A Conservação Internacional (CI-Brasil) firmou publicamente seu posicionamento sobre a hidrelétrica de Belo Monte. Segundo a organização, o projeto da hidrelétrica 'desconsidera o fato de o rio Xingu (PA) ser o ‘mais indígena’ dos rios brasileiros'. Para ela, o barramento do Xingu representa a condenação dos seus povos e das culturas milenares que lá sempre residiram.
Além dos impactos ambientais, segundo o documento produzido e divulgado pela ONG, a instalação da usina de Belo Monte levanta polêmicas envolvendo questões energéticas, culturais e de violação dos direitos humanos. A ONG avalia como ultrapassado o modelo de gestão e distribuição de energia que deve ser usado na hidrelétrica.
Na visão da ONG - que trabalha com índios Kayapó há mais de 18 anos - , 'o projeto, aprovado para licitação, embora afirme que as principais obras ficarão fora dos limites das terras Indígenas, desconsidera e/ou subestima os reais impactos ambientais, sociais, econômicos e culturais do empreendimento. Além disso, é esperado que a obra intensifique o desmatamento e incite a ocupação desordenada do território, incentivada pela chegada de migrantes em toda a bacia e que, de alguma forma, trarão impactos sobre as populações indígenas'.
Segundo a ONG, Belo Monte vai operar menos do os 11.223 MW indicados pelos dados oficiais. Análise feita por Francisco Hernandes, engenheiro elétrico e um dos coordenadores do painel dos especialistas, que examina a viabilidade da usina dá conta de que a hidrelétrica deve gerar em média apenas 4.428 MW, devido ao longo período de estiagem do rio Xingu.
'Esse modelo ultrapassado de gestão e distribuição de energia a longas distâncias indica que o governo federal deveria planejar sua matriz energética de forma mais diversificada, melhor distribuindo os impactos e as oportunidades socioeconômicas, a exemplo das pequenas usinas hidrelétricas, energia de biomassa, eólica e solar, ao invés de sempre optar por grandes obras hidrelétricas que afetam profundamente determinados territórios ambientais e culturais, sendo que as populações locais, além de não incluídas nos projetos de desenvolvimento que se seguem, perdem as referências de sobrevivência'.
Também surgiu no painel de especialistas o alerta sobre o caráter irreversível dos impactos sobre a fauna aquática (peixes e quelônios) no trecho de vazão reduzida (TVR) do rio Xingu. Segundo os pesquisadores, a bacia do Xingu apresenta significante riqueza de biodiversidade de peixes, com cerca de quatro vezes o total de espécies encontradas em toda a Europa. No caso dos animais, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) aponta para 174 espécies de peixes, 387 espécies de répteis, 440 espécies de aves e 259 espécies de mamíferos, algumas espécies endêmicas (aquelas que só ocorrem na região), e outras ameaçadas de extinção. Segundo os especialistas, o sistema de eclusa poderia romper esse isolamento, causando a perda irreversível de centenas de espécies.
Outro ponto conflituoso, segundo a CI-Brasil é que o EIA apresenta modelagens do processo de desmatamento passado, não projetando cenários futuros, com e sem barramento, inclusive desconsiderando os fluxos migratórios, que estão previstos nos componentes econômicos do projeto, como sendo da ordem de cerca de cem mil pessoas, entre empregos diretos e indiretos.
IMPACTOS
Segundo o exposto, o trecho de vazão reduzida afetará mais de 100km de rio. Na interpretação feita pela ONG, isso acarretará em drástica redução da oferta de água. 'Os impactos causados na Volta Grande do Xingu, que banha diversas comunidades ribeirinhas e Duas Terras Indígenas - Juruna do Paquiçamba e Arara da Volta Grande, ambas no Pará -, serão diretamente afetadas pela obra, além de grupos Juruna, Arara, Xypaia, Kuruaya e Kayapó, que tradicionalmente habitam as margens desse trecho de rio. Duas Terras Indígenas, Parakanã e Arara, não foram sequer demarcadas pela Funai'. A CI- Brasil destaca que a presença de índios isolados na região, povos ainda não contatados, foram timidamente mencionados no parecer técnico da Funai, como um apêndice.
Sob a ótica da ONG, o EIA desconsidera ou subestima os riscos de insegurança alimentar (escassez de pescado), insegurança hídrica (diminuição da qualidade da água com prováveis problemas para o deslocamento de barcos e canoas), saúde pública (aumento na incidência de diversas epidemias, como malária, leishmaniose e outras) e a intensificação do desmatamento, com a chegada de novos migrantes, que afetarão toda a bacia.
(O Liberal, Amazônia.org.br, 19/02/2010)