Mais de 100 índios, entre eles 30 caciques e guerreiros da etnia Kisêdjê, se reuniram na Câmara dos Vereadores de de Canarana (MT), nesta terça-feira, 2/03, para exigir de volta os artigos indígenas apreendidos pelo Ibama em 10 de fevereiro. A apreensão se deu em duas lojas da cidade, durante a Operação Moda Triste. O Ibama recolheu os objetos alegando que foram confeccionados com penas e ossos de animais silvestres.
Organizados e munidos de uma pauta para discussão, os índios foram ouvidos por Gaspar Saturnino Rocha, agente do escritório regional do Ibama em Canarana, pelo Dr. André Barbosa Simões, juiz da comarca de Canarana e pelo comandante da Polícia Militar, capitão Soares. Eles receberam de volta o material apreendido e protestaram contra a multa de R$ 13 mil aplicada a Watatakalu Yawalapiti, que auxilia voluntariamente os trabalhos em uma das lojas.
“A gente não mata 40 ou 100 aves em um dia para fazer artesanato. Nós somos índios, sabemos lidar com a floresta. Nós caçamos para nos alimentar e usamos os restos dos animais para fazer os adornos. Isso sempre foi assim, essa é nossa cultura e ela deve ser respeitada. Nós usamos nossos enfeites assim como o branco usa boné”, disse Wadumba Kisêdjê, filho do cacique Kuiussi Kisêdjê. O povo Kisêdjê vive na Terra Indígena Wawi, na entrada do Parque Indígena do Xingu (MT), no município de Querência.
O juiz André Simões acalmou os presentes e se colocou a disposição para resolver o impasse. Ele rebateu o argumento de Wadumba, citando a lei que proíbe o comércio de adornos feitos com partes de animais silvestres e explicou a sua finalidade. “Vocês querem mesmo que o homem branco comece a usar os ornamentos que vocês usam? Quando nós, brancos, queremos uma coisa, nós exageramos. Se todos os homens brancos decidirem usar os ornamentos, aí sim, esses animais serão extintos”.
Wadumba argumentou que os índios não querem enriquecer vendendo partes de animais. “Nós somos vivos, entendemos das coisas, sabemos o que é bom e o que é ruim. Não queremos que acabem as araras, senão nossa cultura também acaba”. Gaspar Rocha, que demonstrou nervosismo durante a manifestação, recebeu dos índios um documento em que eles reivindicam o cancelamento da multa e protestam contra a forma com que o Ibama procedeu na operação. “Já devolvi o material apreendido e o que posso fazer agora é protocolar a carta que eles me entregaram. A questão da multa, quem vai resolver é o superintendente do Ibama em Cuiabá e os procuradores”.
A aplicação da lei
Em entrevista, Rocha explicou que a Lei de Crimes Ambientais é clara quanto à comercialização de produtos derivados de animais silvestres. “A Lei de Crimes Ambientais nº 9.605/ 1998 diz, claramente, que a venda de artesanato feito com partes de animais silvestres é crime”. Rocha disse ainda que a multa de R$ 13 mil, aplicada a loja, foi o menor valor possível ao qual conseguiram chegar, com base na lei. “A avaliação do valor do que foi apreendido é feita a partir do animal utilizado na confecção dos adornos. Animais que não estão na lista de extinção são avaliados em R$ 500 e, animais que estão na lista, em R$ 5.000,00”.
Apesar de a lei ser clara quanto à comercialização de adornos confeccionados com partes de animais silvestres, algumas pessoas questionam o procedimento do órgão ambiental, que, durante a operação Moda Triste fiscalizou pontos de comércio em todo o País em busca de artigos ilegais. “A notificação antes da apreensão e da multa seria a medida mais adequada, já que historicamente os índios vendem artesanato e o Ibama nunca se preocupou em orientá-los a respeito”, avalia o coordenador adjunto do Programa Xingu do ISA, Paulo Junqueira. Ele lembra que Watatakalu Yawalapiti não é proprietária da loja nem dos objetos apreendidos e, além disso, o procedimento instaurado e a forma de cálculo da multa apresentam irregularidades. “Isso impede o exercício do direito de ampla defesa e contraditório a contento".
Além de contestar o procedimento do Ibama, os índios presentes à manifestação questionaram a atitude do órgão frente a outras questões que eles consideram mais problemáticas. “Se o Ibama cuidasse mesmo da natureza, ele iria impedir a construção da barragem de Belo Monte”, disse o líder indígena Ianakula Kaiabi Kisêdjê.
Wadumba Kisêdjê finalizou a exposição dos índios com um recado para as autoridades dos órgãos competentes sobre o assunto. “O que nós tínhamos para falar aqui era isso. Daqui em diante a briga por nossos direitos será com a Funai e com o presidente do Ibama”.
(Por Fernanda Bellei, ISA, 04/03/2010)