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energia nuclear no brasil política nuclear usinas nucleares
2010-03-01 | Tatianaf

A intenção aqui não é alardear o leitor com mais um cenário pessimista e catastrófico vivenciado por todos nós neste mal-estar espacial do século XXI, mas alertar que o quadro poderá se tornar mais obscuro e desesperador se os governantes não abrirem o debate para a elucidação das questões relacionadas à problemática nuclear. É preciso ponderar que antes da introdução de uma nova modalidade energética na região Nordeste e do projeto de expansão da energia nuclear no Brasil se torna imprescindível um profundo debate acadêmico e também com toda a sociedade. E neste sentido, focamos alguns aspectos relevantes no tocante ao campo político e técnico do assunto.

Compreenderemos a retomada da bandeira da energia nuclear no espaço-mundo se considerarmos que o desenvolvimento econômico permanece assentado na expansão industrial e, que por sua vez este modelo depende de crescente geração de energia. A grande defensora do uso da energia nuclear no mundo, a IAEA (International Atomic Energy Agency), ligada a ONU e no Brasil a CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, argumentam minimização dos custos ambientais e vantagens como o volume de energia que pode ser gerado sem maiores emissões de poluentes e num espaço físico reduzido.

Por conseguinte, a segurança do sistema nuclear avançou significativamente, mas, seu relativo controle é suscetível a fatores humanos. Não podemos apagar dos arquivos da memória, acidentes nucleares como: o da Central Nuclear de Windscale na Inglaterra em 1957, que teve o seu reator incendiado, lançando radionuclídeos na atmosfera, contaminando pastos e gado; Em 1979 ocorreu exposição radioativa pelo vazamento da usina de Three Miles Island, em Harrisburg, Pensilvânia (EUA) ou o marcante acidente da Central Nuclear de Chernobyl (URSS) que disseminou radioatividade por todo o mundo em 1987. Na época, o Kremlim confirmou 8 vitimas fatais e a hospitalização de duas centenas de pessoas, entretanto, indagamos: é possível estimar quantas pessoas já morreram e quantas mais morrerão de câncer nos próximos anos, vitimadas por Chernobyl?

No Brasil, o dia 13 de março de 1982 é o marco zero da entrada definitiva e equivocada do país na era nuclear, foi iniciada o funcionamento da unidade I da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto mais conhecida como Angra I. O programa nuclear brasileiro deste período sob a égide do regime militar que não estava preocupado em suprir as deficiências energéticas, pelo contrário, a exploração da energia nuclear compunha o arsenal militar para demonstrar que o país estava apto como potencia a assumir posição de comando na geopolítica da guerra fria. Por sua vez, Angra II teve sua construção iniciada em 1981 e a operação iniciada somente em 2000 no governo de FHC.

Desse modo, após um período de hibernação de grandes projetos, sobretudo os nucleares, temos a introdução do Plano de Aceleração do Crescimento do governo Luis Inácio. E em julho de 2008, o governo criou o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro que tem como função fixar diretrizes e metas para o desenvolvimento do programa e supervisionar sua execução. O governo alega através do Plano Nacional de Energia a necessidade de expansão em seu sistema elétrico brasileiro de mais 4.000 Mw, contando para isto com Angra III com capacidade de produção de 1.405Mw e mais quatro usinas nucleares com capacidade de 1.000 Mw, sendo duas no Sudeste e outras duas no Nordeste. O processo encontra-se na etapa inicial que consiste na seleção de sítios para abrigar a Central Nuclear do Nordeste, com previsão de operação da primeira usina para 2019. De acordo com o padrão técnico e normativo de segurança os critérios essenciais são água abundante e baixa concentração demográfica e neste aspecto cogita-se áreas próximas ao Rio São Francisco. Como se não bastasse o malogro da transposição agora temos o fantasma da usina nuclear rondando o velho chico. O fato é que as disputas pelos investimentos orçados em cerca de R$ 7 bilhões para cada usina já despertou interesse entre os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia. Alagoas e Bahia partiram na frente com uma série de campanhas e produção de reportagens exaltando as vantagens da instalação de Centrais Nucleares e correlacionando com a geração de postos de trabalho e eliminação da pobreza e miséria. Como se tudo isto fosse possível num passe de mágica.

Em descrição sumária, o ciclo da energia nuclear inicia-se pela exploração do minério. Depois de extraído das rochas, ele é moído, purificado e submetido a reações químicas para que seja preparado o hexafluoreto de urânio. Esse composto é enriquecido, para só então ser reduzido a urânio metálico que é o combustível usado no reator. O combustível nuclear é usado no reator por aproximadamente dois anos. Então, o lixo produzido é estocado até que sua radioatividade decresça um pouco. Aí ele é enviado para ser reprocessado. Após o reprocessamento, obtém-se urânio, plutônio e lixo de alto nível, esse último composto de uma infinidade de radionuclídeos extremamente radioativos.

A radioatividade que sai da usina se dispersa na atmosfera, mas o perigo para o homem que a respira diretamente é secundário, pois a quantidade de radioatividade é muito baixa. O risco existe para aqueles que são obrigados a viver, anos e anos, em contato com traços de elementos químicos radioativos e com pequenas doses de radioatividades introduzidas no meio e que chegam ao homem através da cadeia alimentar. São estas pequenas quantidades que, somando-se no tempo, causam sérios prejuízos ao homem, uma vez que esses materiais radioativos têm efeito cumulativo nos organismos.

Com efeito, a usina nuclear funciona da seguinte forma: o reator está contido num recipiente sob pressão, esta pressão se destina a impedir a ebulição da água de resfriamento que circula no circuito refrigerador primário; do recipiente sob pressão emergem as barras de controle; o circuito refrigerador primário no permutador de calor; transforma a água sob pressão normal em vapor, que através dos tubos do vapor secundário; chega a turbina; unida ao gerador elétrico; depois do qual um condensador, resfriado por um circuito de água condensada fornecida por um rio ou pelo mar, transforma o vapor que sai da turbina em água a fim de aumentar o salto de pressão disponível para a turbina. A água condensada volta ao ciclo através dos tubos do condensador; o reator é rodeado por um edifício muito sólido, capaz de resistir as pressões altíssimas produzidas por uma eventual pane do reator e impedir assim o vazamento da radiação.

Um grave problema que merece atenção trata-se da gestão do rejeito radioativo. Uma das soluções encontradas pelos países de tecnologia nuclear para esse grave problema é o enterramento do material em aterros especialmente preparados, porém podem ocorrer vazamentos e contaminar o lençol freático. O lixo nuclear pode irradiar o que está à sua volta, ou contaminá-los por átomos radioativos. Por isso é necessário embalá-lo com uma blindagem de grossas paredes de cimento e chumbo. Essa blindagem deve impedir que essas partículas radioativas do lixo entrem em contato com o ar ou com a água onde está depositado. Com o passar do tempo, diminui a radioatividade do material, tornando-o menos perigoso. O reprocessamento do lixo nuclear foi desenvolvido tanto para extrair o plutônio (formado no reator pela fissão nuclear), utilizado na fabricação da bomba atômica, como para recuperar urânio não consumido no reator. Esse urânio pode ser enriquecido e novamente usado como combustível.

O lixo nuclear de reprocessamento também é resíduo de alto nível, já que dele fazem parte radionuclideos transurânicos que foram formados durante o bombardeamento de nêutrons na fissão nuclear. Para realizar-se o reprocessamento, o combustível deve ser guardado por meses em piscinas de refrigeração, pois ainda é muito radioativo para ser manipulado. Só então é enviado para ser reprocessado mecanicamente. O combustível é, então, dissolvido em ácido e os produtos da fissão separados do urânio do plutônio, na qual os compostos são lavados com diferentes solventes orgânicos. Essa extração baseia-se na solubilidade de certos compostos e na insolubilidade de outros. Com isso é possível transferir compostos sólidos que se encontram misturados com outros, para soluções nas quais estão num estado de pureza significativo.

Por outro lado, a Constituição Federal contém em seu bojo inúmeros dispositivos concernentes à utilização da energia nuclear. É importante que se observe que a utilização da radioatividade tem diversas finalidades, e na Lei Fundamental são tratados temas que variam desde o uso de radioisótopos com objetivos medicinais até proibição de utilização de energia nuclear com finalidades agressivas. É, portanto uma abordagem genérica e ambígua. Foram estabelecidos no art. 21, inciso XXIII, os princípios fundamentais para utilização da energia nuclear no Brasil. Esses princípios, contudo, não devem ser vistos como únicos aplicáveis às atividades nucleares. É fundamental que sejam incorporados aos princípios especificamente voltados para energia nuclear aqueles que dizem respeito à conservação do meio ambiente e aos direitos fundamentais da coletividade.

É indiscutível que se continuarmos nesta direção estaremos na vanguarda do atraso ao priorizarmos a retomada do programa nuclear. Caminhamos na contramão de Espanha e Alemanha que iniciaram um processo de revisão e mudança no modelo energético e estamos em aproximação do modelo chinês que assumiu na atualidade o ônus inconseqüente da construção de 25 usinas nucleares, além da previsão desmedida de mais 54 novas usinas para os próximos 30 anos. Estamos diante de um impasse fulcral: desenvolver economicamente sustentado em qual modelo energético?

(Por Claudio Ubiratan Gonçalves, Adital, 26/02/2010)
* Departamento de Geografia da UFPE


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