Inimigos de Darwin agora atacam também o aquecimento global – Projeto quer discussão de ‘desvantagens de teorias científicas’ – Crítico diz que ceticismo sobre clima é desdobramento do criacionismo.
Críticos do ensino da evolução nas salas de aulas americanas estão ganhando terreno em alguns estados ao associar o tema ao aquecimento global, argumentando que visões divergentes sobre ambos os assuntos científicos deveriam ser ensinadas em escolas públicas.
Em Kentucky, um projeto de lei recentemente apresentado ao legislativo motivaria os professores a discutir “as vantagens e desvantagens de teorias científicas”, incluindo a “evolução, origem da vida, aquecimento global e clonagem de seres humanos”.
O projeto de lei, que ainda deve ser votado, baseia-se em esforços ainda mais agressivos em outros estados para fundir esses temas. Em Louisiana, uma lei aprovada em 2008 declara que os órgãos estaduais de educação podem ajudar professores na promoção do “pensamento crítico” em todos esses assuntos. Reportagem de Leslie Kaufman, no ‘New York Times’
No ano passado, a Secretaria de Educação do Texas passou a exigir que os professores apresentem todos os lados das evidências da evolução e do aquecimento global. Oklahoma apresentou um projeto de lei com objetivos similares em 2009, mas ele não entrou em vigor.
A relação entre evolução e aquecimento global é uma estratégia em parte jurídica: tribunais descobriram que singularizar a evolução como alvo de críticas em escolas públicas é uma violação da separação entre Igreja e Estado. Ao insistir que o aquecimento global também seja discutido, as pessoas que negam a evolução podem argumentar que simplesmente estão buscando uma ampla liberdade acadêmica.
Mesmo assim, essas pessoas também estão tirando proveito do aumento da resistência pública em determinados setores em aceitar a ciência do aquecimento global, particularmente entre políticos conservadores que se opõem a esforços para frear as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Em Dakota do Sul, uma resolução pedindo o “ensino ponderado sobre o aquecimento global em escolas públicas” foi aprovada na assembleia esta semana. “O dióxido de carbono não é um poluente”, diz a resolução, “mas um ingrediente altamente benéfico para toda a vida vegetal.”
A medida não mencionou a evolução, mas opositores dos esforços para diluir o ensino desse conceito observaram que a linguagem era similar à de projetos de lei em outros estados que incluíam ambas as questões. Republicanos votaram a favor e democratas, contra.
Para cientistas renomados, não há nenhum desafio de credibilidade à teoria da evolução. Eles se opõem ao ensino de visões alternativas, como o do design inteligente, uma proposição que afirma que a vida é tão complexa que deve ser criação de um ser inteligente. Há forte consenso entre cientistas de que o aquecimento global está ocorrendo e que as atividades humanas provavelmente estão causando esse efeito. Mesmo assim, muitos cristãos evangélicos conservadores afirmam que ambos são exemplos em que os cientistas ultrapassam seus limites.
John West, membro do Discovery Institute, em Seattle, um grupo que defende a teoria do design inteligente e lidera uma campanha para o ensino de críticas à evolução nas escolas, afirmou que o instituto não estava promovendo especificamente a oposição à ciência aceita da mudança climática. Entretanto, West diz ser simpático à causa. “Há muito dogmatismo nesse assunto, e os cientistas estão sendo perseguidos por descobertas que não estão em conformidade com a ortodoxia. Acreditamos que analisar e avaliar a evidência científica é bom, seja sobre aquecimento global ou evolução.”
Lawrence Krauss, físico e diretor da Origins Initiative, da Universidade Estadual do Arizona, já se pronunciou contra os esforços para suavizar o ensino da evolução em órgãos educacionais em Texas e Ohio. Ele descreveu o movimento em direção ao ceticismo envolvendo a mudança climática como um desdobramento previsível do criacionismo.
“Onde houver uma batalha sobre a evolução hoje”, diz ele, “há uma batalha secundária para suavizar outros assuntos quentes, como o Big Bang, e, cada vez mais, a mudança climática. Trata-se de lançar dúvidas sobre a veracidade da ciência – dizer que essa é apenas mais uma visão do mundo, mais uma história, nem melhor nem mais válida que o fundamentalismo.”
É claro, nem todos os cristãos evangélicos rejeitam a ideia da mudança climática. Existe um movimento crescente no país motivado em parte pela crença de que os humanos são obrigados a cuidar da Terra, já que Deus a criou.
Mesmo assim, há poucas dúvidas de que o ceticismo em relação ao aquecimento global ecoe de forma mais forte entre conservadores, cristãos conservadores em particular. Uma pesquisa publicada em outubro pelo Pew Research Center for the People and the Press descobriu que protestantes evangélicos brancos estão entre os que têm menos probabilidade de crer na existência de “sólidas evidências” de que a Terra está se aquecendo devido à atividade humana. Apenas 23% dos entrevistados aceitaram essa ideia, contra 36% dos americanos em geral.
O reverendo Jim Ball, diretor sênior de programas de clima da Evangelical Environmental Network, um grupo que aceita a ciência do aquecimento global, disse que muitas pessoas que negam o assunto sentem que “é arrogante achar que os seres humanos poderiam perturbar algo criado por Deus”.
O deputado estadual Tim Moore, republicado que apresentou o projeto de lei na assembleia legislativa de Kentucky, disse não estar motivado por religião, mas pelo que ele considera distorção do conhecimento científico. “Nossos filhos estão sendo apresentados a teorias como se elas fossem fatos”, afirmou. “Especialmente no caso do aquecimento global, tem havido um ponto de vista politicamente correto na elite educacional que é muito diferente da ciência sólida”.
O currículo da evolução se desenvolveu muito mais do que a instrução sobre a mudança climática. Ele é quase universalmente exigido em aulas de biologia, enquanto a ciência do aquecimento global, um tópico mais recente, é ensinada esporadicamente, dependendo do interesse dos professores e dos coordenadores pedagógicos da escola.
Entretanto, tem crescido o interesse em tornar a mudança climática um item padrão no currículo escolar. No governo do presidente Obama, por exemplo, o Climate Education Interagency Working Group, que representa mais de dez agências federais, está pressionando uma “alfabetização climática” de professores e alunos.
O deputado Don Kopp, republicano e principal apoiador da resolução de Dakota do Sul, afirmou ter agido em parte porque o filme “Uma verdade inconveniente” (documentário sobre o aquecimento global, apresentado por Al Gore), estava sendo exibido em algumas escolas públicas sem um contrapeso.
O incentivo legal para emparelhar o aquecimento global com a evolução nas batalhas sobre o currículo deriva em parte de uma decisão, em 2005, de um juiz da corte regional de Atlanta. A decisão afirmava que a Secretaria de Educação de Cobb County, que havia colado adesivos em alguns livros didáticos incentivando estudantes a considerar a evolução apenas como uma teoria, tinha violado termos da primeira emenda americana sobre a separação entre Igreja e Estado.
Embora o adesivo não tenha sido declaradamente religioso, disse o juiz, seu uso foi inconstitucional, pois apenas a evolução era o alvo, o que indicava se tratar de uma questão religiosa.
Depois disso, afirmou Joshua Rosenau, diretor de projetos do Centro Nacional para Educação sobre a Ciência, ele começou a notar que ataques à ciência da mudança climática estavam repletos de críticas à evolução em iniciativas curriculares. Ele teme que mesmo algumas vitórias na esfera estadual possam ter um efeito sobre o que é ensinado em todo o país.
James Marston, diretor do escritório regional do Texas do Fundo de Defesa Ambiental, afirmou temer que, por causa do tamanho e do processo de aprovação centralizado do estado, sua decisão sobre o caso dos livros didáticos possa ter uma influência exagerada sobre como as editoras preparam conteúdo de ciência para o mercado nacional.
(Por Darwin Foes Add Warming to Targets, New York Times, Tradução de Gabriela d’Ávila, UOL, EcoDebate, 09/03/2010)