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plano climático emissões de gases-estufa
2010-02-25 | Tatianaf

O SECRETÁRIO-EXECUTIVO da UNFCCC (Convenção do Clima das Nações Unidas), o holandês Yvo de Boer, disse, em entrevista à Folha, que não acredita que um acordo internacional com força de lei contra a mudança climática será finalizado no fim deste ano no México. "Eu acho que isso vai levar mais dois anos", afirmou em uma das primeiras entrevistas após anunciar, na última quinta-feira, que deixará o cargo em junho. Segundo De Boer, que admitiu sofrer pressões de governos durante seus primeiros anos no cargo, a cúpula do clima de Copenhague, em dezembro, foi "um retrocesso de um ano".

Embora defenda o resultado de Copenhague, por ter trazido a mudança climática para o topo da agenda mundial, De Boer, 55, afirmou que o encontro não produziu o resultado esperado -e que essa é uma das razões da sua renúncia. O principal funcionário da ONU para o clima disse também que seu estilo franco lhe rendeu problemas "em duas ou três ocasiões", quando governos ligaram para o secretário-geral da organização para se queixar dele. E que é chegada a hora de um diplomata de um país em desenvolvimento assumir a Convenção do Clima. Um nome citado por De Boer foi o de Everton Vargas, embaixador do Brasil em Berlim.

FOLHA - O sr. já viu um momento tão difícil no processo de negociação do clima como este agora? Já era difícil quando o público acreditava no assunto. Vai ficar impossível?
YVO DE BOER -
Primeiramente, eu acho que não há um público só, mas três. Um de segurança energética, um de crise energética e um de mudança climática. E acho que a razão pela qual nós vimos um impulso tão grande no último par de anos é que essas três agendas acabaram se juntando, e as coisas continuarão assim. Em segundo lugar, embora Copenhague não tenha produzido um resultado formal, mesmo assim juntou 120 chefes de Estado e de governo, algo que aconteceu poucas vezes na história. E isso eu acho que é um sinal de que esse assunto finalmente chegou onde deveria estar, que é no topo da agenda dos líderes mundiais.

FOLHA - Mas o Acordo de Copenhague não é um beco sem saída para as negociações?
DE BOER -
Acho que não. Todos os países com quem conversei desde Copenhague -EUA, Europa, Brasil, China, Índia, México, África do Sul- manifestaram uma forte intenção de usar o conteúdo do acordo para dar novo sentido às negociações. Nesse sentido, não acho que ele seja letra morta. Mas acho que é importante não inflar o estado do acordo. O fato é que ele não foi formalmente adotado.

FOLHA - Qual texto será negociado no México? Serão os textos do KP (Protocolo de Kyoto) e do LCA (ações de longo prazo) ou será o próprio Acordo de Copenhague?
DE BOER -
Continuaremos a negociar com base nos textos que foram encaminhados pelo KP e pelo LCA. Muitas decisões estavam próximas de ser finalizadas em Copenhague. Tecnologia, capacitação e Redd [florestas] estavam quase finalizadas, e há uma segunda categoria de questões que poderiam ser resolvidas usando o conteúdo do Acordo de Copenhague, e há uma terceira categoria de questões em torno das quais as negociações não avançaram muito e precisariam de mais tempo ao longo do ano que vem.

FOLHA- O sr. poderia ter continuado à frente da convenção. Por que não assinou no ano passado uma extensão de três anos do mandato?
DE BOER -
Foi uma extensão de um ano porque hoje o secretário-geral da ONU pede aos indicados seniores que só fiquem um ano. O contrato poderia ser estendido em setembro, se eu quisesse, mas eu acho que isso [a negociação] vai provavelmente levar mais dois anos. Precisamos fazer em Cancún o que não conseguimos em Copenhague: criar uma arquitetura para implementação sob a convenção e acordar um segundo período de compromisso para o Protocolo de Kyoto. Então, no encontro subsequente, daqui a dois anos, na África do Sul, será possível concluir um novo instrumento legal.

FOLHA- Só para esclarecer: então o sr. não acha que teremos um acordo legalmente vinculante na COP-16?
DE BOER -
Não, não acho. Veja, minha ambição foi que Copenhague adotasse a arquitetura necessária para uma resposta de longo prazo à mudança climática e que um ano mais tarde, no México, ou talvez antes, isso fosse ser tornado um instrumento legalmente vinculante. Hoje eu acho que o México terá de fazer o que eu esperava que Copenhague fizesse. Então, nesse sentido, acho que foi um retrocesso de um ano.

FOLHA- Então Copenhague foi perda de tempo?
DE BOER -
Não foi uma perda de tempo porque tivemos sob o LCA uma decisão guarda-chuva e novos rascunhos de decisões de implementação, houve acordo ou quase em muitas áreas, o Acordo de Copenhague faz referência aos 2C de [aumento máximo de] temperatura, incluiu US$ 100 bilhões para financiamento e tem vários elementos que podemos usar para acelerar a negociação.

FOLHA- Quão importante para a sua renúncia foi o fiasco, se me permite a palavra, de Copenhague?
DE BOER -
O emprego para o qual estou indo não é algo que se arranje em seis semanas. Eu já estava trabalhando nisso antes de Copenhague, assumindo que haveria um resultado mais positivo. E, quando este não veio, pensei se ainda deveria deixar o secretariado, e meu sentimento é que, por causa do valor do Acordo de Copenhague, porque vai levar mais dois anos para finalizar esse negócio e por causa do desgaste que esse trabalho envolve, decidi me ater ao plano original e sair.

FOLHA- O sr. tem um estilo extremamente direto de dizer as coisas para um diplomata. Isso lhe rendeu pressões de governos enquanto estava no cargo? Foi parte desse desgaste ao qual o sr. se referiu?
DE BOER -
Sim, houve governos nos últimos três anos e meio que ficaram infelizes com coisas que eu disse ou fiz, e houve duas ou três ocasiões em que governos ligaram para o secretário-geral da ONU para dizer que estavam insatisfeitos comigo, mas eu sempre contei com o apoio total do secretário. Francamente, acho que é importante dizer as coisas como elas são e, sem exposição pública e sem lembrar as pessoas de suas responsabilidades, acho que esse processo teria caminhado de forma muito mais lenta.

FOLHA- O sr. pode falar mais dessas duas ou três ocasiões?
DE BOER -
Não, isso foi há muito tempo, nos meus dois primeiros anos. São águas passadas.

FOLHA- Alguma discussão sobre quem irá substituí-lo?
DE BOER -
Eu sou europeu, minha antecessora era europeia, o antecessor da minha antecessora é europeu, então talvez seja hora de algo novo. É claro que isso é uma decisão do secretário-geral, mas eu acho que provavelmente seria bom ter neste posto alguém de um país em desenvolvimento, que entende as preocupações dos países em desenvolvimento.

FOLHA- Tem alguém em mente?
DE BOER -
Não, e isso não é da minha conta.

FOLHA- O embaixador Luiz Figueiredo se qualificaria?
DE BOER -
Certamente, e muitas outras pessoas, inclusive meu velho amigo Everton Vargas.

FOLHA- O que falhou em Copenhague e de quem é a culpa?
DE BOER
- Aconteceu que estávamos trabalhando rumo à adoção de uma série de decisões e então, quando os chefes de Estado e governo começaram a chegar, a atenção se desviou para a adoção de uma declaração política, e aquela declaração política foi finalizada muito tarde e por um grupo muito pequeno de países. Não houve oportunidade de convencer os representantes de todos os países de que ela deveria ser o resultado de Copenhague. Àquela altura, a conferência havia durado 24 horas mais do que deveria, as pessoas estavam cansadas, a tensão estava elevada e, nesse sentido, foi bom que o acordo não tenha sido empurrado goela abaixo.

FOLHA- O sr. esperava que as coisas fossem tomar aquele rumo?
DE BOER -
Não, porque uma declaração política não era o que a maioria dos países desejava. O que eu esperava era uma série de decisões que produzissem um arcabouço forte para uma resposta de longo prazo à mudança climática e um acordo para um segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, e nas horas finais de Copenhague as coisas tomaram um rumo muito diferente.

FOLHA- Qual é o futuro desse processo? Acabaremos com acordos bilaterais entre grandes emissores e a convenção ficará com a adaptação?
DE BOER -
Acho que não. Acordos bilaterais são importantes e podem ajudar a avançar o processo. Mas nos últimos 20 anos se construiu uma imensa arquitetura em torno da UNFCCC. Além disso, mesmo que haja acordos sobre mitigação entre um número limitado de países, você ainda assim precisará de algum tipo de metodologia para reportar essas ações, verificá-las e premiá-las usando o financiamento acordado em Copenhague. Para que qualquer pacote tenha credibilidade, ele precisa ser aceito pela comunidade mais ampla.

FOLHA- As metas do Acordo de Copenhague nos dariam um aquecimento de pelo menos 3,5ºC. Não deveríamos reconhecer que não atingiremos a meta de 2ºC?
DE BOER-
Eu acho que os 2ºC ainda podem ser alcançados. Acho que estamos ficando sem tempo e também acredito que não podemos esperar mais dois anos para finalizar as coisas. Mas, honestamente, não temos muita escolha. Precisamos reconhecer que Copenhague não entregou o que muitos países esperavam que fosse entregar.

FOLHA- A crise no IPCC torna as coisas mais difíceis do ponto de vista do apoio público?
DE BOER -
Sim. Os erros cometidos pelo IPCC deram aos céticos mais uma oportunidade e fizeram algumas pessoas questionarem se a mudança climática é realmente algo com o que se preocupar. Mas acho que os governos em geral reconhecem que foram dois erros em um relatório de 3.000 páginas, erros relacionados à escala dos potenciais impactos da mudança climática, não à conclusão científica de que as concentrações de gases-estufa na atmosfera se relacionam com o aumento de temperatura, de que ela é induzida por seres humanos e está nos levando além das fronteiras das mudanças naturais que vimos no passado.

FOLHA- E o que o sr. acha que a comunidade climática deveria fazer para recuperar a credibilidade?
DE BOER -
O IPCC tem procedimentos internos muito sólidos, mas claramente esses procedimentos não foram aplicados adequadamente. Está na hora de o IPCC botar a casa em ordem. Um dos problemas é que o IPCC tem um secretariado minúsculo. A maioria do trabalho é feita nos três grupos de trabalho do IPCC por cientistas que trabalham voluntariamente. Com uma questão tão importante quanto essa, você precisa ter um secretariado forte e mecanismos de controle fortes.

FOLHA- Ele deve ser tirado de supervisão governamental?
DE BOER -
Acho que a supervisão governamental não é o problema, o problema é que o processo de revisão não foi feito de maneira suficientemente séria. O IPCC é um conjunto de 2.500 cientistas que olham para toda a literatura existente e, com base nisso, tentam chegar a uma avaliação equilibrada. Jogar tudo isso fora e tentar replicar em outro lugar seria a medida mais ineficiente que posso imaginar.

(Por Claudio Angelo, Folha de S. Paulo, 24/02/2010)


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