“O tempo está passando.” Esse foi o mantra do holandês Yvo de Boer durante as reuniões preparatórias para a 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), que ocorreu na Dinamarca, em dezembro passado. O fato é que o tempo terminou e, com ele, a paciência do secretário executivo da ONU, no cargo desde 2006. Embora não tenha assumido publicamente que sua decisão de deixar o posto, anunciada na semana passada, esteja relacionada ao fracasso de Copenhague, esse foi um motivo que pesou, na avaliação de organizações não governamentais que acompanharam as negociações. A dúvida, agora, é: quem substituirá de Boer, tido como o homem forte na luta contra as agressões ao clima? Reportagem de Paloma Oliveto, no Correio Braziliense.

O sucessor do holandês será nomeado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, antes de novembro, quando ocorre a COP-16, no México. Ki-moon tem até julho, data marcada para a saída de Yvo de Boer, para encontrar um substituto digno do posto e que aceite o desgaste de negociar com representantes de 192 países questões que afetam diretamente a economia de nações desenvolvidas, pobres e em desenvolvimento. Uma tarefa considerada praticamente impossível pela imprensa especializada internacional.

Apesar de diplomático como manda o cargo, de Boer não economizava palavras para fazer valer o acordo pós-Kyoto. Várias vezes, chamou a atenção, publicamente, dos ricos, ao mesmo tempo em que ressaltava os esforços dos emergentes na aplicação de um modelo econômico mais limpo. “O mundo está com os olhos voltados para Washington”, afirmou, repetidamente, em um explícito recado aos Estados Unidos, maiores emissores mundiais de dióxido de carbono.

“De Boer tem sido um passional e emotivo advogado por um acordo global para evitar o caos climático e passou esse bastão para quem quer que assuma o cargo da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UFNCCC, sigla em inglês)”, divulgou, em nota, o Greenpeace Internacional. “Seu sucessor precisará possuir os mesmos talentos, o comprometimento e a determinação para garantir que as preocupações das nações vulneráveis não sejam atropeladas pela poluição dos países ricos.” Essa característica emotiva de Yvo de Boer rendeu-lhe um apelido logo após a Conferência de Bali, há quatro anos. Ficou conhecido como o “chorão holandês”, ao desabar em lágrimas no encerramento do evento.

Ainda não há pistas sobre quem poderá sucedê-lo. Entre as ONGs, há quem aposte na investidura de um técnico vindo de algum país em desenvolvimento, já que seus dois antecessores eram de nações ricas. Para o ministro de energia e mudanças climáticas da Inglaterra, Ed Miliband, é preciso chegar logo a um nome. “O paciente trabalho de Yvo de Boer ajudou a produzir o acordo de Copenhague, que contém compromissos dos países responsáveis por 80% das emissões globais, algo nunca antes alcançado. Precisamos achar rapidamente um sucessor adequado, que possa supervisionar as negociações e as reformas propostas pelo UNFCCC”, afirmou ao jornal inglês Financial Times.

“Desmoralizado”
Apesar do elogio feito por Miliband, o acordo costurado por de Boer não garantiu redução alguma por parte dos países ricos. A ideia era que o texto final da conferência fosse legalmente vinculante e trouxesse metas de redução que precisariam ser cumpridas formalmente pelas nações. O que aconteceu, porém, foi um acordo político, de boas intenções, incapaz de ser considerado a segunda fase de Kyoto.

Na primeira vez que o termo “acordo político” foi mencionado, na preparatória de Barcelona, em outubro, de Boer afirmou em coletiva de imprensa que desconhecia seu significado. Até o fim do evento, ele sustentou que não havia hipótese de Copenhague terminar sem um compromisso legal. Não foi o que ocorreu. O colunista John Vidal, do The Guardian, um dos jornalistas mais respeitados na cobertura ambiental, chegou a dizer que “no fim, de Boer saiu exausto e desmoralizado de um dos mais impossíveis trabalhos do mundo”.

O secretário executivo do UNFCCC não está mais comentando sua saída do cargo. No dia em que decidiu anunciar publicamente o desligamento das Nações Unidas, ele se limitou a escrever um comunicado à imprensa. “Acredito que é tempo de enfrentar novos desafios, trabalhando ainda sobre clima e sustentabilidade no setor privado e nas universidades”, afirmou. Ele vai atuar como consultor do grupo KPMG e dar palestras no meio acadêmico.

Na nota à imprensa, de Boer reconheceu que “Copenhague não nos providenciou um acordo claro em termos legais”. Porém escreveu que “o comprometimento político e o senso de direcionamento para um mundo de baixas emissões foi adiante”.

Para Asad Reman, da campanha de clima da ONG internacional Friends of the Earth, a saída de Yvo de Boer vair dar eco à frustração causada pelo fracasso de Copenhague. Ele alerta que a renúncia não pode servir de desculpas para retroceder ainda mais. “As Nações Unidas são o único corpo legítimo que pode moldar uma ação internacional efetiva e justa para atacar as mudanças do clima. A renúncia não pode ser vista como uma oportunidade para traçar acordos fracos e perigosos, como vimos em Copenhague”, diz, em referência a um ambicioso plano que começou a ser costurado entre os Estados Unidos e a China, à revelia do UNFCCC.

Na avaliação de Antonio Hill, chefe executivo da política de mudanças climáticas da Fundação Oxfam, da Inglaterra, nações em desenvolvimento, como o Brasil, não devem se preocupar com a saída de de Boer. Porém, na sua opinião, precisam estar “profundamente atentas” aos obstáculos ainda remanescentes para se atingir um “tratado ambicioso e justo, que já está atrasado”.

Entrevista – Antonio Hill
Como membro do grupo de negociações, o Brasil tem uma responsabilidade especial para ajudar a se chegar a um acordo o mais rápido possível”

Para o chefe executivo da política de mudanças climáticas da Fundação Oxfam, uma das organizações não governamentais internacionais mais atuantes nas negociações sobre o clima, a saída de Yvo de Boer não foi provocada pelo fracasso de Copenhague, embora ele reconheça que o holandês esteja extremamente desgastado. Hill acredita que o próximo ocupante do cargo deverá sair de um país em desenvolvimento e garante, em entrevista ao Correio, que o Brasil tem um papel importante de liderança, e que poderá fazer a diferença nas negociações deste ano.

Embora Yvo de Boer não tenha associado sua renúncia ao fracasso de Copenhague, o senhor acredita que a decisão esteja ligada a esse fato?
Não. O contrato do senhor de Boer foi estendido por mais um ano em setembro de 2009, então, de fato, ele está deixando o cargo apenas três meses antes do planejado. Embora ele tenha demonstrado desapontamento com os progressos limitados feitos pelos governos em Copenhague, a COP-15 foi um sucesso em muitos aspectos: ela lançou luz sobre o assunto em todo o mundo, como jamais havia ocorrido, e conseguiu juntar os mais poderosos líderes mundiais de forma inédita. Isso deve ser visto como um passo importante a um acordo internacional sobre o clima. O senhor de Boer trabalhou exaustivamente em seu posto por anos e acredito que teria renunciado mesmo se os governos tivessem deixado o justo e ambicioso acordo legal que o mundo precisa em Copenhague.

Como o senhor avalia o trabalho de Yvo de Boer à frente do UNFCCC?
A performance dele tem sido notável. Além de ser um administrador extremamente competente, ele foi uma personalidade e um embaixador apaixonado e convincente, que fez de tudo para garantir o objetivo de incluir um regime internacional sobre o clima na agenda de todas as relevantes esferas de influência, incluindo as áreas de negócios, finanças multilaterais e comunidades internacionais. Os líderes agora estão encarando o desafio de alicerçar o justo e ambicioso acordo que ainda está atrasado. Eles precisam fazer o melhor para mostrarem-se compromissados e fazer o que é necessário — e não apenas o que é fácil.

Há um bom nome para sucedê-lo? O senhor acha que seria uma boa ideia escolher um candidato dos países em desenvolvimento?
Todos os possíveis candidatos deveriam ser provenientes dos países em desenvolvimento, e entre eles há muitos profissionais experientes e qualificados. Assim como a liderança da Conferência Anual das Partes ocorre de forma rotativa, faria senso que o secretário-geral (das Nações Unidas, Ban Ki-moon) indicasse alguém do mundo em desenvolvimento como o próximo secretário executivo do UNFCCC. Os dois últimos eram europeus.

Quais as características que o próximo secretário executivo deve possuir?
Excelente habilidade gerencial e comunicativa, assim como a habilidade de representar a importância e as necessidades de um regime internacional sobre o clima.

O senhor acha que países em desenvolvimento, como o Brasil, devem se preocupar com a saída de Yvo de Boer?
Não, mas eles devem ficar profundamente atentos sobre os obstáculos remanescentes para a construção de um acordo ambicioso, que está atrasado. Como membro do grupo de negociações, o Brasil tem uma responsabilidade especial para ajudar a se chegar a um acordo o mais rápido possível. O presidente Lula foi para muitas pessoas uma inspirada voz da razão em Copenhague. O Brasil tem um importante papel de liderança e pode fazer uma diferença real em 2010.

O que podemos esperar do encontro no México?
Podemos esperar definitivamente acordos dentro de uma lista limitada de assuntos que ajudarão as próximas negociações, especialmente a criação de um novo fundo de financiamento (como o Fundo Verde de Copenhague), para ajudar na mitigação e na adaptação da economia dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas. Além disso, podemos esperar decisões que podem ajudar a melhorar a implementação do Protocolo de Kyoto, como reformas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Também podemos esperar uma decisão sobre se os países vão ou não negociar um novo acordo e o formato que ele terá. Finalmente, com a reunião preparatória na Cidade do México, em março, e a primeira sessão de negociações de abril, não podemos descartar a possibilidade de um progresso no sentido de dar mais rapidez à construção de um acordo ambicioso e justo em Cancún.

(EcoDebate, 02/03/2010)