Se continuarmos no mesmo ritmo de desmatamento que tivemos durante a década de 2000, associado ao impacto das mudanças climáticas, a Amazônia chegará ao seu limite por volta de 2050. O cálculo foi feito pelo pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) Gilvan Sampaio, um dos participantes do estudo "Assessment of the Risk of Amazon Dieback", do Banco Mundial.
O estudo procurou avaliar os riscos de parte de a floresta amazônica entrar em colapso devido à conjunção de três fatores: desmatamento, mudanças climáticas e queimadas. Sampaio conversou com o site Amazonia.org.br a respeito do estudo. Confira abaixo, na íntegra.
Amazonia.org.br - O que é o conceito de "Amazon Dieback"?
Gilvan Sampaio - Não tem uma tradução exata para esse termo, mas podemos dizer que é o risco de colapso de parte da floresta. Não de toda a floresta, mas de parte da Amazônia. O nível, o ponto que chega a floresta que, mesmo que você faça reflorestamento ela não retorna. É uma morte de parte da floresta.
Amazonia.org.br - Esse colapso seria causado pela redução de biomassa da floresta?
Sampaio - Exatamente. Em nossos estudos, avaliamos que, principalmente no leste da Amazônia, com a mudança do clima mais a mudança no uso da terra, você não conseguirá mais sustentar ali uma floresta de pé, como é o caso da floresta amazônica. Você teria uma floresta com, digamos, menos biomassa acumulada, que poderia ser semelhante a uma savana. Por isso nós chamamos o processo de savanização.
Amazonia.org.br - E o estudo quantifica esse risco?
Sampaio - O risco é alto. Nós já desmatamos quase 20% da Amazônia, e o ponto limite da floresta é 40%. A partir de 40% de desmatamento, e considerando os efeitos do aquecimento global, você não conseguiria mais recuperar a área que já foi devastada. O que eu quero dizer: agora a gente já desmatou 20%. Se você parar de desmatar, e quiser recuperar esses 20%, possivelmente conseguiremos recuperar. Até 40%. Esse seria o limite, mais do que disso a gente não consegue recuperar parte da floresta amazônica. Esse limite já leva em consideração as mudanças climáticas. E esse é o diferencial do estudo. Porque pela primeira vez nós somamos três efeitos simultâneos: o aquecimento global, as mudanças da terra, e - eu estou chamando de terceiro, mas faz parte de mudanças da terra - o fogo. O efeito do fogo também contribui para a degradação da floresta.
Amazonia.org.br - O estudo apresenta estimativas diferentes para a mudança do clima, com cenários mais otimistas ou pessimistas.
Sampaio - Isso. A diferença entre eles é a concentração de gases na atmosfera, sobretudo de CO2. Porque num cenário de mais emissões, a degradação é maior, e também por conta do maior impacto no clima. Embora esse limite, quando se chega a um nível de degradação muito grande, por exemplo mais de 50% de desmatamento, não há muita diferença entre os cenários. Tanto faz os cenários de alta ou baixa emissão, com esse nível de desmatamento alto, a área degradada e a área remanescente de floresta seria muito semelhante. Se continuarmos o ritmo de desmatamento e de emissões que estávamos na década de 2000, nós atingiremos esse limite por volta do ano de 2050. Quer dizer, nós temos no máximo quarenta anos para reverter esse quadro.
Amazonia.org.br - E nessa estimativa foi considerada as metas de redução de desmatamento do governo?
Sampaio - Ainda não. Esse será o nosso próximo passo.
Amazonia.org.br - O estudo também analisa o impacto em diferentes regiões da Amazônia.
Sampaio - O maior impacto ocorre no leste da Amazônia. É a área mais sensível. O caso do noroeste da Amazônia é totalmente oposto, pois é a área em que se tem o menor impacto. No Nordeste, não da Amazônia, mas o Nordeste brasileiro, também existe impacto associado ao desmatamento da Amazônia, porque o desmatamento faz com que haja diminuição da área de caatinga, dando lugar a uma área bem grande de semideserto.
Amazonia.org.br - Isso acontece por causa de mudanças no regime das chuvas?
Sampaio - No Nordeste ocorre uma diminuição bastante grande de chuvas na região central, com o desaparecimento da caatinga e o aparecimento de semideserto. Isso, de fato, já está acontecendo, a tendência é se acelerar. Outro exemplo: no leste da Amazônia, que é a região de maior impacto, há uma diminuição muito significativa das chuvas, por conta principalmente de desmatamento. O impacto é muito negativo no leste, e é justamente a região que sofre mais pressão. Se você considerar uma projeção para 2025, só no leste da Amazônia seria perdido 75% da área de floresta, em comparação com a área atual. Com os três efeitos combinados. Essa é a região que ha maior mudança do regime das chuvas, alem do aumento da temperatura, que contribui bastante para a mudança de vegetação
Amazonia.org.br - O estudo apresenta propostas para evitar os impactos?
Sampaio - Não, não fizemos recomendações. Na verdade, as recomendações são aquelas que já conhecemos: diminuir as emissões de gases de efeito estufa e controlar o desmatamento.
(Por Bruno Calixto, Amazonia.org.br, 22/02/2010)