Descansando em Cidreira, o folclorista Paixão Côrtes, a maior autoridade em tradicionalismo gaúcho, viu apenas as pegadas deixadas pela Cavalgada do Mar deste ano. O evento não o entusiasma. Apesar de achar a ideia boa, ele considera que ela é desperdiçada pela falta de conhecimento e de propósito. Confira a entrevista concedida ontem pelo folclorista:
Zero Hora – Qual é a sua visão a respeito de eventos como a Cavalgada do Mar?
Paixão Côrtes – As cavalgadas podem chamar a atenção à ligação entre o gaúcho e o cavalo no movimento tradicionalista. Assim como existem apresentações de danças, podem ocorrer essas demonstrações de cavaleiros. É salutar, quando bem organizada. Mas bem organizado significa ter objetivos e não simplesmente montar no cavalo sem perspectivas maiores. Passo um bom tempo aqui em Cidreira e não vejo razão de ser nessas cavalgadas. É simplesmente uma caminhada a cavalo. Não há pesquisa ou questionamento sobre nada. Não serve para questionar os problemas do Rio Grande. É um passeio. É comer, beber e dar risada.
ZH – Existe desconhecimento sobre os cavalos por parte dos participantes?
Paixão Côrtes – O gaúcho sempre esteve ligado ao cavalo. Ele podia dormir mal, nos arreios, mas o cavalo precisava ficar em um condição excepcional, porque era através do cavalo que o gaúcho podia fazer o seu trabalho. Na cavalgada, há participantes inconscientes da responsabilidade que deveriam ter. Estão percorrendo grandes distância cavalos mal-alimentados e não habituados a isso. Não estou dizendo que não existem pessoas com conhecimento, mas tenho visto aqui que são pessoas sem a mínima noção da sua responsabilidade e da dignidade do animal. Estão fazendo exibição descaracterizante, em vez de exaltar o cavalo e a identidade da terra.
ZH – O trajeto pelo litoral faz sentido?
Paixão Côrtes – O litoral foi a primeira rota dos tropeiros, a partir de 1731. Mas eu falo com os cavaleiros aqui e eles não sabem nada do que estão fazendo, não têm conhecimento nenhum da História. Tinham de conhecer e de fazer o resgate. Uma cavalgada dessas tem de ter algum objetivo além de simplesmente montar. Existes festas e recepções, mas o tradicionalismo não vive de festas. Vive da realidade e do desenvolvimento do Rio Grande. Precisa ter substância. É preciso ter a cultura do saber, não só a do montar.
(Zero hora, 26/02/2010)