Nesta segunda de manhã (08/03), em uma sala da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, ocorreu um encontro improvável: trinta executivos de empresas como Vale, Votorantim, Camargo Corrêa, Fibria, Walmart, Odebrecht e Santander, para citar algumas, reunidos com lideranças do Greenpeace, a ONG temida e detestada pelo mundo dos negócios. Na primeira parte do evento, a plateia escutou Kumi Naidoo, o sociólogo sul-africano que em novembro se tornou o diretor-executivo do Greenpeace Internacional. A segunda parte foi ainda mais curiosa: o que executivos de bancos, empreiteiras, frigoríficos e siderúrgicas querem saber desses "ambientalistas radicais"?
Naidoo sintetizou em sua palestra. "O 'business as usual' não é mais possível", disse, lembrando a expressão cunhada no debate climático para indicar que tudo prosseguindo do mesmo jeito de sempre levará o mundo a um cenário de catástrofe. Em outro momento, ele soltou: "Mas o ativismo tem que mudar também."
Contou que em seus trabalhos anteriores, ligado a grupos de direitos humanos e luta contra a pobreza na África do Sul, ele foi várias vezes à fórum econômico de Davos e nunca conseguiu ser recebido por um CEO. "Bastou virar Greenpeace para ser abraçado e chamado de parceiro". Lembrou ter ouvido do CEO da Coca Cola: "Temos que ter vocês do Greenpeace sentados à mesa ou seremos nós a estar no cardápio."
Os executivos começaram timidamente a perguntar. A primeira questão sondou o futuro, após a CoP-15. Naidoo acha que a conferência do clima da ONU em Copenhague não foi um fracasso total. Mencionou que se criou uma consciência global muito maior para o problema climático. Lembrou que novas alianças surgiram na sociedade civil, aproximando, por exemplo, ambientalistas e sindicalistas. E que, embora não se saiba de onde, nem quando, nem como, uma cifra (US$ 100 bilhões) surgiu no acordo de Copenhague para ajuda climática a países pobres.
O representante de uma siderúrgica disse que gostou de ouvir Naidoo mencionar que no diálogo dos ambientalistas com as empresas não pode haver só confronto, mas também engajamento.
Partiu do representante de um frigorífico a primeira pergunta espinhosa: o Greenpeace está aberto para a construção de uma agenda positiva? Se a resposta for sim, como se faz isso? Naidoo citou a moratória da soja e as negociações com a cadeia da carne como movimentos interessantes, que podem servir de modelo a outros países. Marcelo Furtado, o diretor executivo da ONG no Brasil, complementou. "É importante separar o joio do trigo. Entender que falar a coisa certa não é suficiente e que tem que fazer a coisa certa." Furtado se aproximou da ferida: "O empresário terá que ser mais ousado" e que o problema está em "se os benefícios são para o planeta ou para o seu próprio negócio".
O executivo de uma empreiteira não deixou passar: disse que as empresas não encaram o desenvolvimento sustentável só como forma de obter benefícios próprios, reagiu. Furtado esclareceu: "Eu não quis dizer isso. Quis dizer que não pode ser apenas isso", e frisou o "apenas". Deu um exemplo de como entende a rumo de crescimento do país. "O Brasil precisa crescer e para isso precisa de energia. O que queremos das empresas e do governo é uma agenda forte de eficiência energética", colocou. "Claro que vamos precisar de mais geração. Mas tem que ser um projeto burro como Belo Monte? Não se pode pensar no investimento de um grande parque eólico no Nordeste, nem que seja para fazer contas e ver que não é possível? Este debate não está posto no Brasil."
Foi a deixa para um executivo do mercado financeiro. Mas e um dos princípios da sustentabilidade, os três P: people (pessoas), planet e profit (lucro)?. "Nós legitimamente buscamos o lucro."
E a manhã continuou nesta toada, com os ambientalistas querendo mostrar que estão abertos ao diálogo, e os executivos querendo descobrir até que ponto. Naidoo fechou o encontro lembrando que a ciência indica que não há muito tempo para salvar o planeta, que os governos não podem vencer a batalha sozinhos, que os políticos não se mexerão sem pressão da sociedade e que as empresas têm papel fundamental neste quadro.
"Se o Greenpeace fizer uma parceria com a Coca Cola para cortar emissões, apoiaremos a empresa neste ponto. Isto não significa que apoiaremos tudo o que a Coca Cola fizer, nem que a empresa nos apoiará se decidirmos escalar o prédio das Nações Unidas." Concluiu: "Não temos que concordar em tudo. Mas perceber que temos pontos em comum, assim como percebemos nossas diferenças."
E aí a plateia perguntou se a ONG será mais flexível com os "organismos geneticamente modificados" se dali partirem respostas importantes para o planeta. Naidoo disse que a Ciência, até agora, não convenceu o Greenpeace que os transgênicos são seguros. E a Ciência do clima não está desacreditada? "O que está se questionando são notas de rodapé. É um movimento previsível de um setor da economia que sabe que está condenado." Despediu-se prometendo um relatório-denúncia em breve que mostra como esta "indústria suja está operando."
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico / IHUnisinos, 09/03/2010)