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animais peçonhentos
2010-03-03

Durante 30 meses, o biólogo Paulo Afonso Hartmann percorreu de maneira lenta e persistente trilhas no trecho norte da Serra do Mar. O objetivo foi buscar serpentes para fazer um levantamento das espécies desse grupo que habitam a região.

O trabalho fez parte de seu doutorado, concluído em 2005, e integrado ao Projeto Temático “História natural, ecologia e evolução de vertebrados brasileiros”, apoiado pela FAPESP e coordenado pelo professor Márcio Roberto Costa Martins, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), orientador de Hartmann.

Em dois artigos publicados no fim de 2009 nas revistas Biota Neotropica e Papéis Avulsos de Zoologia da USP, Hartmann, hoje professor no campus de Erechim (RS) da Universidade Federal da Fronteira Sul, reuniu resultados importantes daquela pesquisa e que ainda não haviam sido divulgados.

O pesquisador estudou separadamente duas regiões da serra: o Núcleo Picinguaba, com altitudes que vão de 0 a 200 metros acima do nível do mar, e o Núcleo Santa Virgínia, entre altitudes de 800 a 1.200 metros. Ambas as áreas pertencem ao Parque Estadual da Serra do Mar.

Cada região contou com 15 meses de observações e coletas, totalizando dois anos e seis meses, período em que foram registradas 24 diferentes espécies de serpentes no Núcleo Picinguaba e 27 no Núcleo Santa Virgínia, em um total de 39 espécie e 430 animais encontrados.

Seus resultados puderam ser comparados com os de outro trabalho, realizado por Otávio Augusto Vuolo Marques, pesquisador do Instituto Butantan, que em seu doutorado, em 1998, fez um levantamento semelhante na porção sul da Serra do Mar paulista, na Estação Ecológica Juréia-Itatins.

Uma das conclusões mais surpreendentes do trabalho, segundo Hartmann, foi a similaridade das populações de serpentes de Picinguaba e de Juréia-Itatins.

“Mesmo distando cerca de 400 quilômetros da Juréia, o Núcleo Picinguaba tem mais espécies em comum com esse trecho do que com o Núcleo Santa Virgínia que fica a apenas 20 quilômetros de lá”, disse à Agência FAPESP.

Picinguaba e Juréia têm 19 espécies em comum, de acordo com os levantamentos, e somente 14 foram encontradas simultaneamente nos Núcleos de Picinguaba e Santa Virgínia.

Para Hartmann, esse resultado indica que a altitude e a temperatura são fatores importantes para que determinadas espécies se estabeleçam em um ambiente.
“Aparentemente, a temperatura tem um papel mais importante do que a incidência de chuvas na ocorrência e atividade de algumas espécies nesta região”, afirmou.

Sinal de degradação
No Núcleo Santa Virgínia, algumas serpentes típicas do Cerrado, como a cascavel (Crotalus durissus), foram encontradas dentro da área da floresta. Segundo Hartmann, isso é um possível sintoma da degradação tanto da vegetação do Cerrado como da Mata Atlântica.

Localizado no alto da serra, o Núcleo de Santa Virgínia compreende uma zona de transição entre as duas vegetações, o que facilita a migração das serpentes. “Animais de hábitos generalistas podem ser favorecidos pelo desmatamento nas bordas do parque, permitindo o aumento de sua distribuição para locais anteriormente florestados”, explicou.

Outra contribuição importante do trabalho foi a descoberta de duas espécies ainda não catalogadas na literatura especializada. Cada uma foi encontrada em uma das regiões da pesquisa e estão agora em processo de descrição.

A jararaca (Bothrops jararaca ) foi a espécie mais frequente nas duas áreas estudadas. Além dela, o pesquisador encontrou uma incidência maior da jararacuçu (Bothrops jararacussu) e da cobra-cipó (Chironius fuscus) no núcleo de Picinguaba. Já em Santa Virgínia, além da jararaca, foram avistadas muitas jararaquinhas (Xenodon neuwiedii) e cobras-verdes (Liophis atraventer). Hartmann também teve dois encontros com uma espécie extremamente rara, a Uromacerina ricardinii.

As serpentes encontradas foram inicialmente observadas para o registro de seu comportamento. Em seguida, exemplares foram capturados para medição, pesagem e fotografias. Nessa etapa ocorreu também a identificação dos sexos dos animais que, depois, foram devolvidos ao ambiente.

Os exemplares encontrados mortos, por atropelamento ou mortos por moradores locais, foram coletados e submetidos a exames de conteúdo estomacal e de gônadas, para averiguar a dieta e se estavam em período reprodutivo.

Segundo Hartmann, a pesquisa contribuiu para elaboração de estratégias de conservação da Serra do Mar, ao fornecer bases que poderão ser comparadas em futuros estudos e detectar se as espécies vão ampliar a distribuição ou desaparecer, por exemplo.

Isso não pôde ser feito em seu estudo justamente por ele ter sido o pioneiro nesse tipo de levantamento para as regiões amostradas. “Por incrível que pareça, ainda somos carentes de informações sobre a ecologia das espécies de serpentes da Mata Atlântica, mesmo estando localizada na região Sudeste, onde é realizada a maior parte da produção científica do país, destacou”.

(Por Fábio Reynol, Agência FAPESP, 02/03/2010)


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