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direitos quilombolas terras quilombolas
2010-03-03

O deslocamento das comunidades quilombolas do Estado foi uma das alternativas apresentadas pelos deputados capixabas e o Movimento Paz no Campo, para tentar invalidar a titulação de terras dos negros no norte do Estado. Na reunião realizada na Assembléia Legislativa, nem o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nem os quilombolas foram convidados, e o que se viu foi a tentativa de burlar a legislação.

Os deputados querem a derrubada do Decreto 4.887/2003, que regulamenta os direitos quilombolas. A intenção é mudar a legislação para que eles possam continuar produzindo nas terras dos remanescentes quilombolas situadas nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

Para isso, a Comissão de Agricultura da Assembléia Legislativa realizou uma reunião com a presença de deputados estaduais, entre eles Eustáquio de Freitas (PSB), que desde o ano passado lidera movimento contra titulação de terras quilombolas, o deputado federal Camilo Cola (PMDB) e agricultores reunidos no MPC, como um dos maiores produtores de mamão do Estado,  Edival Permanhane.

A anulação do decreto ou a relocação das comunidades – que só é permitida em caso de desastre natural – contraria a política do governo federal e tenta ainda condenar essas comunidades à situação permanente de miserabilidade.

Em novembro de 2009, o presidente Lula assinou 30 decretos regularizando áreas quilombolas. Essas áreas só são regularizadas após efetiva comprovação da legitimidade das comunidades, com base em estudos históricos, que levam em conta não só a ancestralidade negra, mas também a opressão histórica sofrida.

No sentido de garantir sua permanência nas terras pertencentes aos quilombolas, os grandes produtores já possuem uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), contra o Decreto Federal 4.887/93. Caso consigam a suspensão do decreto, as titulações baseadas nele podem ser questionadas e o processo de regularização poderá ficar sem regras.

Na prática, a tentativa dos agricultores retrata todo o cenário vivenciado no norte do Estado há mais de 50 anos, onde áreas indígenas e quilombolas foram tomadas principalmente pela ex-Aracruz Celulose (Fibria), mas, no caso dos negros, também por fazendeiros, posseiros e grandes produtores. Portanto, representa o desejo de uma classe que sempre lutou para impedir que o direito dos quilombolas sejam respeitados.

Tal impasse gera conseqüências nos processos de titulação no Espírito Santo, como é o caso da comunidade de São Jorge, que teve seu reconhecimento anulado pela juíza da Vara Federal de São Mateus, Stelly Gomes Leal da Cruz Pacheco, que teria acatado pedido de Agenor e Minimozina Silvares, alegando não terem autorizado a inclusão de seus nomes no processo administrativo em questão. O processo foi protocolado em 2007, e Agenor e sua família voltaram atrás, após descobrirem que foram manipulados pelo movimento contra os negros na região.

Entretanto, é em Serraria/São Cristovão, também em São Mateus – área reconhecida como área quilombola pelo Incra - que a campanha dos ruralistas se concentra, ignorando a existência dos verdadeiros  donos das terras e da própria história da região.

A campanha liderada pelos parlamentares atende aos desejos do Movimento Paz no Campo (MPC), que defende os interesses do latifúndio monocultor de ruralistas em relação às grandes corporações, como a própria ex-Aracruz Celulose.

No norte do Estado, o MPC existe para minar a implementação da lei que reconhece o território quilombola. As ações do Movimento Paz no Campo geram tensão e violência na região, com prática de racismo contra os negros. O MPC já foi denunciado por ameaçar de morte os quilombolas e funcionários do Incra, e de coação, com apoio da segurança armada da transnacional.

O território dos negros do Estado é de cerca de 50 mil hectares. Ao todo, 38 comunidades quilombolas vivem em Sapê do Norte, formado pelos municípios de São Mateus e Conceição da Barra. Sem suas terras e vítimas dos impactos ambiental, social e econômico causados pela monocultura do eucalipto, e ainda de violência praticada pela ex-Aracruz, os negros encontraram na produção de carvão o único meio de subsistência.

Em 2009, além do reconhecimento do território de São Cristóvão/Serraria, em São Mateus, o Incra reconheceu as terras de Retiro, em Santa Leopoldina (região serrana). O órgão executa ainda processos de identificação de propriedades quilombolas em outras duas comunidades em São Mateus, três no município de Conceição da Barra e uma na cidade de Ibiraçu.

Os quilombolas têm direito à propriedade da terra por determinação do artigo 68 da Constituição Federal do Brasil de 1988. O direito à auto-identificação das comunidades quilombolas é garantido pelo Decreto 4.887/03. E também pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), fixada pelo Decreto Nº. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.

Garante ainda o direito à auto-identificação às comunidades quilombolas a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário pelo Decreto Legislativo n° 143, de 20 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto 5.051, de 19 de abril de 2004.

Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) apontam que os negros foram forçados a abandonar suas terras: em Sapê do Norte existiam centenas de comunidades na década de 70, e hoje restam 38. Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado: atualmente resistem entre os eucaliptais, canaviais e pastos, cerca de 1,2 mil famílias. Em todo o Espírito Santo existem cerca de 100 comunidades quilombolas.

(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 02/03/2010)


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