Os humanos desejam e estão incessantemente realizando mudanças em suas vidas. Esse desejo e agir, quase incontrolável, é oriundo de uma constante insatisfação psíquica frente à dinâmica das realidades cotidianas, ou seja, uma carência permanente de “completude psíquica”. Todos buscam uma revolução e um sentido para suas vidas.
Por isso, constantemente, os humanos pensam e trabalham para mudar a si mesmos, almejando que os outros, reais ou imaginários, também ajudem nessa mudança. Em suas crenças antropocêntricas e na política buscam a ilusão da mudança para uma utópica melhor condição de vida (desenvolvimento e progresso) e a eternidade de suas existências.
Já disse o poeta; - eu quero ser uma metamorfose ambulante; eu preciso ser uma metamorfose ambulante.
Pela ação desse contexto psíquico os homens são induzidos para a ganância crematística (acumulação constante de bens materiais por prazer) e, por ela, a humanidade altera definitivamente o meio ambiente, rompendo a homeostasia planetária. Trata-se da busca ilusória do tão desejado desenvolvimento pessoal e do progresso.
O slogan metafórico do Fórum Social Mundial é a prova inconteste desse constante desejo humano: “um mundo melhor é possível”. Essa metáfora demonstra que o pensamento geral da humanidade é pessimista em relação às suas vidas e seu futuro.
“O mundo atual não é bom; precisa ser melhorado”.
Todavia, a realidade é outra. O que é não é bom é o agir humano atual em relação à ecologia e sua própria espécie, pois inegavelmente o planeta e sua dinâmica natural estão próximos da perfeição[2]. Frente a essa realidade, é necessário procurar respostas para as seguintes questões:
- Por que os humanos têm necessidade psíquica ansiosa de alterar suas realidades e o meio ambiente?
- Por que a humanidade, amplamente informada sobre a destruição que está causando no planeta, não altera imediatamente suas condutas e comportamentos?
Para começar a busca dessas respostas não deve ser esquecido que nenhum outro ser vivo no planeta é insatisfeito com a sua condição e realidade de vida. Nenhum deles deseja um mundo melhor ou pior. O mundo é aquele que se apresenta para a jornada da vida e nada mais.
Em 1993, Nelson Rodrigues escreveu:
"O ser humano é o único que se falsifica. Um tigre há de ser tigre eternamente. Um leão há de preservar, até morrer, o seu nobilíssimo rugido. E assim o sapo nasce sapo e como tal envelhece e fenece. Nunca vi um marreco que virasse outra coisa. Mas o ser humano pode, sim, desumanizar-se. Ele se falsifica e, ao mesmo tempo, falsifica o mundo".
Os demais seres vivos, ao longo de suas existências, também produzem alterações no meio ambiente, mas suas atividades de sobrevivência não causam danos irreversíveis para a estrutura e a dinâmica do planeta, tal como acontece com os humanos. O planeta Terra nunca foi habitado por predadores tão destruidores como os humanos. A capacidade de produzir destruição dos humanos é inigualável. Basta pensar no insano arsenal militar nuclear atualmente existente no planeta.
Os humanos deliberadamente colocam em risco toda a vida no planeta com suas minerações e poluições diversas, sua economia e suas crenças[3]; os outros seres vivos não. Para realizar e atender a metáfora psíquica de mudar o mundo, na busca de uma ilusória completude para suas vidas, os humanos violam e destroem os elementos estruturais da natureza causando danos irreversíveis ao planeta, comprometendo a vida das futuras gerações de seres vivos e humanos.
A bem da verdade, o teatro da realidade social dos humanos high-tec se desenrola, cotidianamente, entre a miséria extrema e a opulência delirante; entre a ignorância e a inteligência; entre o ódio e as paixões para com a vida e os delírios transgressionais (auto) agressivos.
O amor entre humanos e para com determinados animais e plantas existe. Todavia é insuficiente para gerar a tão deseja completude psíquica humana. O estado psíquico de completude, ilusoriamente, seria a condição ideal de vida dos humanos - paz e amor - e um perfeito relacionamento com a natureza e o planeta.
Goethe disse:
"Nada mais terrível do que uma ignorância ativa".
Sem a mínima dúvida, o elemento que necessita ser mudado rapidamente é o agir ignorante coletivo e ativo da sociedade humana sobre o planeta. Essa mudança necessária é possível, especialmente por objetivar corrigir os flagrantes enormes erros ecológicos já cometidos pela humanidade. Continuar alterando o mundo com a visão antropocêntrica do Fórum Mundial Social , psiquicamente idêntica àquela do Fórum de Davos, será dar continuidade ao processo de destruição do planeta.
No mesmo contexto, o fracasso da Conferência de Copenhague (COP 15) demonstra que a humanidade dificilmente será capaz de mudar seus comportamentos destrutivos para com o planeta se não houver uma profunda mudança na psique humana. A consciência ecológica coletiva até hoje construída pelos processos de educação ambiental formal e informal não é suficiente para resolver os desafios ambientais do século XXI.
Para tentar alterar esse padrão atual de conduta autodestrutiva da humanidade em relação à natureza é preciso entender quais sãos as reais causas do agir humano, ou seja, quais são os processos psíquicos que impelem os humanos para uma conduta desarmônica com o planeta.
- O Agir humano para a desarmonia com o meio ambiente.
O agir cotidiano dos humanos tem sua gênese fundada em processos neurofisiológicos e psíquicos. Os processos neurofisiológicos humanos por si só geram poucos comportamentos diferenciais quando comparados com os primatas superiores, visto que são fenômenos físicos, químicos e neurobiológicos interativos que estão sujeitos e limitados por leis naturais.
A porção animal dos seres humanos é muito semelhante a dos primatas.
Todavia, a psique humana é profundamente diferente dos outros seres vivos. Ela tem sua dinâmica estruturada na interação entre milhares de desejos e formulações metafóricas formando os pensamentos e as ações humanas deles resultantes.
Em sendo inata à espécie, a dinâmica psíquica de caráter metafórico dos seres humanos é imutável. Pode ser comparada com os ciclos biogeoquímicos do planeta, ou mesmo, com o Ciclo de Krebs nos processos metabólicos. Ela nos diferencia integralmente dos outros animais, pois esses não constroem metáforas psíquicas, os humanos sim. A busca constante da “completude psíquica e física” é típica dos humanos.
Nos processos psicodinâmicos os humanos têm alguma capacidade de realizar pequenas intervenções conscientes de caráter temporário (variabilidade adaptativa), as quais, nem sempre, serão benéficas para a pessoa, para o meio ambiente e para a sociedade.
Todavia, os humanos não conseguem realizar mudanças no comportamento psicológico metafórico, seja em sua essência, seja em sua dinâmica. Tal como as leis da natureza, o pensar e o agir como resultado de múltiplos desejos e processos metafóricos é imutável. A humanidade continuará pensando através de metáforas “ad aeternum”.
As inclusões de reguladores educacionais e legais, éticos e morais no superego não alteram a estrutura e a dinâmica de funcionamento da psique humana; somente reduzem a força de ação predatória e de destruição. Confrontados com ameaças urgentes, os humanos retornam parcialmente a sua condição animal. Em sua expressão violenta usam a força de seus pensamentos metafóricos para potencializar sua condição de animais em combate. As estratégias militares e as guerras são também metáforas desenvolvidas pela psique humana.
Nesse contexto extremamente amplo, algumas metáforas estruturais do pensamento humano e seus resultados são importantes para começar a entender o agir dos humanos em relação ao meio ambiente.
A primeira metáfora importante é aquela que determina o comportamento dos humanos em relação ao meio ambiente como local de descarte, ou seja, tudo aquilo que não é mais desejado ou considerado como elemento útil para a existência e sobrevivência é sempre lançado no meio ambiente. A “metáfora de descarte”.
Os processos psíquicos metafóricos determinantes da noção de interior e exterior do corpo humano e do eu geram o comportamento continuado de descarte daquilo que não mais nos serve. A parte externa ao corpo e ao “eu” tem pouca valia e, por isso, para ela são enviados os descartes de todos os tipos. O “eu e o corpo” é um “todo limitado identificado e reconhecível pelo narcisismo” e o meio ambiente é um “quase nada ilimitado em desvalia”. Só tem valor no meio ambiente aquilo que pode servir para o “eu e o corpo”.
A vida dos outros seres vivos não vale quase nada se não servir ou ameaçar o “eu e o corpo”. Eliminar a vida de uma formiga ou de um inseto é um ato sem culpa ou consequência para os humanos; cortar uma árvore também. Somente a vida dos humanos tem valia.
Esse comportamento inconsciente e de resultados semiconscientes (parcialmente conhecidos) dos humanos é muito fácil de ser comprovado.
Por exemplo, os humanos jogam nas ruas, avenidas e estradas o lixo gerado em seus deslocamentos. Através das aberturas das casas, os tapetes e panos são sacudidos, as baganas de cigarros são jogadas fora, os escarros são lançados, os cadáveres dos insetos que invadiram as habitações humanas são despejados, etc.
Tudo aquilo que não tem mais serventia ou valia é “jogado para fora” do “território do eu corpóreo”, bem como de sua extensão protetora, a habitação humana.
Esse comportamento representa um duplo engodo de identificação das realidades vivenciadas cotidianamente pelos humanos.
O primeiro engodo corresponde ao fato de que nem tudo que se descarta no meio ambiente é algo negativo, ruim. Por exemplo, os seres vivos descartam no meio ambiente seus gametas reprodutivos e seus excrementos sem que isso represente um problema para a natureza, ao contrário, esses elementos são integrantes da dinâmica ambiental do planeta. Todavia, no caso humano, a situação se transforma em função da dinâmica populacional.
O segundo engodo consiste no fato de que a forma, a concentração, os volumes e a frequência dos descartes humanos se transforma em um problema de poluição de dimensões planetárias. Para a poluição de descartes a humanidade não consegue estabelecer uma racionalidade para uma solução planetária integral e integrada.
A humanidade está inconscientemente auto-interditada para avançar na superação da “metáfora de descarte”, visto que essa metáfora gera em todos os humanos um comportamento aversivo composto aos elementos descartados. A aversão aos descartes sugere temor e afastamento com nojo. Impede também que os humanos assumam, pelo menos, um agir com mínima racionalidade na busca de soluções técnicas completas e definitivas para esse problema, mesmo considerando-se o contexto de uma postura apreendida e perspectivas futuras, econômicas e sociais negativas.
“Jogar a sujeira para baixo do tapete” é o máximo que a humanidade consegue ter como atitude frente à realidade ambiental. Quem se aproxima dos descartes humanos, mais cedo ou mais tarde, aos olhos dos outros passa a fazer parte integrante deles. Quem hoje combate o descarte irresponsável do lixo do consumo humano acaba sendo marginalizado.
Em cooperação ao agravamento do problema, na atualidade mundial pós-revolução industrial, existe a “metáfora de máquina”. Por ela os humanos operam com rituais de máquinas para produzir máquinas que irão gerar máquinas que irão satisfazer a ilusão de busca da felicidade e vida eterna para a humanidade, ou seja, a completude ilusória.
O Prof. Dr. Francisco Martins, médico psicopatologista de renome internacional ensina: “Essas sociedades pós-industriais são amplamente fixadas na metáfora da máquina e a usam como critério de sucesso”.
Os humanos modernos para viverem e obter sucesso precisam estar rodeados de máquinas, tais como automóveis, eletrodomésticos de todos tipos, aviões, equipamentos de ginástica, ferramentas e meios físicos de produção e, sobretudo, adotarem um comportamento de máquinas de produção, de reprodução de produtos em série, de máquinas de esportes ou esportistas agindo como máquinas, em um processo de constante renovação da máquina psíquica em direção à busca maquinal do sucesso financeiro.
Com origem na “metáfora de máquina” nasce a “fé tecnológica” [4]. Por ter uma fé na tecnologia, quase semelhante a uma “fé religiosa”, os humanos voam em aviões. Estão convencidos que essas máquinas geram completude para a vida. Pela mesma fé, andam de automóvel cotidianamente, acreditando que não serão brindados com acidentes graves. Morrem aos milhões todos os anos, mesmo sabendo que essas máquinas e seus meios de produção são as grandes responsáveis pelo aquecimento global.
Essas duas metáforas – de descarte e de máquina – no ambiente psíquico dos processos míticos modernos com fulcro na geração e ampliação continuada dos comportamentos egocêntricos, hedonistas extremados, cotidianamente tem estimulado a prática das compensações emocionais por via do consumismo. Esse também é uma metáfora humana e um ciclo vicioso: consumimos nos consumindo psíquica e fisicamente. A epidemia de obesidade mórbida mundial é um exemplo a ser observado tanto por seu caráter de problema de saúde pública como de perdas econômicas, mas também, por seus aspectos psicossociais e ambientais.
Consumindo em excesso a humanidade descarta também em excesso e, assim, descarta a noção psíquica fundamental do que é ser um organismo vivo no contexto ecológico planetário. Os humanos ditos modernos não querem ser considerados como animais. Passaram para uma nova condição psíquica, ou seja, desejam e estão psiquicamente se transformando em falsas máquinas pensantes – falsos andróides - andróginos.
Os ídolos míticos do cinema moderno, super-homem e homem aranha, homens com super poderes - andróides, capazes de voar e desafiar homens e máquinas poderosas, exterminando o futuro, habitam o inconsciente coletivo das sociedades humanas. O chamado desenvolvimento como significante de humanos masculinos ou femininos cada vez mais próximos das máquinas e mais distantes da natureza é uma realidade.
Coopera para esse quadro o imaginário da potencia sexual continuada associada à forma e ao número de máquinas. Muitos HPs de potência da máquina como indicativo imaginário da potencia sexual masculina e também feminina, bem como as máquinas de prazer sexual dos “sex shops”.
Como os humanos não são máquinas e sim organismos biológicos, em realidade existe associada uma ruptura infelicitante dos ideais de vida aumentando o sentimento de incompletude – vazio existencial. Na medida que a metáfora de máquina é incrementada nas pessoas pela propaganda estimuladora dos desejos de sucesso é criada a falsa expectativa psíquica de que o vazio existencial através do consumo será resolvido. Todavia, sobrevém o incremento do descarte ambiental e o ciclo de destruição ambiental se amplia. Igualmente, os humanos se tornam ciclotímicos, ou seja, passam a apresentar um padrão de personalidade caracterizado por períodos de excitação, euforia ou hiperatividade, alternados com depressão tristeza e inatividade. A pandemia atual de depressão é a prova. Os antidepressivos estão entre os medicamentos mais vendidos no planeta.
Por sua vez, o “mito da salvação” (metafórico), tão bem descrito por Luc Ferry[5], agindo no inconsciente humano como uma das fontes principais da gênese dos sofrimentos humanos, associado às metáforas de descarte e de máquina, forma um conjunto dinâmico de geração incremental da incompletude humana e seu resultado ecológico é a ampliação da destruição ambiental.
Para ter vida com salvação e eternidade é preciso ter muitas máquinas, de preferência muitas delas ou mesmo a maior delas, ou seja, uma nave espacial que miticamente libertará os humanos de sua limitação como seres biológicos terrestres, se possível, para vagar pelo universo infinito em uma “Jornada nas Estrelas – Star Track” reedição metafórica moderna da Arca de Noé. A humanidade irá procurar outro planeta para viver e descartará o planeta Terra.
As pseudomáquinas humanas high-tec, representadas pelos autoproclamados agentes do desenvolvimento econômico social, nada mais são que projetos de humanóides, pois abandonaram parcialmente a noção de realidade da vida como seres biológicos. Estão imersos no mundo virtual, em uma dicotomia psíquica no qual o meio externo é o local de descarte físico dos elementos e excrementos não desejados e o meio virtual é o local de duplicidade psíquica, ou seja, onde se promove o egocentrismo hedonista exacerbado e, ao mesmo tempo, o descartar do lixo psíquico existencial humano. Na internet a imensa maioria das ações está relacionada com o sexo; sexo virtual – sexo humanóide.
Considerações finais.
As metáforas humanas e seus resultados sobre o meio ambiente formam um tema de grandes dimensões que necessita ser amplamente analisado por todos aqueles que conseguirem suplantar intelectualmente os efeitos negativos dessas metáforas. Inegavelmente é impossível esgotar esse tema em algumas páginas. Sua dimensão final está além das capacidades individuais de pensamento e racionalização científica. É um tema para muitas reflexões.
Todavia, sua importância para o futuro do planeta é inegável. A humanidade atingiu um momento paradoxal de sua existência; ou resolve os problemas ambientais e para de destruir o planeta ou continua a agir de forma metaforicamente predatória e condena à morte toda a vida no planeta.
- Será que o tão discutido “sentido da vida humana” é destruir totalmente a vida no planeta Terra?
Agradecimentos.
Esse texto é uma homenagem do autor a seus quatro grandes amigos que trabalham com psicologia e psicanálise. Foi a genialidade deles que inspirou a coragem de construir um texto nesse sentido.
Noblesse oblige: les dames devant:
I. Profa. Dra. Maria do Rosário Dias Varella (Rô); Brasília.
II. Prof. Dr. Francisco Moacir de Melo Catunda Martins (Xico); Brasília.
III. Prof. Dr. Jorge Trindade; Porto Alegre.
IV. Dr. Paulo Alberto Rebelato (Rebe). Porto Alegre.
(Por Millos A. Stringuini, EcoAgência, 19/02/2010)
Millos Augusto Stringhini é Biólogo, Doutor em Ciências do Meio Ambiente - Perito e Consultor Internacional. Membro Fundador de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica. Autodidata em Psicanálise.