O Nu é um dos grandes rios da China onde ainda não existem represas. Mas é possível que esta situação acabe logo. Este rio flui desde as alturas do Tibete, atravessando duas cadeias montanhosas na província chinesa de Yunnan, antes de cruzar a Birmânia para entrar no Mar de Andamán. Um terço das etnias do país depende dele, e é lar de sete mil espécies de plantas e 80 de animais raros ou ameaçados. Foi por ele que os missionários cristãos birmaneses entraram pela primeira vez na China. Hoje, as comunidades nu e tibetana continuam sendo fervorosamente católicas, assistindo missas em pequenas igrejas e cantando diante de imagens de Jesus Cristo e da Virgem Maria.
Em 2003, um consórcio de empresas de eletricidade propôs construir 13 represas ao longo do Rio Nu (nome que significa “raivoso”, em alusão ao manancial que flui com força). O projeto produzirá mais eletricidade do que a represa de Três Gargantas, que se estende sobre o Rio Yangtze, na província de Hubei. Isto uniu o nascente movimento ambientalista chinês, que lançou uma campanha para impedir a instalação das represas no Nu. A imprensa nacional e internacional repercutiu esses fatos. Em 2004, o primeiro-ministro, Wen Jiabao, ordenou a suspensão do projeto e uma completa avaliação ambiental, o que representou uma vitória crucial para os ecologistas chineses.
Porém, esse triunfo teve vida curta. A avaliação ambiental nunca foi divulgada. O governo disse que, como o Nu é um rio internacional (conhecido fora da China como Salween), os planos de desenvolvimento ficam sob a lei que estabelece o segredo de Estado. O projeto foi reduzido de 13 para quatro represas, e os trabalhos preliminares continuaram apesar da ordem de Wen. Em março de 2008, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma publicou seu plano quinquenal para o desenvolvimento energético, que listou as represas no Rio Nu como projetos principais.
Atualmente, está quase completa a construção de uma pequena represa em um afluente do Nu, ao sul dos Três Rios Paralelos, declarado Patrimônio Natural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em 2007, moradores da aldeia de Xiaoshaba, com cerca de 120 famílias, foram reassentados em novos blocos de apartamentos para dar espaço à central elétrica. Enquanto isso, na Birmânia, um projeto de hidrelétrica gerará eletricidade que será vendida para a China.
Em maio de 2009, Wen voltou a frear os projetos até que terminasse uma completa avaliação ambiental. Mas, segundo observadores, quando deixar o cargo em 2012, os projetos recomeçarão. Embora os ambientalistas se oponham a represas no Nu, a controvérsia não se restringe a “branco ou preto”. A China está sedenta por energia, e 80% do fornecimento elétrico do país são fornecidos por usinas alimentadas a carvão. A energia hidrelétrica representa apenas 15% da eletricidade gerada na China e é considerada uma alternativa mais limpa, embora controvertida.
As represas também podem criar muitos, e necessários, postos de trabalho na empobrecida região do Nu. O governo local estima que apenas 20% dos habitantes dessa região possuem eletricidade, algo que as represas podem melhorar. Ao longo do Nu, os pontos de vista variam. Kristen McDonald, uma norte-americana que entrevistou 200 aldeões na região para sua tese de graduação, concluiu que cerca de um terço apoia o projeto, um terço é contra e um terço não tem opinião formada.
Em Xiaoshaba, a aldeia reassentada integrada principalmente por membros da etnia lisu, os habitantes disseram que, no geral, estão felizes com as novas casas. Estas são filas de espaçosos apartamentos de dois andares a poucos quilômetros de suas antigas casas. “A aldeia velha e a nova são, em boa parte, as mesmas’, disse Li Yu Xin, de 40 anos e motorista de microônibus, que, além do apartamento, recebe um subsídio mensal por reassentamento de US$ 117. “O único problema é que não podemos ficar com os animais. Não há espaço para eles. Mas gosto da nova moradia e apoio a decisão do governo central”, afirmou.
Corrente acima, perto de Bingzhongluo, um aldeão de origem tibetana, que trabalha como guia, tem menos certeza sobre os benefícios da construção de represas no Rio Nu. O homem, que não quis se identificar por medo de represálias, está no quinto ano de um projeto de vídeo-documentário que prevê que vai durar 20 e registrar os impactos das represas. “As pessoas são cada vez mais conscientes das mudanças causadas pela represa, e sabe que não são bons. Me preocupa como manteremos vivas estas aldeias”, afirmou.
Se o projeto seguir adiante, a cultura local correrá perigo, disse Wang Yongchen, jornalista e co-fundador da organização não governamental Green Earth Volunteers, com sede em Pequim, que participou ativamente da luta inicial para salvar o Nu. Muitos aldeões terão de se mudar para as cidades. Uma área próxima a Liuku, um tradicional local de banhos da comunidade lisu, será arrasada. “Se forem construídas represas no rio, sua cultura e suas tradições desaparecerão”, enfatizou Wang. Quem se opõe às represas espera que uma campanha, que é realizada para gerar consciência pública, faça com que os chineses exijam que seu governo proteja o Nu e outras áreas similares.
O norte-americano Travis Winn, de 26 anos, que junto com McDonald fundou a organização sem fins lucrativos China Rivers Project, organiza atividades de rafting (esporte que consiste em descer rios de águas turbulentas em botes infláveis e outras embarcações) no Nu e outros rios, para chineses influentes e ricos que podem tomar medidas. “A resposta universal é: 'Nunca vivi isto antes. Nunca pensei que a China tivesse lugares tão belos'. É a experiência de suas vidas”, resumiu Winn.
(Por Gordon Ross, IPS, Envolverde, 26/2/2010)