As montanhas de perigoso lixo eletrônico crescem cerca de 40 milhões de toneladas ao ano. No Brasil, China, Índia e África do Sul, o crescimento desses resíduos ficará entre 200% e 500% na próxima década, afirma um novo estudo. Esse aumento inclui apenas os restos de televisores, computadores e telefones celulares de uso interno, e não as toneladas de lixo eletrônico exportadas para esses países, a maioria de forma ilegal. As vendas de produtos eletrônicos no varejo explodiram nas economias emergentes, mas não há capacidade para recolher os restos, reciclar conteúdos tóxicos e convertê-los em materiais valiosos, afirma o estudo “Recycling - from E-waste to Resources” (Reciclando - de Lixo Eletrônico a Recursos), divulgado segunda-feira em Bali, na Indonésia.
A publicação coincide com uma reunião do Convênio da Basiléia sobre Controle de Movimentos Transfronteiriços dos Dejetos Perigosos e sua Eliminação, que começou segunda-feira. Os restos de telefones celulares serão, em 2020, sete vezes superiores aos de 2007 na China, e 18 vezes maior na Índia. A China já produz 2,3 milhões de toneladas, atrás dos Estados Unidos, com cerca de três milhões de toneladas. E apesar de proibir a importação deste lixo, a China continua sendo o principal destino destes resíduos procedentes dos países ricos.
“Este informe mostra a urgente necessidade de estabelecer processos obrigatórios, formais e ambiciosos para recolher e disponibilizar este lixo em instalações amplas e eficientes na China”, disse em Bali o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Achim Steiner. “Não é só a China que enfrenta este desafio. Brasil, Índia, México e outras nações também vivem riscos ambientais e sanitários se a reciclagem destes resíduos tóxicos ficar em mãos do setor informal”, acrescentou.
Não se trata da necessidade de desmontar manualmente os aparelhos eletrônicos, que de fato é uma tarefa essencial em muitos casos, diz Ruediger Kuehr, da Universidade das Nações Unidas e secretário-executivo da iniciativa Solving the E-waste Problem (StEP – Resolvendo o Problema do Lixo Eletrônico), um consórcio de organizações não governamentais, indústrias e governos. Mas o desmonte manual deve ser feito de maneira apropriada, em condições ambientais corretas, disse Kueher à IPS de seu escritório em Hamburgo (Alemanha). “A reciclagem eletrônica é muito complicada. Um telefone pode ter entre 40 e 60 elementos diferentes”, ressaltou.
O ouro é um desses elementos valiosos, e a reciclagem informal, praticada na China e na Índia, consegue extrair apenas 20% desse metal. No total, há centenas de milhões de dólares nos celulares que nunca são recuperados, disse Kuehr. As somas aumentam rapidamente para milhares de milhões de dólares de valiosos metais não recuperados quando são considerados os componentes das baterias.
Explorar e refinar novos metais, prata, ouro, paládio, cobre e outros, tem grande impacto ambiental, como uma grande quantidade de gases-estufa lançados na atmosfera, diz o informe. E alguns materiais estão se tornando escassos e, por isso, mais caros. O desenvolvimento de um sistema nacional sólido de reciclagem é complexo, e somente na base de financiamento e transferência de tecnologia do mundo rico não funcionará, segundo o documento. A falta de uma ampla rede de coleta destes resíduos, somada à competição do setor informal de baixo custo, impede o desenvolvimento de modernas unidades para esta atividade.
O informe, realizado em coautoria pela suíça Empa, Umicore e Universidade das Nações Unidas, todos membros do StEP, propõe facilitar a exportação de porções de produtos, como baterias ou paineis de circuitos de países pequenos para as nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), processadoras finais certificadas. As unidades de recuperação de materiais na Europa e América do Norte, que podem extrair quase todos os metais valiosos, são muito caras e precisam processar uma grande quantidade de lixo eletrônico para serem rentáveis.
Aí está a oportunidade de dar a volta na cadeia de fornecimento, com as nações em desenvolvimento desmontando seus produtos eletrônicos e enviando os materiais para a reciclagem final e recuperação no mundo rico, segundo Kuehr. “Recuperar elementos raros e valiosos, como o irídio, representa um difícil processo técnico. O mundo em desenvolvimento nunca terá recursos suficientes para construir suas próprias fábricas. É necessária uma solução global”, afirmou. Porém, há muitos impedimentos para semelhante solução, inclusive o fato de alguns setores, de vários países, estarem fazendo muito dinheiro graças à atual ineficiência, acrescentou Kuehr.
A classificação adequada do material (um computador que não funciona deve ser descartado ou pode se consertado facilmente e continuar em uso?) e um acordo internacional para estabelecer permissões são outros grandes obstáculos. Também existe a desconfiança sobre as declarações dos recicladores, a falta de certificação e de certeza de que os países que desmontam os produtos serão beneficiados ao enviá-los às nações da OCDE para sua recuperação final.
“Precisamos de um sistema global, mas não temos uma solução final sobre como chegar a isso”. Definitivamente, a sociedade mundial precisa avançar para a desmaterialização, onde o reuso domine completamente a reciclagem, que é intensiva em energia e recursos, mesmo quando não seja contaminante, segundo Kuher. As pessoas que compram computadores ou telefones celulares querem, na realidade, serviços de informática e comunicações, não produtos físicos. O caminho para o futuro é que as empresas tenham os produtos que ofereçam esses serviços e os atualizem uma e outra vez, fechando o círculo. “Isto tem mais sentido em muitos aspectos”, concluiu Kuehr.
(Por Stephen Leahy, IPS, Envolverde, 24/2/2010)