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terras indígenas hidrelétricas no rio tapajós impactos de hidrelétricas
2010-03-15 | Tatianaf

No território da bacia hidrográfica do Tapajós está inserido o que é considerado atualmente o maior distrito aurífero do mundo. Empresas nacionais e internacionais estão articuladas para explorar e expropriar, com o aval do Estado e financiado por ele, esse potencial imensurável de riqueza que está no interior das terras indígenas.

Na vasta Mundurucânia, no alto Tapajós, habita o deus criador do mundo, Karosakaybu, segundo os Munduruku (MELLO, 2006).

Um deus tão poderoso que transformaria homens em animais e protegeria os Munduruku para que não lhes faltasse caça e pesca. A harmonia com a natureza estaria assegurada com tão importante protetor.

E ele fez, com seu poder de deus, surgir o paraíso no rio Tapajós adicionando-lhe um local especial com cachoeiras e corredeiras, palco sagrado para os cantos e danças das mulheres Munduruku.

Então, chegou o dia em que ousaram profanar esse território sagrado. E o véu místico formado por centenas de cânticos e rimas que ecoavam nas pedras e nas águas foi arrancado pela pressão dos engolidores da floresta e perdeu-se nos escaninhos da história. Então, o silêncio desceu sobre o lugar sagrado e a inocência dissipou-se nas espumas. Ritos e cerimônias já não são mais ouvidos e espalhados pelo rio poderoso e belo.

Ainda hoje os Munduruku contam suas histórias no esforço de manter um elo com suas crenças e valores ameaçados pela realidade do mundo moderno. Buscam o irreal para tentar adicionar um tanto de sonho às ambições dos jovens indígenas com destino ainda não delineado. A insegurança é o inimigo contra o qual, hoje, os Munduruku têm que lutar.

Das guerras, as cabeças do inimigo como troféu. Nas flautas e nos cantos ainda guardam a forma de encantar os animais nas florestas e encontram o último resquício da magia da sua história. Restam os Xamãs, únicos que podem invocar as Mães da Caça numa súplica contra os seres que querem ameaçar os animais.

A vasta região da Mundurucânia, referida por Aires de Casal (1976), foi descrita da seguinte maneira: “confina ao sul com a Juruena, tem ao norte o Rio Amazonas, ao poente o da Madeira, e ao nascente o Tapajós. Seu comprimento norte-sul é de noventa léguas na parte oriental, e a largura média de sessenta, com uma área de quarenta e quatro milhas quadradas” (CASAL, 2006).

Projetos hidrelétricos ameaçam os Munduruku

A convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes estabelece, como conceitos básicos, a consulta e a participação dos povos indígenas interessados e o direito desses povos de decidir sobre suas próprias prioridades de desenvolvimento. As decisões políticas em gabinetes de Brasília que levam à construção de aproveitamentos hidrelétricos que interferirão em Terras Indígenas podem afetar vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria essência do indivíduo.

Como Estado-membro da OIT e detentor de um assento permanente no seu Conselho de Administração, o Brasil teria obrigação de garantir aos povos indígenas os seus direitos para salvaguardar suas culturas. Isso é lapidar e consta, inclusive, na publicação em comemoração a entrada em vigor da Convenção nº 169 no Brasil, em julho de 2003, um ano após a sua ratificação.

Os impactos causados pelas hidrelétricas previstas no rio Tapajós atingiriam duas terras indígenas, além de afetar a Terra Indígena (TI) Kaiabi, que acompanha o rio Teles Pires por 280 km, e que é contigua à TI Munduruku. Na região, o município de Jacareacanga é considerado uma cidade indígena e está 60% cercado pelas terras dos Sai Cinza, Mundurucânia, Kayabi e Munduruku. A Terra Indígena Munduruku é a maior e ocupa 12% da bacia do Tapajós.

Os Munduruku, cujo primeiro registro data do final do século XVIII, vivem no ambiente da floresta e nas áreas de savana que entremeiam a floresta Amazônica, chamadas de “campos do Tapajós”, no próprio vale do rio Tapajós. Guardam ainda todos os traços da cultura ancestral de aldeias circulares com praças centrais. A agricultura de subsistência e as atividades de caça, pesca e coleta são ainda praticadas como verdadeiros rituais.

A relação desses indígenas com o ambiente natural é estreitíssima e no Inventário Hidrelétrico dos Rios Tapajós e Jamanxim (2008) está consignada no texto sobre os Munduruku:

“A preservação e o desenvolvimento dessas culturas dependem, fundamentalmente, da manutenção daqueles grupos indígenas em seus territórios, o que favorece a sua autonomia e a continuidade das suas relações com os ambientes a que se ligam.”

“Nas aldeias Sateré-Mawé têm grande importância o conhecimento e o cultivo e beneficiamento do guaraná, sendo que esta planta é central na sua mitologia e religiosidade.”

Política do fato consumado
As terras tradicionalmente ocupadas pelos Munduruku estão seriamente ameaçadas. Além dos projetos das hidrelétricas há as propostas de, simultaneamente, incluir a construção das eclusas que transformariam o Tapajós num rio totalmente navegável. No território da bacia hidrográfica do Tapajós está inserido o que é considerado atualmente o maior distrito aurífero do mundo. Empresas nacionais e internacionais estão articuladas para explorar e expropriar, com o aval do governo federal, esse potencial de riqueza que está dentro das terras indígenas.

O ecossistema da bacia do Tapajós não vai jamais assimilar as transformações potenciais impostas pela maximização do lucro. Tentar ocupar o território indígena com atividades minerárias e geração hidrelétrica vai colocar em risco o regime das águas e os gigantescos igapós formados no período das cheias; é uma agressão sem limites.

Crescimento econômico a qualquer custo e colapsos ambientais andam de mãos dadas para reproduzir implacavelmente os erros do passado.

Os projetos do Complexo do Tapajós ferem o princípio do uso da água de forma sustentável e poderão trazer graves conseqüências às comunidades rurais, ribeirinhas e aos povos indígenas. Em momento algum antes do processo decisório foi articulada uma avaliação das interferências que as populações envolvidas sofrerão. A política do fato consumado é uma constante no planejamento global do Estado. Os indígenas considerados obstáculos junto com a natureza acabam sendo despidos de seus direitos e forçados a conviver com mudanças que alterarão para sempre sua relação com o habitat.

As hidrelétricas alteram desde a velocidade da água de um rio até o clima da região em que se insere. Uma única hidrelétrica numa bacia hidrográfica significa a transformação irreversível de todas as características essenciais que fazem do ecossistema a base da sobrevivência dos povos indígenas.

As transformações não são apenas decorrentes do período de construção; elas persistirão por toda a vida útil do empreendimento e além, afetando gerações e sem que as compensações apensadas às licenças ambientais e os programas de mitigações tenham contribuído para melhorar a e vida dos atingidos. O efeito é o de uma bomba.

As barragens produzem o efeito arrasador de uma bomba, enviando ondas de destruição na Amazônia na forma de ocupações irregulares e desmatamento, induzindo a um furioso desequilíbrio ambiental. A Amazônia é frágil e basta um único mega projeto para desencadear e propagar a destruição.

Para empreendedores, investidores e Estado os povos indígenas e as populações tradicionais terão que conviver com a racionalidade econômica ocidental. É o que se pode depreender, com clareza, dos diversos documentos que subsidiam instâncias de tomadas de decisão. Sob um manto de disfarce de necessidade de inovação, da tendência dita globalizada, se pretende que os indígenas aceitem um novo padrão de conhecimento e se curvem à obsolescência programada dos bens de consumo. Esse seria o portal de entrada para induzir à aceitação compulsória de uma nova estrutura física e social para os territórios imemoriais.

Os garimpos do Tapajós já são historicamente conhecidos e a exploração da terra para o agronegócio o é, também, ao longo do Juruena. Construir hidrelétricas em série nessas regiões significaria fornecer o pretexto que políticos locais e empresas mineradoras precisam para transformá-las em áreas legalmente devastadas.

A dependência dos indígenas do mercado artificial que está sendo criado pelas interferências em seus territórios alavancadas por empreendimentos hidrelétricos só poderá servir como mecanismo perverso de dominação e exclusão. A última palavra fica sempre, nesse caso, apenas com os detentores do poder econômico, movidos pelo modo capitalista de produção de energia calcado na exploração dos recônditos mais preciosos dos biomas brasileiros. O agravante perverso é a destruição do tecido social e cultural de populações tradicionais.

(Por Telma Monteiro, Blog Telma Monteiro, 14/03/2010)


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