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impactos mudança climática cop/unfccc plano climático
2010-03-10 | Tatianaf

A discussão entre vários grupos que estão envolvidos na questão do clima, buscando a articulação e compartilhamento de iniciativas é o principal objetivo da Campanha Global para Ações para Proteção do Clima (GCCA). Nesta entrevista, concedida por Aron Belinky, coordenador da GCCA no Brasil, ele analisa no que resultou a Conferência do Clima em Copenhague, a COP 15, e explica como andam as preparações para o evento. “A campanha está se direcionando, principalmente, em duas frentes. Uma delas é cobrarmos do governo brasileiro as medidas nacionais, que tem a ver com o que foi discutido durante a COP 15, como, por exemplo, o inventário nacional de emissões. A sociedade deve cobrar isso”, afirma. A entrevista foi realizada por telefone.

Ainda sobre avanços na GCCA deste ano, Belinky fala sobre suas abordagens. “Uma das coisas que ficaram claras é que a campanha deve se focar não só no projeto das Nações Unidas, mas também naquilo que acontece ao nível de cada país e a nível do cidadão, da empresa e do que cada um está fazendo no seu dia-a-dia”, garante.

Aron Belinky é pesquisador e consultor, especialista em responsabilidade social, sustentabilidade e consumo sustentável, tem formação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (SP) e Geografia pela Universidade de São Paulo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que está sendo preparado para a Campanha Global para Ações para Proteção do Clima deste ano?
Aron Belinky –
Ainda estamos com a campanha fechada no Brasil, pois queremos fazer a campanha daqui coordenada com a internacional, que também está em fase de planejamento. Ainda não temos uma agenda exata para o ano. Possivelmente teremos isso mais definido no final de março. A campanha está se direcionando, principalmente, em duas frentes. Uma delas é para cobrarmos do governo brasileiro as medidas nacionais, que tem a ver com o que foi discutido durante a COP 15, como, por exemplo, o inventário nacional de emissões. Este é um ponto fundamental a ser tratado, e que até agora não apareceu. A sociedade deve cobrar isso. Outro exemplo são medidas ligadas ao combate ao desmatamento.

No plano internacional, temos duas grandes linhas em que vamos trabalhar. Uma é o projeto das Nações Unidas, propriamente dito, que é acompanhamento da COP 16, onde percebemos que haverão várias mudanças. O secretário da Conferência do Clima, Yvo de Boer [1], renunciou há algumas semanas. Ainda está sendo escolhido quem será seu sucessor, e isso é muito sintomático. Isso faz parte das dificuldades de ter um processo de organização e de solução dos conflitos na conferência que seja mais eficaz, para não dar uma paralisia como tivemos em Copenhague. Um outro ponto do plano internacional, que também vamos acompanhar, é todo o trabalho preparatório. Existem desde reuniões com o G8 e G20, que já estão acontecendo e que, de alguma maneira, preparam as negociações da COP 16, e também reuniões com outros grupos da sociedade civil. Por exemplo, tem essa conferência que acontecerá em Cochabamba, em abril. Lá os movimentos sociais, que são mais de esquerda, estão questionando como avançou a discussão do clima na COP 15, e estão colocando alguns pontos de cobrança. A discussão entre vários grupos que estão envolvidos na questão do clima é um ponto importante que iremos trabalhar ao longo do ano.

IHU On-Line – Em relação às campanhas anteriores, para onde esta nova edição quer avançar?
Aron Belinky –
O problema da discussão do clima é que temos muitas frentes ao mesmo tempo. Se pensarmos naquilo que era objetivo na COP 15, um tratado climático global que fosse justo, legalmente vinculante e ambicioso, vemos que isso terá que passar, necessariamente, por muita negociação diplomática e pelo compromisso dos países comprometidos. Ainda não está claro qual será a agenda específica da COP 16, já que ela irá depender dessas negociações preparatórias. Na verdade, o objetivo final continua sendo o mesmo, que é uma convenção do clima que seja capaz de levar em conta tanto as questões da justiça, de responsabilidades de países, o que tem muito a ver com a contribuição para os fundos de adaptação, quanto a questão da ambição. Por exemplo, aquele acordo fechado no final da COP 15, em que os países deveriam colocar suas metas, ficou extremamente fraco e modesto.

Nossa meta de cobrar continua. Queremos que cada país participante apresente metas de redução nas emissões de gases de efeito estufa que apontem contra a elevação da temperatura, para que esta não passe de dois graus.  A essência do que está sendo cobrado não muda. O que muda, na verdade, é a tática com que a campanha irá operar. Talvez isso não seja simples para o público externo. Conversamos em um momento em que a campanha ainda está discutindo de que maneira transformar essas diretrizes estratégicas em pontos de campanha.

IHU On-Line – Como a questão do consumo será discutida dentro da Campanha Global para Ações para Proteção do Clima?
Aron Belinky –
Isto já está bem claro. Recentemente, tivemos uma discussão sobre o planejamento global da campanha, e uma das coisas que ficaram claras é que a campanha deve se focar não só no projeto das Nações Unidas, mas também naquilo que acontece ao nível de cada país e a nível do cidadão, da empresa e do que cada um está fazendo no seu dia-a-dia. Neste sentido, vamos enfatizar na campanha a importância de que, além de termos os resultados e um marco regulatório de política política pública na área internacional, tenhamos também uma referência no cotidiano das pessoas que seja de um consumo menos impactante. Já trabalhamos muito nesta direção, mas a mensagem é a de que toda a entidade irá trabalhar dentro da sua própria vida. O Greenpeace, que é parceiro da campanha, tem seu modo de falar. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), que também é parceiro, tem o seu modo. Cada um irá enfatizar, de acordo com a sua agenda, o fato de que não são só os governos, mas também o cotidiano das pessoas e das organizações.

IHU On-Line – Que desafios se colocam, para sociedade civil, governos e empresas, em relação a questão do aquecimento global, principalmente depois dos acordos firmados em Copenhague?
Aron Belinky –
Na verdade nenhum acordo foi firmado. Aquele acordo de Copenhague, como foi chamado, que saiu de última hora, costurado na proposta do Obama, ninguém considera como acordo climático. Ali se tem intensões muito frouxas e básicas sobre o que poderia ser um acordo do clima, mas não serve de referência para ninguém. É um documento extremamente genérico, e o máximo que irá servir é para que novas conversas sejam feitas em cima dele. Não se imagina que uma empresa, um governo ou uma entidade qualquer vá fazer alguma coisa em função disso que saiu de Copenhague. Quando falo disso, falo na Conferência das Nações Unidas. O que também aconteceu em Copenhague, e isso é importante olharmos, foram dezenas de reuniões entre empresas, grupos setoriais de várias áreas e uma série de eventos paralelos, entre organizações da sociedade civil e entre governos de nível sub-nacional. Por exemplo, José Serra, governador de São Paulo, encontrou Schwarzenegger [2], governador da Califórnia, para discutir o que cada um pode fazer ou está fazendo em seus estados pela questão da mudança do clima.

Esses acordos, feitos fora do âmbito das Nações Unidas, não têm essa força global que uma conferência do clima teria e tem, mas são muito importantes no sentido de dar orientações e de estabelecer, em termos de campos de cooperação entre essa turma. Aí vemos um lado positivo. Não se tem uma orientação geral para todas as empresas, mas se tem muitos direcionamentos. Está muito claro para qualquer empresa, que esteja atenta ao que foi discutido, que o caminho agora para o desenvolvimento econômico passa pela energia limpa, que passa por soluções de baixa emissão de carbono. Esta sinalização já está dada para as empresas, e acredito que muitas vão começar a agir olhando isso como um direcionamento estratégico. Lembrando que já se tem um tratado internacional apontando para isso, isso já tem uma tendência demonstrada pelos vários contatos.

IHU On-Line – De alguma forma, a falta de resultados em Copenhague pode significar, de alguma forma, um avanço?
Aron Belinky –
Um avanço acho que não. Eu diria que a falta de resultados, ou seja, as Nações Unidas não terem conseguido chegar a um tratado global como se esperava, seguramente, não ajuda ninguém. Assim, ajuda quem está trabalhando contra aquilo que acreditamos, que é uma economia de baixo carbono. O único grupo que vi, que ficou contente com a falta de resultados em Copenhague, foram aqueles órgãos que trabalham para desacreditar toda a discussão sobre mudança climática, e que estão aproveitando essa frustação que acabou acontecendo para reforçar a crítica, dizendo que o aquecimento global não é bem assim e que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não sabe o que está falando. Sim, o aquecimento é um problema e ele é causado pela ação humana. Se algum dado não é tão preciso assim, isso não invalida o conjunto de esforços.

Acho que o sucesso do sistema de decisão na ONU, a grande falha de Copenhague, não ajudou ninguém. Foi negativo e se alguma coisa boa pode surgir disso é a percepção de que é preciso melhorar o sistema decisório, que é o que estamos fazendo agora, de como discutir a COP 16 e não terminar em algum tipo de impasse por causa da forma de decisões.

IHU On-Line – Como o senhor vê a tese do decrescimento sustentável?
Aron Belinky –
Falando como campanha, ainda não temos uma opinião formada. Pessoalmente, acho que se trata de algo que faz um certo sentido, mas o caminho para ela passa pela educação por uma outra vertente. Esta é uma discussão cultural, comportamental e de valores da sociedade. Esta questão cabe na discussão do clima, mas é importante falar sobre perfil de decrescimento. O que foi debatido em relação a esse tema foram as condicionantes: porque isso acontece? Se está aliado a um aumento do consumo per capita ou não? Onde esse consumo aumenta? Tem muita coisa para ser discutida sobre esse assunto. Ele não pode ser tomado sozinho.

IHU On-Line – Alguns pesquisadores dizem que os países pobres são os que vão sentir primeiro e de forma mais intensa os problemas do aquecimento global. O Brasil vai sentir quando?
Aron Belinky –
Certamente, a questão das mudanças climáticas, que ocorrem em função do aquecimento global, afeta todo o mundo no planeta, tanto ricos quanto pobres, e, de alguma maneira, todos terão efeitos dramáticos e grandes prejuízos em função disso. Este é um ponto de partida. Dentro desse cenário, podemos dizer que os mais pobres são aqueles que sofrerão mais e primeiro. Isto, principalmente, pelo fato de que, por um lado, esses países pobres têm menos recursos para se prevenir e para remediar, o que acontece quando se tem um evento extremo causado pela mudança climática, um inverno ou verão rigoroso, por exemplo, e se o país tem instituições bem estabelecidas e uma rede social estruturada, de uma maneira as consequencias conseguem ser amenizadas ou administradas de modo que as pessoas sofram menos. Num país pobre, se tem muito menos estrutura e recursos para fazer frente com esse tipo de situação, e as pessoas vão sofrer mais. Geralmente não se tem estoques ou redes de distribuição de comida ou assistência para acidentes. Um outro exemplo é ter um sistema de defesa civil estruturado e com tamanho capaz de fazer frente aos desastres, como no caso das enchentes. No Brasil, quando há uma enchente, são os pobres que sofrem mais, pois eles moram em locais mais sucetíveis às questões climáticas.  É por isso que os pobres vão sofrer antes.

O Brasil é um país que tem, por um lado, alguns núcleos ricos e, por outro, grandes massas pobres, e não tem estrutura para atender a todos. Do ponto de vista dos efeitos dos eventos climáticos, o Brasil é um dos países que sofrerá muito. Até porque o Brasil é pouco preparado para lidar com isso. É só ver essas chuvas no final do ano passado, o tipo de problema que tivemos e a capacidade de reação do país, que é extremamente limitada, sem ter uma mapeamento claro de onde podem haver riscos. Umas das prioridades para o Brasil deve ser um mapeamento das áreas de vulnerabilidade climática. Deve haver um estudo prévio que diga: se tivermos um aumento de chuvas na região sul e uma intensidade de ventos, onde isso causará problemas? Tem que ser mapeado, na terra mesmo, e deve haver um plano para atender isso. Deve haver recurso e planejamento, de modo que, quando venha a tragédia, se consiga diminuí-la por já estar preparado. O Brasil não está nada preparado.

(IHU-Online, 09/03/2010)


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