Convicto de que o aquecimento global não depreda as florestas, mas contribui para seu crescimento, o geólogo Aziz Ab’Saber, em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, confessa que “quando eles começaram a falar nos jornais que o aumento da temperatura ia derruir a Amazônia e derruir o sudeste do Brasil até o Rio Grande do Sul, eu fiquei desesperado com a estupidez. E o tempo está mostrando: quanto mais calor, mais umidade, mais penetração”.
Aziz Nacib Ab’Saber, 85 anos, é geógrafo e professor universitário brasileiro considerado referência em assuntos relacionados a impactos ambientais e meio ambiente. Laureado com as mais altas honrarias científicas nacionais e internacionais em Ecologia, Geologia e Arqueologia, é membro honorário da Sociedade de Arqueologia Brasileira. É também presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, e professor-honorário do Instituto de Estudos Avançados da mesma universidade. Embora tenha se aposentado compulsoriamente no final do século XX, mantém-se em plena atividade no século XXI.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O senhor pode fazer uma análise da política ambiental brasileira nos últimos oito anos? Quais os principais avanços, fracassos e limites?
Aziz Ab’Saber – Pelo que tenho acompanhado dia-a-dia nos jornais, a política ambiental brasileira é muito irregular. Nesses últimos oito anos, nós tivemos a dona Marina Silva, que é uma pessoa extraordinária, fala bem, mas conhece mal o Brasil. Então, não teve a possibilidade de fazer uma política ambiental que pudesse abranger do norte da Amazônia, de Roraima, até o Rio Grande do Sul, ou do Rio Grande do Norte até o Brasil Central. Ela cuidou muito bem de assuntos do Acre. Depois dela veio o Minc, um homem de ONGs. E as ONGs, como se sabe, nesse país, são organizações ditas não-governamentais, mas o que elas desejam sempre, através de seus líderes, é transformar-se em governamentais. Nesse sentido, as ONGs têm focos específicos, projetam-se para certos temas e também não entendem de fatos mais integrados relacionados com as diferentes regiões do país. E têm surgido grandes erros por parte dos administradores. Eu não quero fazer críticas pessoais, mas, do ponto de vista do governo federal, é lamentável o que tem acontecido.
IHU On-Line – Como o senhor vê a transposição do Rio São Francisco?
Aziz Ab’Saber – Os governantes acharam que transpondo águas do São Francisco iam resolver o problema da água no Nordeste. Pois a transposição foi transformada em bandeira eleitoreira, e até agora não foi feita. A gente sabia que ia acontecer esse problema. Além disso, o governo teimou em dizer que ia resolver o problema do semiárido na sua área total e para sua população total. Isso não é verdade. E eu chamei a atenção para o fato de que, no nordeste, existem dois períodos bem diferenciados: um período muito seco, com pouquíssima evaporação, no qual o lençol freático desce muito, e, além disso, durante seis meses, os rios ficam secos, o lençol de água vai se infiltrando abaixo do nível do leito dos rios. O nordestino sabe que sobra um pouco de água embaixo das areias do leito seco, mas são assuntos que precisam ser percebidos. Por exemplo, a fase muito seca é que precisa de mais água retirada do Rio São Francisco, já a fase chuvosa não precisa tanto. Mas tem um problema: a fase mais seca significa menos água para as grandes usinas hidrelétricas. Então a coisa é mais séria do que os governantes dizem para o povo, e que a mídia depois expõe de um modo não muito correto.
IHU On-Line – O senhor pode explicar suas razões para justificar por que o aquecimento é bom para a floresta?
Aziz Ab’Saber – O aquecimento na região de área tropical já é um fato. Aqui, em São Paulo, no começo do século passado, a temperatura média era de 18,6ºC, segundo os informes obtidos por uma pequena estação metereológica particular. E hoje é de 20,8ºC. Isso quer dizer que, na região de São Paulo, considerada isoladamente, o aquecimento foi muito grande, em termos médios. Por outro lado, o aquecimento nas cidades de certas bacias urbanas, de redes urbanas bastante amplas, também aumentou um pouco mais, mas não tanto como na cidade de São Paulo. E, levando-se em conta o desmatamento muito grande que houve no estado de São Paulo, que não possui mais de 8% de matas preservadas exatamente na serra do mar, mas para dentro dos planaltos, onde existem vários tipos de agriculturas e de vida agrária importante, certamente houve um aquecimento. Eu tenho chamado a atenção para dizer que o aquecimento é uma realidade e que pode ocorrer ao longo de 100, 200, 300 anos, e pode provocar realmente um aumento do nível dos mares nas zonas costeiras brasileiras. Isso me deixa bastante preocupado com as cidades que estão em planícies rasas. E enfatizo que, quanto mais calor, mais evaporação, e isso é o mais importante de tudo: quanto mais evaporação, mais entrada de umidade para essa faixa atlântica que é conhecida sempre sob o nome genérico de matas atlânticas. Então, quanto mais umidade entrar para o lugar que cria matas atlânticas ao longo desse trecho que vem desde o sudeste do Rio Grande do Norte até o sudeste de Santa Catarina, menos depredação da vegetação, dos ecossistemas das florestas tropicais e atlânticas do Brasil. Isso é lógico. Quando eles começaram a falar nos jornais que o aumento da temperatura ia derruir a Amazônia e derruir o sudeste do Brasil até o Rio Grande do Sul, eu fiquei desesperado com a estupidez. E o tempo está mostrando: quanto mais calor, mais umidade, mais penetração.
Anos anômalos
Só que é preciso saber também que existem anos mais complexos, mais anômalos. De 12 em 12 anos, de 13 em 13, ou de 26 em 26 anos, há períodos extremamente complicados do ponto de vista da dinâmica climática. Basta lembrar o caso do nordeste de Santa Catarina, que eu estudei com cuidado quais foram as épocas de mais chuvas lá, e dá exatamente de 13 em 13 ou de 12 em 12 anos. Então, fiz um trabalho, que está publicado no Instituto de Estudos Avançados da USP, que pode ser encontrado no site da Scielo (1) . Ali se pode ler o que eu deduzi sobre Santa Catarina. A conclusão foi bastante séria. Eu disse que se os governantes que conheceram a tragédia de Santa Catarina não fizerem obras e projetos adequados para melhorar ou minimizar os efeitos das grandes precipitações da serra catarinense, com descida das águas para Blumenau e para o Vale do Itajaí nos próximos dez anos, antes que venha outro ano anômalo, vão acontecer tragédias de maior consequência. E isso vale para outras áreas do país.
IHU On-Line – Quais as consequências mais graves para a sociedade da falta de saneamento e do tratamento de água de baixa qualidade?
Aziz Ab’Saber – O problema do desenvolvimento demográfico e do uso incorreto das águas em grandes cidades brasileiras é um dos mais sérios problemas que o país tem em termos de saneamento básico. Às vezes, pessoas de diversas áreas dizem assim: em vez do pessoal de São Paulo falar de assuntos amazônicos, deveria cuidar de despoluir as águas do Rio Tietê. Isso mostra que existem problemas de todo o tipo no Brasil, e alguns muito difíceis de serem resolvidos. Aqui em São Paulo, dentro da cidade propriamente dita, temos doze milhões de habitantes, mais a grande São Paulo, que está muito entrosada em termos de escoamento de águas e de córregos poluídos. Então, a dificuldade para despoluir as águas do Tietê é imensa. Têm sido resolvidos alguns problemas de inundações, nem todos, mas a despoluição é quase que impossível, porque existe a descarga de mais de 100 córregos da grande São Paulo, levando águas poluídas e esgotos mal tratados para o Tietê. Então, nós temos problemas imensos de saneamento básico, afinal de contas, São Paulo é a segunda maior cidade do mundo, e a região metropolitana de São Paulo é a maior do mundo.
(IHU On-line, Ecodebate, 15/03/2010)