Na medida em que alguém se distancia de Sanaa, a paisagem urbana se vê invadida por grandes depósitos metálicos que ocupam não apenas os telhados, mas também muitos quintais. “São para a água porque a distribuição não chega até aqui”, explica Mohamed Ahmed, um vizinho de Wadi Dhahr, ao noroeste da capital do Iêmen.
Não chega até ali, tampouco até a metade dos habitantes da cidade. Inclusive nos bairros onde há água corrente a distribuição é realizada em dias alternados. A descontrolada exploração de aqüíferos ameaça deixar seca Sanaa até 2025. No resto do país, a situação não é melhor.
O país do reino de Sabá não é o único sedento em um planeta onde, segundo a ONU, 1,1 bilhão de pessoas ainda não tem acesso a água potável. Entretanto, sua elevada taxa de natalidade (a população tem triplicado desde 1975), a rápida urbanização, o cultivo do qat (uma erva estimulante e ligeiramente narcótica consumida por dois terços dos iemenitas que requer muita água), a perfuração arbitrária de poços e a falta de conscientização dos seus habitantes estão fazendo estragos, segundo as conclusões de um recente seminário organizado pelo Sheba Center for Strategic Studies.
As reservas de água são consumidas a um ritmo superior ao que se repõe. Segundo as últimas estatísticas oficiais, o Iêmen gasta 3,5 milhões de metros cúbicos ao ano, enquanto capta apenas 2,5 milhões. Com os aqüíferos que rodeam as grandes cidades destinados a agricultura (93% do total, o qat consome 1/3), as autoridades dificilmente podem atender a novos projetos residenciais e industriais. Os poços são cada vez mais fundos e o custo de extração maior tanto economicamente como em prejuízo ao meio ambiente.
Em Sanaa, situada sobre um planalto a 2.200 metros de altura, encontrava-se água a 20 metros de profundidade. Agora, é necessário perfurar até 200 metros e, o que é mais grave, está-se perfurando sem controle. O ritmo de esgotamento dos aqüíferos é tal que os especialistas do Ministério da Água e Meio Ambiente temem que a cidade fique sem água antes de 15 anos.
“Sanaa não pode sustentar o seu atual crescimento”, advertiu o professor de geologia Mohamed al Dubaei, que sugere reduzir pela metade seus dois milhões de habitantes. Outros analistas são menos drásticos e propõe uma melhor gestão dos recursos. Apenas em vazamentos se estima que se perca 60% da água transportada.
Têm-se ainda os poços ilegais. “Figuras influentes estão perfurando poços em Sanaa e o Ministério da Água é incapaz de evitar”, denunciou o ex ministro do ramo Naser al Awlaqi, dando a entender que falta vontade política.
“Dependendo do tamanho e da época do ano, encher o depósito de água nos custa entre 1.500 e 2.500 riales [entre 5,2 e 8,7 euros]”, explica Ahmed, cuja família consome dois depósitos ao mês. Mas há quem tenha água corrente em casa e também precise comprar reservas diante da irregularidade da distribuição (em Taiz, a terceira cidade do país, a distribuição acontece a cada 45 dias). Esse gasto, aparentemente modesto representa entre 10% e 50% de muitos iemenitas. E com 42% da população abaixo da linha da pobreza, grande parte deles depende da caridade das mesquitas para cobrir suas necessidades.
Em um país cheio de problemas políticos e econômicos, a escassez da água não tem recebido a atenção devida dos governantes. Mas, comparado a outros conflitos, este não apenas afeta ao conjunto da população, mas está na raiz de muitos enfrentamentos tribais. Pesquisadores da Universidade de Sanaa atribuem a água entre 70% e 80% das disputas que acontecem no meio rural.
A imprensa local repercutiu recentemente um conflito entre clãs das províncias de Hajjah e Amran por um poço situado entre ambas. Em outro caso, as autoridades de Dhamar se viram obrigadas a estabelecer controles nas estradas diante das denuncias de seus habitantes sobre caminhões que lhe roubavam água para regar as plantações nas províncias vizinhas.
O próprio ministro da Água e Meio Ambiente do país, Abdulrahman al Eryani, atribuí o aumento da violência pela luta em conseguir o recurso. “Manifesta-se de muitas formas: conflitos tribais, sectários, políticos. Na realidade tudo tem a ver com a distribuição dos recursos do país, seja o petróleo, a água ou a terra”, disse em uma entrevista publicada no diário estadunidense The Christian Science Monitor.
(Por Ángeles Espinosa, El País, tradução Cepat, IHU On-line, 18/02/2010)