo modelo de desenvolvimento das cidades. A metropolização dos territórios, promovido pelo capital especulativo imobiliário, que acena com falsas possibilidades para reais necessidades, replicando os processos de exclusão, os quais denominam Reestruturação Urbana.
A tragédia maior é que este processo exofágico, que engole a cidadania, se replica de forma mais direta no caso da CASE Padre Cacique. Dentro das 72,43 hectares, vivem cerca de 4 mil famílias, um total de aproximadamente 20 mil pessoas. Distribuídas nas comunidades Ecológica, Gaúcha, Prisma, União, Cruzeiro e dos Funcionários.
A possível realocação destas comunidades acentua o processo de segregação espacial das cidades, como já observado aqui mesmo em Porto Alegre. Em precárias condições, a margem do Estado, sem serviços mínimos, vivem em construções irregulares, situadas em Áreas de Preservação Ambiental.
Quero ressaltar o perigo que ronda aquelas comunidades. Mesmo que suas moradias sejam regularizadas. Isto não elimina o risco eminente de um êxodo da comunidade, ou mesmo um significativo aumento no fluxo de famílias com outras regiões da cidade. Pois o registro do imóvel valoriza e oficializa um possível negócio. Então, não resolve o problema de ninguém a venda do CASE Padre Cacique, pois mesmo regularizando a parte das moradias no terreno, algo em torno de 20% do total, não tem garantias de reversão em melhorias para as famílias que ficaram, servidores e educandos internos.
Sou favorável a regularização das atuais moradias, acompanhada de investimentos em infra-estrutura – saneamento, acessibilidade, contenção de encostas, por ser área de risco, e acima de tudo uma garantia de estancar novas ocupações em área de encostas, preservando os remanescentes de vegetação nativa e a paisagem. Medida que deve ser serve adotada para todos os morros da cidade. Garantir a preservação do que resta.
A valorização da área, em conseqüência de uma possível alteração do regime urbanístico, fato que ocorreu recentemente, ou a simples sinalização de um empreendimento na “política de núcleos exclusivos”, terão como conseqüência uma supervalorização das propriedades, estimulado a venda, como resultado expansão para outros morros, áreas adjacentes a cidade, mergulhados no caos urbano.
Em meia a córregos, são três, completamente poluídos com esgoto doméstico e lixo, e as ligações elétricas irregulares, que trazem risco aos moradores, existe uma violenta expansão de novas ocupações, destruindo a vegetação nativa, também estimulada pela possibilidade acenada pelo Governo Estadual, de indenizar famílias. Na lógica que paga para não se incomodar.
As áreas de vegetação nativa, 23 hectares de mata, predominante matas ciliares, que protegem os copos hídricos, mas também nas encostas do morro, tem espécies de até 10 metros de altura com acentuado grau de endemismo, além de 14 hectares de campos, também com espécies raras. Patrimônio natural que está ameaçado.
Se faz urgente medidas para contar o avanço das moradias em Áreas de Preservação Permanente, acima de tudo, aquelas que representam mais risco à segurança do próprio cidadão, bem como implementar políticas de regularização fundiária, assegurando os direitos daqueles mais vulneráveis e em processo de marginalização, em acordo com a Lei 11.997/09, que trata sobre a regularização em áreas de preservação urbanas.
Devo denunciar mais um capítulo do autoritarismo e obscurantismo do atual governo estadual. A direção da Fundação Estadual Zoobotânica, restringiu o acesso a um Relatório de Fauna e Flora realizado recentemente na área de Fase, a pedido e entidades ambientalistas e sindicatos (APEDeMA, Biofilia, CUT e SEMAPI). Informado ao Legislativo, este também teve negado acesso, mesmo que temporariamente. Um documento público, com dados importantes sobre a diversidade natural da área, que está sendo cerceado por seu conteúdo, pela sua diversidade, quantidade e qualidade de informações. Fato corriqueiro da gestão ambiental gaúcha nestes últimos anos. É assim dentro do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, Secretaria Estadual do Meio Ambiente – SEMA, Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM). As entidades ambientalistas buscando informações e posicionamento por parte do governo e aliados. Governo e aliados, conspirando dentro das instituições públicas.
Devemos repudiar a iniciativa articulada do capital especulativo imobiliário que está sitiando a Orla do Guaíba, privatizando os espaços públicos e restringindo o livre acesso a população, mercantilizando a paisagem, degradando o meio ambiente. A tentativa de venda do terreno faz parte do projeto de tornar a capital dos gaúchos uma pseudo-Dubai, um dos sete emirados árabes, reunidos desde 1971, dois anos após a descoberta de petróleo na região. Dubai é uma ilha de artificialidades, ícone da insustentabilidade mundial, fruto da irracionalidade material, financiada e mantida pelos petrodólares, sujos de carbono. É isto que queremos para Porto Alegre?
A área de FASE conecta e interliga o corredor de investimentos privados, com estímulos e parceria pública, num mosaico de imoralidades. O Projeto Gigante do Internacional, Projeto Cais do Porto, o Pontal do Estaleiro e Barra Shopping, tudo conectado, interligado, limitado a poucos. Fazem parte do mesmo projeto urbanístico.
Não podemos permitir mais este prejuízo ao erário público. Diante destes fatos não estamos diante de uma questão ambiental e social, estamos falando de uma questão ética e moral. E este governo não tem envergadura ética nem moral para vender, se quer nem mais um “puf verde”.
Pelos educandos, pelas comunidades, pelos servidores, pela preservação ambiental, pelo patrimônio público.
NÃO AO PL 388!
(Por Felipe Amaral, OngCea, 15/03/2010)