Apesar de os povos tradicionais e os movimentos sociais locais serem veementemente contrários à concretização da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu; apesar de inúmeros cientistas e especialistas alertarem para os impactos à floresta, ao rio, à pesca e à região; apesar dos técnicos do Ibama terem emitido parecer contrário à construção da usina; apesar do próprio Ministério Público Federal e Estadual questionarem a legitimidade do processo de licenciamento ambiental; apesar da incerteza em relação à própria viabilidade da obra, devido à grande oscilação de vazão entre os períodos de cheia e seca; apesar da legislação brasileira e da Convenção 169 da OIT estarem sendo, uma vez mais, desrespeitadas; e apesar das empreiteiras interessadas na usina afirmarem que o custo da obra não é de R$ 16 bilhões, como afirma o governo, mas sim de R$ 30 bilhões, e já estarem ameaçando desistir do projeto se o governo não aumentar a tarifa-teto, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, afirmou no último dia 18 de fevereiro que o Banco está pronto para financiar o vencedor do leilão de Belo Monte.
“O BNDES está preparado para financiar o projeto na escala e no volume que o possível vencedor do certame demandar”, declarou Coutinho. Ele disse ainda que espera que as condições oferecidas sejam atrativas para propiciar uma concorrência que dê validade ao leilão.
Com esta afirmação, Coutinho explicita mais do que nunca que o Banco não considera as demandas e necessidades das populações e das organizações da sociedade civil. Não considera nem mesmo a vida das pessoas que serão diretamente atingidas pelas obras que o Banco financia, com dinheiro público (é sempre importante lembrar).
Não são poucas as manifestações contrárias à construção de Belo Monte. Mesmo antes da concessão da Licença Prévia para a obra, organizações, redes e movimentos sociais brasileiros e do exterior manifestaram, das mais diferentes maneiras, um contundente repúdio à esta mega obra. Os povos indígenas alertaram o presidente Lula que o Rio Xingu se transformará em um rio de sangue se as obras começarem. Inúmeras cartas, artigos, manifestos e campanhas foram feitos explicitando que esta obra é inviável em todos os sentidos: social, ambiental e econômico. Na verdade, a mobilização em defesa do Rio Xingu e de seus povos acontece há mais de trinta anos. Aliás, esta lógica de construção de projetos faraônicos que favorece mega empresas à custa da depredação da natureza e dos povos é característica, justamente, de ditaduras militares.
Toda essa resistência a Belo Monte não é à toa. A obra inundará 51.600 ha de floresta, construirá dois canais de 500 m de largura e 30 km de comprimento - com um volume de terra a ser retirado e de concreto para forrá-los que supera o do Canal do Panamá - , secará 100 km de leito do rio, submergindo a Volta Grande do Xingu, desalojará cerca de vinte mil pessoas e levará cerca de cem mil pessoas à região, causando imensuráveis e irreversíveis impactos socioambientais.
Com esta postura, o Banco, que ainda não tem uma política ambiental, age como um dos principais instrumentos para dar continuidade a um modelo em que o lucro das multinacionais é prioridade absoluta. Um modelo em que o lucro é privado (privilégio de poucos), enquanto os custos são compartilhados. Claro que, dentro dessa lógica, as populações mais vulneráveis são as mais afetadas.
Considerando-se o financiamento recorde, até então, para as polêmicas usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira e o financiamento para a usina nuclear de Angra 3, pode-se afirmar que, atualmente, o BNDES é o maior vetor financeiro no Brasil de um modelo de desenvolvimento exageradamente caro, ecologicamente desastroso e destruidor e socialmente perverso e injusto. E, como disse o bispo Dom Erwin Kräutler, corre-se o risco de que “Lula entrará na história como o grande depredador da Amazônia e como o coveiro dos povos indígenas e ribeirinhos do Xingu”.
(Por Patrícia Bonilha, Rede Brasil, EcoAgência, 04/03/2010)