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ctnbio transgênicos agrotóxicos
2010-03-01 | Tatianaf

O pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e representante da agricultura familiar na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), José Maria Gusman Ferraz, esteve presente em um debate sobre transgênicos no Fórum Social Mundial – 10 anos, no mês de Janeiro em Porto Alegre (RS). Em entrevista à página do MST, ele conversou sobre o desafio de atuar em favor dos pequenos agricultores na comissão, dominada por empresas e defensores dos transgênicos, os malefícios desta tecnologia para a agricultura familiar, novas tendências de plantio no setor e a atuação dependente das universidades e das instituições de pesquisa.

Dá para trabalhar a favor da agricultura familiar na CTNBio? De que forma seria?
Ferraz -
Acho que é tentando mostrar que não é possível uma coexistência entre plantios transgênicos e convencionais. A gente tem tentado discutir este tema dentro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e fazer experimentos fora para levar os resultados lá para dentro, mostrando que a contaminação existe também no Brasil. Há vários estudos mostrando isso. Colocamos argumentos que levem a este pensamento, embora o que predomine é o pensamento bastante determinista. De dizer "nós estamos avaliando isso, não importa o que vai gerar, não compete à gente saber se isso vai ter impacto ambiental ou não". Isso não tem lógica; como é que vai ser liberada uma coisa que você sabe de antemão que vai ter impacto ambiental forte, que irá afetar a saúde e a semente crioula do produtor, reduzindo a agrobiodiversidade.

O que há de comprovação científica sobre os malefícios gerados pelos transgênicos?
Ferraz -
Há vários trabalhos que usamos como argumento. No caso do BT (proteína com ação inseticida para combater pragas e insetos), por exemplo: ele reduz a fauna de solo, que é extremamente necessária para quem trabalha com agricultura orgânica ou agroecologia, na reciclagem de nutrientes. O BT afeta micorrizas, que são fixadores de nitrogênio e absorvem fósforo; afeta uma série de decompositores no solo. Isso está fartamente documentado. As enzimas do BT não permanecem dias no solo, como os alguns pesquisadores dizem, mas sim anos, principalmente em material que aumenta o teor de lignina nestes transgênicos. A tendência destas proteínas ficarem no solo é muito maior, afetando a biota do solo por muito mais tempo. O BT também afeta polinizadores, insetos que agem como patógenos ou predadores e parasitóides; assim, toda a fauna associada que controlaria naturalmente a praga acaba sendo eliminada. O BT É uma toxicina para inseto. Todo o inseto que é afetado por aquela proteína vai ser danificado. E os que estão na cadeia trófica, os que se alimentam da praga, vão morrer também. É o que está sendo constatado. Na saúde humana, tem uma série de efeitos também. Dependendo do tipo de transgênico afeta de uma forma ou de outra, como na reprodução, já que alguns são indicativos de cancerígenos. O problema maior é que a gente só pode começar a fazer estudo depois que o transgênico é liberado comercialmente. E aí tem que buscar financiamento fora do padrão que as empresas financiam, o que é muito difícil.

Como o agricultor sente, no dia-a-dia, os prejuízos do transgênico?
Ferraz -
Ele vai sentir depois de um tempo. Geralmente o agricultor entra em um engodo. Prometem, com o transgênico, uma diminuição dos agrotóxicos, aumento de produtividade, redução de custo. Isso no primeiro ano aconteceu, inclusive com a soja transgênica, o que incentivou os agricultores a aderirem à prática. Só que com o tempo houve uma inversão. Próprias cooperativas de produtores do Paraná têm visto que hoje está ficando muito mais cara a produção de soja transgênica devido aos efeitos colaterais que ela tem, como os royalties que têm que pagar e a dependência que gera do agricultor às empresas. O agricultor familiar acaba entrando neste sistema achando que se o grande produtor está utilizando é porque é um grande negócio. O produtor familiar tem que trabalhar uma forma diferente de agricultura, não pode entrar nesta mesma lógica. E não adianta ter alguém brigando por ele na CTNBio se o agricultor não tiver, no dia-a-dia, uma força de resistência. Afinal é ele quem determina, na verdade, o que vai ser comercializado e o que não vai ser comercializado à população em geral.

A região Sul, principalmente o Rio Grande do Sul, tem sofrido nos últimos anos com a estiagem. Já há rumores de que as empresas estudam produzir grãos transgênicos resistentes à estiagem. É possível?
Ferraz -
É possível, inclusive no padrão convencional. A soja transgênica hoje é menos resistente à seca. Ficou muito claro, nestas últimas estiagens, que quem plantou soja transgênica teve uma produtividade muito mais baixa do que quem semeou soja convencional. Você pode conseguir mais resistência com uma genética convencional, simplesmente selecionando as sementes que são resistentes e plantando-as. É o que acontece, por exemplo, com o arroz dourado (transgênico), que teria um precursor da vitamina A em grande quantidade. Só que uma criança precisa comer 40 kg deste arroz por dia para poder ter aquele nível de vitamina A que há na batata doce, na mandioca, em vários alimentos com muito mais beta-caroteno (elemento que, no organismo, é convertido em vitamina A) do que no arroz. Por que preciso produzir um transgênico se na natureza já tenho alimentos melhores e que inclusive são usados pela população em sua rotina?

O que esperar com a aprovação de novos transgênicos, como o eucalipto?
Ferraz -
Se for pensar na cana e no eucalipto, ainda são culturas de grandes propriedades e vão entrar nesta mesma lógica de deter uma patente de um material que está associado a agrotóxicos. O eucalipto transgênico, por exemplo, não vai ser produzido simplesmente para diminuir o teor de lignina (substância que determina a “dureza” da madeira). Sempre que estes produtos passam pela liberação da CTNBio, além de terem uma pseudovantagem, eles estão associados também ao uso de um insumo químico (um herbicida etc) porque garante a venda das empresas. Isso vai continuar. Agora cabe a gente decidir se quer isso ou não e avaliar o impacto. Como é que eu posso ter eucalipto com teor baixo de lignina? Com qualquer vento, a árvore vai cair. Interessa ao agricultor familiar? Este eucalipto transgênico ainda pode passar o gen para o convencional (ocorrendo a contaminação), fazendo com que a árvore, que na propriedade familiar era para queima de lenha, perca esta característica. O agricultor não vai poder fazer carvão, usar o eucalipto em construções ou fazer uma cerca; o eucalipto transgênico somente será usado na indústria da celulose. É isso o que a gente quer?

Alimentos foram liberados para consumo sem estudos de impacto. Por que a CTNBio atua desta forma, que é absurda do ponto-de-vista da precaução?
Ferraz -
A CTNBio está passando por cima de todos os princípios básicos. Por exemplo, quando se está liberando um produto como na piramidização, que resulta do cruzamento convencional entre transgênicos. Neste caso, a CTNBio não aponta necessidade de avaliação de risco. Esta é uma lógica absurda porque no resultado do cruzamento podem estar ocorrendo manifestações em que os gens estão silenciosos e passam a se manifestar de repente. A CTNBio tem passado por cima de todos os princípios básicos, inclusive do Protocolo de Cartagena do qual o Brasil é signatário.

Como se dá o lobby na CTNBio a favor dos transgênicos?
Ferraz -
Na CTNBio, temos agora entrando outros agrotóxicos que não eram utilizados normalmente nos transgênicos. Antes, o herbicida forte era o glifosato; hoje temos o 2,4-D, que é um dos componentes do agente laranja. É um herbicida muito mais tóxico, está na classe mais alta do que o glifosato em termos de toxicidade e vai ser utilizado devido à resistência que as plantas desenvolveram ao uso intensivo do glifosato. O 2,4-D não deveria ser permitido porque teria impactos social e ambiental muito forte. Só que a CTNBio acha que está ali para avaliar simplesmente se o gen está colocado no lugar correto e não o impacto que a tecnologia vai causar à sociedade em geral.

Quem libera os agrotóxicos?
Ferraz -
Quem libera é um grupo formado pela Agência Nacional de Vigilância Santária (Anvisa) e os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. A Anvisa, por exemplo, divulga o nível de resíduos de agrotóxicos nos alimentos a partir de um levantamento nos Ceasas. Recentemente, ela foi proibida na Justiça de estar divulgando quanto tinha de contaminação nos alimentos. A pressão destes lobbies é tão forte e tão grande que inibe um órgão governamental de estar fazendo o papel dele, de divulgar para a população quanto tem de veneno em sua comida no dia-a-dia.

A rotulagem dos alimentos que contêm transgênicos e que são comercializados nos supermercados é segura?
Ferraz -
A rotulagem não existe, na prática. Há uma lei, mas não é implementada. O que deveríamos fazer, na verdade, é um movimento contrário. Como a lei não existe na prática, os consumidores deveriam estar exigindo que quem não usa o transgênico que coloque a marca, porque quem produz alimento orgânico acha ótimo colocar o rótulo dele lá, isso dá um impacto positivo. Mas quem produz transgênico acha que é uma prática “nazista" tentar colocar uma marca nos produtos industrializados que usam sementes geneticamente modificadas; marcar como os nazistas fizeram com os judeus. Eles inclusive usam este argumento. Agora se a marca é boa, eu não me negaria a consumir. Não tem lógica nenhuma; se o transgênico é tão bom assim, porque não rotular? A rotulagem permite ao consumidor, de optar se ele quer comer determinado alimento ou outro. E como está hoje, em que as empresas não cumprem a rotulagem, não se pode optar.

És pesquisador da Embrapa. Como avalias o papel das instituições de pesquisa ligadas ao Estado e das universidades em relação aos transgênicos?
Ferraz -
As instituições de pesquisa, a Embrapa, as universidades estão entrando na mesma lógica. Por que? Porque são um reflexo do que acontece na sociedade. Lá dentro tem pessoas que pensam de uma forma e de outra e os interesses também são grandes no interior das instituições. As indústrias aportam muito dinheiro nas instituições. É o esquema do neoliberalismo: quando o Estado sai, as empresas e instituições ficam dependentes de aporte para continuar a pesquisa. E quem está dando o aporte para a pesquisa hoje é a iniciativa privada. Ou a gente reverte isso com uma política pública de fato em que o Estado realmente passe a gerenciar a pesquisa ou cada vez mais esta situação vai se ampliar e vai fazer com o que o pesquisador, que é pago e treinado pelo Estado, trabalhe para as empresas. É isso o que está acontecendo hoje, seja nas instituições estaduais, nas federais, como a Embrapa, ou nas universidades.

(Por Raquel Casiraghi, MST, 26/02/2010)


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