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2010-03-12 | Tatianaf

Carlos Nobre, cientista brasileiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), comenta os ataques que o órgão internacional vem sofrendo e discorre sobre a posição dos cientistas céticos em relação às mudanças climáticas.

Eis a entrevista.

Desde o segundo semestre do ano passado, o IPCC vem recebendo ataques em decorrência do suposto vazamento de e-mails e do erro em dados sobre o derretimento do Himalaia. Ao mesmo tempo, estamos tendo um inverno rigoroso na Europa. Somados, esses fatores trouxeram de volta a debate os questionamentos sobre a existência do aquecimento global, uma discussão que já estava praticamente encerrada. Na sua opinião, quais as causas desse retorno?

Esses acontecimentos servem de impulso para os céticos porque eles não conseguem trazer qualquer fato científico novo, surpreendente, que coloque realmente em dúvida a ciência robusta e sólida do aquecimento global. Assim, se apegam a qualquer coisa – por exemplo, o inverno rigoroso no hemisfério norte – para contestar o aquecimento do planeta. Como não têm condições de debater no nível da ciência, por isso querem jogar o debate em um nível político. Existem aí enormes interesses econômicos afetados pela mudança do paradigma da geração de energia, pela troca de todo o sistema de produção que a partir do qual construímos o bem estar moderno.

Eu não acho que esse ceticismo vá durar muito, pois a ciência não para de avançar. Não há uma semana em que não seja publicado pelo menos um paper da mais alta qualidade sobre o assunto nas melhores revistas científicas. Todo esse alvoroço e os questionamentos sobre a legitimidade do órgão são mais uma jogada política de quem é contra a agenda climática. Mas essas coisas duram muito pouco, porque a força da ciência é tremenda. Os pseudo-cientistas que defendiam o tabaco na década de 1970, contratados a peso de ouro pelas companhias de cigarro, por exemplo, desapareceram. Isso porque a ciência explica como os fenômenos ocorrem. E tabaco, câncer e doenças cardíacas estão relacionados. Ninguém mais questiona isso. Da mesma forma, ninguém irá se lembrar dos pseudo-cientistas que se prestam a esse trabalho contra a ciência do clima.

Como a crise no IPCC pode afetar a credibilidade da ciência do clima?
Quem faz avançar a ciência do clima não é o IPCC. Quem faz avançar a ciência do clima é a ciência. O IPCC só sumariza resultados. E ao fazer esse sumário, o IPCC não é infalível, como nenhuma instituição científica é infalível. Semana passada, inclusive, a revista Nature Geoscience retirou de circulação um paper que havia publicado. E essa publicação científica tem um dos mais rigorosos sistemas de revisões do mundo. Por isso, repito: nenhuma instituição científica é infalível. Nenhum cientista é infalível. E o método científico tem essa característica: a ciência está sempre se auto-corrigindo. É lógico que o que aconteceu com o IPCC é um alerta importante, apesar do problema ter sido relativamente pequeno. Nenhum dos erros apontados, vale destacar, chegou ao sumário enviado para os tomadores de decisão. Por isso creio que essa ênfase exagerada que está sendo colocada no órgão é muito mais uma questão política do que científica.

Diante de suas afirmações de que este é um debate político e econômico, é possível apontar setores por trás dos céticos em relação às mudanças climáticas?
Antes de tudo, é preciso deixar claro que não sou especialista nesse tópico. Mas recentemente tive contato com a resenha do livro Climate Coverup: the cruzade to deny global warming (A dissimulação do clima: a cruzada para negar o aquecimento global), do advogado e ambientalista canadense James Hoggan, que mapeia como foi montada a estratégia do lobby anti-aquecimento global. Na resenha, feita pelo economista Ladislaw Dowbor, encontramos mais ou menos o seguinte: “A articulação envolve instituições conservadoras e poderosas. Sempre empresas petróleo, carvão e produtores de carro, muitos dos republicanos e a direita religiosa. A maioria desses movimentos [contra o aquecimento global] é originária dos EUA e é mantida por esse lobby”. Vale destacar o papel preponderante da indústria do carvão. Na área do petróleo a Exxon Mobil é uma das poucas companhias que insistem em apoiar esse tipo de pesquisa. A maioria já está mudando o foco e investindo em energias renováveis.

Como avalia as reportagens sobre a crise do IPCC?
A imprensa ocidental moderna é regida pelo pluralismo. Por isso, ela sempre procura dar espaço para quem tem uma visão diferente. O problema é que a dissidência acaba recebendo um peso muito grande. Foi demonstrado nos EUA que os céticos tinham um espaço na imprensa quase idêntico ao destinado aos cientistas que falavam de aquecimento global. O problema é que 0,1% dos cientistas que entendem de clima são céticos. Isso significa que menos de 1% da ciência tinha 50% do espaço no debate sobre existência ou não das mudanças climáticas que chega ao público por meio da grande imprensa. É lógico que dessa forma os leitores vão ter uma idéia de que são duas teorias científicas equivalentes. Isso reflete muito mais a pluralidade da mídia, que às vezes é usada em excesso, do que necessariamente a força das teorias de vários cientistas.

Quais as perspectivas para o IPCC, após a questão do erro nos dados sobre o Himalaia?
Como disse anteriormente, esse foi um alerta importante e o IPCC já chamou um corpo de pesquisadores independentes, que irá divulgar em três meses um relatório revisando os dados. E não se surpreenda, eu prevejo que outros erros serão encontrados. É inevitável. São 3 mil paginas e tudo é realizado por meio de trabalho voluntário. Eu, por exemplo, eu já trabalhei e trabalho em vários relatórios, e posso afirmar que existe uma pressão enorme de tempo para a conclusão. Além disso, é necessária uma lógica complexa para que tudo seja levado em consideração. É impossível não encontrar algum erro. Assim, para evitar esse tipo de problema, acredito que o IPCC deva contar com uma errata contínua, como os jornais apresentam todo dia, por exemplo. Se forem apontados erros após a publicação de um relatório, o órgão deve imediatamente divulgar uma errata. Não se pode esperar cinco anos para que o relatório seguinte cubra o assunto e divulgue erros encontrados.
 
(ANDI Mudanças Climáticas, Envolverde, IHU-Online, 12-03-2010)


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