ZH esmiuçou a origem, o ecossistema, o movimento e as funções desta porção tão visível, mas ao mesmo tempo tão ignorada das praias gaúchas
Pegue um punhado de areia e deixe escapar pelas suas mãos. Os grãos se foram em segundos, não é mesmo? Agora, imagine todo o esforço do vento para fazer com que a mesma porção que você acabou de segurar surja na beira da praia. E para erguer uma duna, então?
O processo de formação de um cômoro de 1,5 metro, tamanho mínimo para que possa proteger os terrenos costeiros do avanço do mar, não leva menos do que seis meses de intenso trabalho eólico. Todo esse trabalho tem funções bem definidas. Uma delas está ligada a você e ao seu veraneio: proteger os 615 quilômetros de área costeira da invasão das águas do Oceano Atlântico, de Santa Vitória do Palmar a Torres.
Porém, nossos cordões frontais de dunas não estão preparados para aguentar o desassossego das marés. Apenas cerca de 40% deles estão preservados, estima a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). O principal motivo para isso foi a ocupação desordenada dos balneários, que teve início há cerca de 60 anos. A busca por construções cada vez mais próximas ao mar acelerou a erosão costeira e prejudicou os escudos naturais à beira-mar.
Alheio ao surgimento de casas e prédios, o mar segue seu trabalho vigoroso de escavação.
— Em períodos de ressaca, as águas marinhas atuam como retroescavadeiras. A onda, com intensa energia, lava a praia e carrega os grânulos para as profundezas do mar. Quando a próxima primavera chega, a areia é devolvida à orla. — detalha Nelson Luiz Sambaqui Gruber, geógrafo do Ceco.
Apesar de não haver estudos específicos no Rio Grande do Sul sobre a possível destruição dos alicerces de construções no Litoral Norte, os pesquisadores consultados concordam em um ponto. Se nenhuma atitude for tomada, em décadas, as primeiras quadras das nossas praias sofrerão os efeitos vorazes e graduais do cavoucar desenfreado do mar.
De concreto, aqui no RS, sabemos apenas que a linha de costa recua cerca de 1,5 metro por ano no Farol da Conceição, no Litoral Médio, e no Balneário do Hermenegildo, no Sul, de acordo com o doutor em Oceanografia Geológica e professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Lauro Júlio Calliari.
O coordenador do Balcão Ambiental do Litoral Norte da Fepam, Mattos'Além Roxo, arrisca a previsão:
— Se não recompusermos os cordões frontais de dunas imediatamente, em menos de 30 anos estaremos sofrendo os problemas da erosão.
Os moradores e veranistas do Hermenegildo, a 330 quilômetros de Porto Alegre, não têm motivos para duvidar do palpite. A partir dos anos 1950, construíram suas casas muito próximas da faixa costeira. Resultado: a erosão à qual o balneário é submetido já destruiu casas erguidas a cerca de 50 metros do mar, três vezes menos do que o necessário para conviver em segurança com a beira da praia.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu uma norma em 2002 — o espaço entre o nível mais alto que o mar pode chegar até 300 metros em direção ao interior do balneário é considerado área de preservação permanente. A resolução impede que casas sejam construídas nesses locais e obriga os municípios litorâneos a executarem um plano de manejo de campos arenosos.
— Se os municípios cumprissem os planos de manejo, poderíamos recuperar as estruturas perdidas em cerca de dois anos. Do jeito que está, podemos levar mais de 10 anos para restabelecer tudo — afirma Mattos'Além Roxo.
(Por Kamila Almeida, Zero Hora, 06/03/2010)