Marinha reconhece não ter alertado sobre risco de ondas gigantes, que acabaram causando mais mortes e destruição na costa
A Marinha do Chile reconheceu ter descartado, nas primeiras horas após o terremoto que atingiu o país no sábado, a existência de risco de tsunami -que acabou ocorrendo e gerou o maior número de mortos e estragos em zonas costeiras.
Em entrevista na noite de anteontem, o comandante da Marinha, Edmundo González, admitiu que a corporação foi imprecisa ao informar a autoridades do governo -inclusive à presidente Michelle Bachelet- sobre o perigo de ondas gigantes atingirem o litoral.
"Fomos pouco claros na informação que entregamos [à presidente]. Não fomos precisos em dizer a ela se se mantinha ou se cancelava [o alerta de tsunami]. E isso, sem dúvida, fez com que o Onemi [Escritório Nacional de Emergências] não emitisse o alerta", disse.
O reconhecimento do erro alimentou a crescente onda de críticas à atuação do governo na catástrofe, que até ontem somava 802 mortes. Além da falha no sistema de emergência militar, o coro de desaprovação aponta demora no controle da desordem nas áreas mais afetadas, cenário de saques.
As reações negativas à fala de González fizeram a Marinha divulgar nota na noite de ontem, sustentando que emitiu alerta de tsunami ao governo, cancelado depois. "É possível identificar falhas no cancelamento posterior do alerta, o que se investiga minuciosamente pelas repercussões que tudo isso teve na opinião pública", diz o texto.
"O Estado se revelou menos preparado do que se supunha. Há um sentimento crítico pelo que se consideram vacilos na ação do governo", disse à Folha o sociólogo Raúl Sohr, para quem o desastre trará danos à imagem de Bachelet, que entrega o cargo na próxima semana e hoje ostenta aprovação recorde, na casa dos 80%.
Diante das críticas, Bachelet reforçou suas aparições públicas e a presença militar em cidades com registro de saques -situação controlada ainda na terça-feira. Ontem, em entrevista, acusou o golpe ao afirmar que "aqui somos todos generais depois da guerra".
Emocionada, a presidente disse que não cabe agora "passar faturas políticas". Elogiou a "hombridade" do chefe da Marinha pela admissão do erro. "Liguei infinitas vezes perguntando se existia risco de tsunami. A verdade é que havia um problema de comunicação."
Novo governo
O desastre natural também alterou o cenário político para o governo de Sebastián Piñera, primeiro conservador eleito no país desde o fim da ditadura Pinochet (1973-1990). Fiador de promessas ousadas, como criar 200 mil empregos por ano, o empresário já disse que mudará seu plano de governo para privilegiar a reconstrução.
"O risco de não cumprir suas promessas pode limitar a lua de mel de Piñera com a população", diz o sociólogo Eugenio Tironi. Para o historiador Alfredo Jocelyn-Holt, um desastre em meio a uma transição presidencial enseja continuidade política, facilitando a defesa feita por Piñera de um governo de "unidade nacional", que acabou não se refletindo na formação de seu ministério.
(Por THIAGO GUIMARÃES, Folha de S. Paulo, 04/03/2010)