Um produtor da região resolveu adotar as sementes de milho transgênico em sua lavoura de mais de 240 hectares. Plantou a área toda, mas não isolou sua lavoura da área do vizinho. Uma regra federal diz que o produtor que usar milho transgênico deve manter sua plantação a pelo menos cem metros de distância de outros plantios de milho. Ou então ele deve fazer uma bordadura de dez fileiras de milho comum e deixar, além disso, 20 metros de distância das outras lavouras.
A área de cerca de 1 hectare de milho convencional de Mário Macuco estava na divisa das suas propriedades, separada apenas por uma faixa de mato de não mais de 1 metro. Esse milho seria ensilado para alimentar as vacas de leite do casal durante o inverno.
A fiscalização do Ministério da Agricultura recebeu denúncia e foi ao local. Após a visita, o produtor propôs comprar o milho de Mário para poder destruí-lo. A medida sairia muito mais barato do que pagar a multa ou destruir uma faixa de 100 metros de sua lavoura ao longo da divisa com a área de Mário. Num gesto de boa vontade com o vizinho, Mário concordou e assinou um contrato de venda de seu milho que ainda crescia. Poucas horas depois que um trator picou e gradeou o milho comum, os fiscais voltaram à área e não viram mais nenhuma irregularidade.
Terminada a vigência do contrato, o casal plantou novamente milho na área, já que precisavam dele para encher os silos. Para a surpresa de todos, quando o milho já estava com um metro de altura, novamente o produtor propôs a Mário a destruição da lavoura. A essa altura, a lavoura transgênica já formava espiga e não havia mais risco de cruzamento. Mesmo assim o produtor pressionou e ofereceu um cheque de R$ 2 mil e uma outra lavoura sua para que fosse feita a silagem.
Novamente ele pôde contar com a boa vontade e resignação do casal. Depois que o milho foi novamente para o chão, os fiscais visitaram a área. Em nenhuma dessas vistorias a família prejudicada foi procurada.
A área de milho oferecida para que Mário fizesse a silagem que necessitam fica a alguns quilômetros de sua propriedade, o que inviabiliza a picagem do milho e seu transporte. A promessa era que o milho fosse deixado em sua propriedade, mas após cortar o segundo plantio, o produtor disse apenas que o milho estava lá à disposição, e que se quisesse ele poderia ir lá buscá-lo.
O produtor escapou da multa e se livrou de destruir parte de sua lavoura. Os fiscais coincidentemente visitaram a área momentos após a situação ter sido resolvida. O casal ficou sem a silagem e ainda não sabe como fará para alimentar seus animais durante o inverno.
Mas para aqueles que acreditam que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, a história ainda não acabou. Enquanto crescia o segundo plantio do milho, no início de janeiro, um avião sobrevoou a lavoura transgênica para aplicar algum produto químico. Suas manobras foram feitas sobre uma lavoura de feijão que Mário e sua família colhiam manualmente naquele momento, atingindo também uma área de pasto e uma lavoura de mandioca, tudo isso sem o piloto fechar o tanque. Vacas, curral, lavouras, floresta (com erva mate e pasto sombreado) e pasto foram banhados por um produto de cheiro forte, mas que não foi identificado. Dona Alberta, esposa de Mário, tentou acionar IAP (Instituto Ambiental do Paraná) e SEAB (Secretária Estadual de Agricultura), mas os técnicos responsáveis estavam de férias. Conseguiu contato com o Sindicato de Trabalhadores Rurais e com a Polícia Militar. O avião parou de voar. Um técnico da cooperativa local que fornecera os insumos correu para o local e disse que as vacas deveriam ficar fechadas uma semana no curral em função do período de carência do veneno usado. O casal recebeu alguns sacos de farelo de trigo para compensar a semana sem pasto.
Apesar do cheiro forte, disseram que o milho transgênico recebia fertilizante foliar. Depois, disseram tratar-se de fungicida. Mas como o produto foi aplicado na fase final do ciclo da lavoura, a questão permanece em aberto. Uma doença nessa fase não causaria prejuízo que pudesse justificar sua pulverização. Muito menos uma aplicação de adubo foliar! A SEAB finalmente foi ao local e abriu procedimento para investigar o caso. Enquanto isso a família segue sem saber a que tipo de contaminação eles e toda a sua propriedade foram submetidos.
Mas, mesmo se as investigações avançarem, o caso deixa mais que evidente como essa convivência impossível cerceia a liberdade das famílias agricultoras e o pleno exercício de seus direitos. O casal tinha um planejamento da propriedade que vinha sendo executado há vários anos, sendo que nos últimos 3 começaram a comprar as vacas, adquiriram um tanque refrigerador de maior capacidade para o leite e vinham organizando a propriedade para esta atividade e todas as demais que integram sua estratégia de desenvolvimento.
Ao falar com a família agora é perceptível a dúvida que paira sobre eles. Com sua área pequena, ao lado de um grande produtor, eles consideram que estarão sempre em risco, pois com o avanço dos transgênicos sempre virão mais venenos e cada vez piores.
E agora? Como se paga o sonho destruído?
(Adital, 19/02/2010)
* Da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos e Agrotóxicos