A informação de que o Brasil ultrapassou a Argentina e assumiu a segunda posição mundial em produção de transgênicos é vista com reticência por pesquisadores do setor. O levantamento que mostra o país atrás apenas dos Estados Unidos, com 21,4 milhões de hectares cultivados com Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), foi feito pela ISAAA, uma instituição financiada pelas empresas de biotecnologia.
Por isso, os dados não são considerados plenamente confiáveis por pesquisadores do setor, que alegam que essas corporações, como Monsanto, Syngenta e Du Pont, podem aumentar ou diminuir números de acordo com o que desejem enfatizar ou influenciar.
Além disso, não há certeza sobre a origem das informações apresentadas. No Brasil, por exemplo, nem mesmo os órgãos oficiais têm estimativas fechadas sobre o tamanho da safra e do espaço destinado a cada variedade de transgênico.
"Um ponto em que não se está tocando é que a área cultivada com transgênicos no planeta diminuiu. E também se quer passar a ideia de que os OGMs estão no mundo inteiro. Na verdade, são apenas seis países que comandam a produção", afirma Gabriel Fernandes, assessor técnico da AS-PTA, entidade que atua no desenvolvimento de projetos em agricultura familiar e agroecologia.
Os seis países responsáveis pela maior parte da produção são, pela ordem, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Índia, Canadá e China, com Paraguai e África do Sul um pouco atrás, e as demais nações com produções pouco representativas.
Apesar de todos os problemas que se possa apontar na pesquisa, as constatações do aumento da utilização de transgênicos no Brasil são notadas por quem vive ou desenvolve trabalhos nas áreas rurais.
Uma parte da expansão é facilmente explicável: a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) vem liberando novas variedades de OGMs. Em sua última reunião, já em fevereiro, o órgão deu sinal verde a dois tipos de soja produzidas pela Bayer, por exemplo.
Na realidade, essas novas variedades a serem inseridas no mercado são vistas pelos biotecnólogos como alternativas à variedade já liberada, a Roundup Ready, que apresentou cada vez menos vantagens de cultivo. Por exemplo, começaram a aparecer insetos resistentes ao glifosato, herbicida que, antes, matava tudo, menos as variedades genéticas Roundup Ready.
Larissa Packer, advogada da organização Terra de Direitos, considera que os novos tipos de soja mostram que os transgêncios não são uma alternativa real, já que pouquíssimas empresas controlam todo o setor de transgenia.
Para ela, não é surpresa que o Brasil se encontre na segunda posição no ranking da ISAAA, uma vez que, desde a década passada, a trajetória governamental tem sido a de facilitar as liberações e o cultivo de transgênicos. “Ao longo do tempo, a questão dos OGMs vai se afastando de uma legislação altamente consolidada, que é a legislação ambiental. Vê-se claramente algumas intenções políticas de acelerar as liberações como se fosse um balcão de negociações. As empresas postam seus estudos, geralmente feitos em seus países de origem, e os OGMs são liberados sem a devida análise”, aponta.
Crescimento
A instituição internacional responsável pelo levantamento, por outro lado, vê espaço para crescimento. Atualmente, o Brasil tem liberadas variedades de soja, milho e algodão, e nas três a ISAAA incentiva a expansão. De acordo com os dados da entidade, a área brasileira atual destinada a OGMs representa um terço da estadunidense, que é de 64 milhões de hectares.
Embora a soja responda por 16 dos 21 milhões de hectares cultivados no Brasil com sementes geneticamente modificadas, a entidade que representa as empresas de biotecnologia destacou o crescimento do milho Bt em 3,7 milhões de hectares, o maior aumento mundial de uma variedade.
"Vocês (brasileiros) são os terceiros produtores de milho no mundo... e, como se sabe, o milho é cultivado em duas safras no Brasil, há uma oportunidade de crescimento na chamada safrinha, mas também na safra de verão", declarou o presidente da ISAAA, Clive James.
O pensamento não é compartilhado por entidades preocupadas com a biodiversidade do semi-árido nordestino. No geral, e em todo o mundo, o avanço do milho transgênico tem sido motivo de atenção maior porque, diferentemente da soja, o cereal realiza fecundação cruzada, ou seja, uma lavoura com OGMs pode, pela ação do vento, contaminar uma convencional.
Há diversos registros do gênero e as distâncias entre áreas de transgênicos e convencionais estabelecidas pela lei não são consideradas suficientes para garantir que não haverá fecundação, cujos resultados e influência sobre a saúde humana são desconhecidos.
"O milho é bem adaptado ao Nordeste, o que nos preocupa muito. A gente vê a ameaça dos transgênicos cada vez mais perto. Aqui na Paraíba, tem milho plantado na beira de estrada. Imagina um caminhão carregando milho transgênico. Com o vento, contamina essas lavouras todas", queixa-se Emanoel Dias, da Articulação do Semi-árido (ASA).
Agrotóxicos
Segundo lugar em áreas cultivadas de transgênicos, o Brasil tornou-se líder, no fim da primeira década do século 21, do uso de agrotóxicos. Entidades que pesquisam sobre biotecnologia e seus efeitos não têm dúvidas de que os dois dados estão associados.
As empresas de sementes, no entanto, apontam o contrário. Nos cálculos da ISAAA, houve, nos últimos doze anos, uma redução de 6,9% no uso de defensivos agrícolas.
Gabriel Fernandes, da AS-PTA, adverte que há cada vez mais pesquisas mostrando o oposto: o aumento do uso de agrotóxicos e os efeitos nocivos gerados pelo consumo de algumas variedades de transgênicos.
Há casos comprovados de morte gerada por exposição ao glifosato no Paraguai, menor dos países integrantes da chamada República Unida da Soja, nome irônico conhecido no setor dado ao cinturão sojeiro que vai do Brasil e à Argentina.
"O fato é que a biotecnologia não cumpriu as promessas. Tanto tempo depois de iniciadas as pesquisas, há condições de produzir OGMs em apenas algumas variedades de alimentos. E as vantagens são reduzidas: a única questão em que se avançou foi nas variedades de sementes resistentes a herbicidas ou inseticidas", constata.
As empresas do setor argumentam que há ganhos na produtividade, e que outros 62 milhões de hectares seriam necessários para ter a mesma produção agrícola atual. "Infelizmente, eles vêm ganhando esse jogo, mas há muitos casos que mostram problemas nessa tecnologia. Algumas contradições vêm aparecendo e com certeza vai haver uma reviravolta em alguns anos. As altas doses de agrotóxicos e o dano econômico vêm se apresentando", aponta a advogada Larissa Packer.
(MST, 26/02/2010)