Espécie, de 100 kg e mais de 10 mil anos, foi descoberta em material arquivado desde os anos 1960 em museu do RN. Animal ajuda a entender fauna gigante do Brasil pré-histórico, mas os cientistas ainda não conhecem sua alimentação e locomoção
Chamar o Pachyarmatherium brasiliense de supertatu é licença poética, por mais que o bicho pareça se encaixar na descrição. Na verdade, a criatura de 100 kg é um parente relativamente distante dos tatus atuais. A espécie, recém-descoberta em meio a um material arquivado em Natal (RN), traz pistas sobre como era a fauna gigante do Brasil pré-histórico.
"O material foi coletado nos anos 1960 e levado para o Museu Câmara Cascudo. Parte ficou na área de exposições, parte no acervo técnico, mas ninguém se interessou por aquilo durante muito tempo", diz Kleberson Porpino, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Ele descreveu a espécie com Lílian Bergqvist, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Juan Fernicola, do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia.
Em artigo na revista científica "Journal of Vertebrate Paleontology", o trio se debruça sobre fragmentos relativamente escassos do bicho, como pedaços da carapaça, vértebras e ossos dos membros, para descrever a "nova" espécie, bem maior do que os tatus atuais (os maiores não chegam a 50 kg).
E são justamente as unidades que formam a carapaça, os osteodermas, que ajudam a entender o comportamento e o "álbum de família" da espécie. Por um lado, os tatus de hoje possuem osteodermas diferenciados, formando bandas de articulação, que dão flexibilidade à armadura. Exemplo extremo disso é o tatu-bola, que se dobra sobre si mesmo. Já os gliptodontes (mais avantajados entre os parentes extintos dos tatus, podendo ter o tamanho de um Fusca) não possuem tal articulação, tendo a aparência de um pequeno tanque de guerra.
O P. brasiliense estava entre esses dois extremos. "Não chegava a ser uma faixa flexível, mas havia uma região com algum grau de articulação, mais parecida com uma dobradiça." Se o trio conseguiu entender a armadura do bicho, sua alimentação e locomoção são mais misteriosas por pura falta de dados. O crânio (com os dentes) não foi preservado. "Os gliptodontes aparentemente eram herbívoros [muitos tatus atuais são comedores de insetos]. No caso do P. brasiliense é difícil afirmar", diz Porpino.
A falta de datação precisa do material das cavernas onde o bicho foi achado, em Baraúna (RN), impede que se diga sua idade. Mas os fósseis associados a ele sugerem o finzinho do Pleistoceno (a Era do Gelo), entre 40 mil e 10 mil anos atrás.
(Por Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo, 01/03/2010)