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2010-02-23 | Tatianaf

Será a primeira represa gigante ecologicamente irrepreensível, é o que prometem em Brasília. O governo brasileiro deu o sinal verde no início de fevereiro para a construção do complexo hidrelétrico de Belo Monte, no rio Xingu, no Estado do Pará. Os militantes do desenvolvimento sustentável criticam este projeto e as tribos indígenas ribeirinhas ameaçam obstruí-lo.

O aval governamental marca o epílogo de uma longa história. O projeto remonta a meados dos anos 1970. Ele previa inicialmente o funcionamento de seis usinas. Em 1989, os indígenas, hoje e então apoiados pelo cantor Sting, conduziram uma campanha mundial que obrigou o Estado a bater em retirada.

Naquele ano, a imagem da índia Tuíra brandindo uma faca contra o rosto de um engenheiro alimentou a lenda da “resistência” indígena ao programa hidrelétrico. Uma cena parecida se repetiu em 2008, quando o coordenador do projeto, que foi se explicar diante dos índios, foi esfaqueado no braço.

No meio tempo, o projeto foi rebatizado e modificado levando em conta novas obrigações ambientais e temores da população. Passou a comportar somente uma usina. A superfície das terras inundadas seria reduzida de 1.200 km² para 516 km². Com suas 29 turbinas, o complexo incluiria duas represas e um reservatório ligados por dois canais de derivação das águas do Xingu. A usina acompanharia “o curso da água”, reduzindo assim o impacto ambiental.

Índios hostis
Com 11,2 mil mW de potência instalada, Belo Monte será a terceira maior represa do mundo, atrás da de Três Gargantas, na China (18 mil mW) e da de Itaipu, explorada em conjunto pelo Brasil e pelo Paraguai (14 mil mW). Ela possuirá 11% da capacidade de produção do Brasil e entrará em funcionamento em 2015. O governo estima o custo do projeto em US$ 11 bilhões (R$ 20 bilhões). A licitação será aberta em abril e dois consórcios brasileiros já estão na disputa. Preocupados em abrir mais amplamente a concorrência, o governo está encorajando um terceiro grupo industrial, GDF Suez, a entrar na corrida.

O vencedor, seja lá qual for – e é o essencial - , deverá se comprometer antecipadamente a honrar uma rígida lista de especificações acompanhada de “quarenta obrigações ambientais e sócio-econômicas”. Sem isso, o projeto não poderá ser executado. O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, avalia em US$ 800 milhões (R$ 1,45 bilhão) o montante dessas “compensações”. Ele diz que “é a licença ambiental mais exigente da História”.

Basicamente, deverão criar duas zonas de preservação das terras indígenas, e financiar uma rede de saneamento público, além de um programa de construção de escolas e hospitais. “Todas essas exigências são realizáveis, ainda que algumas sejam pesadas”, observa Roberto Messias, diretor do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O projeto atingirá 12 mil famílias rurais, sendo que muitas serão deslocadas, e a quem prometem melhores condições de vida. “Mas nenhum índio deverá deixar sua terra”, garante Minc.

Os defensores do projeto argumentam que ele gerará 18 mil empregos diretos e 80 mil empregos indiretos, em uma região que se queixa de ser economicamente negligenciada, e que todos os anos colocará dezenas de milhões de dólares no bolso do Estado do Pará e da cidade mais próxima, Altamira. Os militantes ecologistas continuam céticos, e os índios, hostis. Eles lamentam que o estudo ambiental não tenha ouvido suas dúvidas, e observam que a perfuração dos dois canais de derivação levará a escavações equivalentes às obras do canal do Panamá.

Eles mencionam os riscos de emissões de gás metano, as ameaças à floresta, ao rio e à pesca tradicional, além da desordem decorrente da chegada prevista de 100 mil novos habitantes. “Será o caos”, prevê o bispo do Xingu, Erwin Kräutler. Os índios acusam a Funai, a fundação federal que defende seus interesses, de “traição”, pois ela deu seu consentimento ao projeto. Diversas associações entraram com ações na justiça contra o Estado.

Belo Monte é crucial, afirmam os partidários da represa, para garantir a autossuficiência do Brasil em eletricidade. Até 2017, o país precisará produzir a cada ano 4 mil mW suplementares para sustentar um crescimento econômico em torno de 5%. A hidroeletricidade, que garante 85% do fornecimento de energia no Brasil, é “limpa e renovável”, enfatizam. “Seria loucura abrir mão de um recurso desses”, diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética.

(Por Jean-Pierre Langellier, Le Monde, traduzida pelo portal Uol, 23-02-2010)


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