Em novembro do ano passado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) anunciou que o presidente Lula assinou "30 decretos de regularização de territórios quilombolas em 14 estados brasileiros". Passados quase três meses do anúncio, essas comunidades ainda não possuem nenhuma perspectivas de terem suas terras regularizadas.
"Teve um grande anúncio por parte do governo, mas o ato que eles realizaram, no mês de novembro, foi a assinatura dos decretos de desapropriação de algumas áreas quilombolas. O que é uma etapa no processo para titular em nome dos quilombolas, mas ainda estão longe da titulação", afirma a Coordenadora Executiva da Comissão Pró Índio, Lúcia Mendonça Morato.
Ela afirma que a etapa é um procedimento importante, mas o fato mais preocupante foi a forma como foi feito o anúncio pelo governo, que fez parecer que já era a entrega dos títulos para as comunidades. "Na verdade, no ano passado o governo entregou só dois título de terras quilombolas", explica Lúcia. Segundo ela, "desde 2003 o governo federal titulou somente oito territórios quilombolas, que é um número bastante acanhado. Nesse mesmo período, o governo do Estado do Pará titulou 26 terras".
Essa diferença de número tem como um dos fatores a legislação do Estado, que é mais ágil para atender as demandas dessa população. "No âmbito federal, o governo fez um decreto em 2003 para, regulamentar os procedimentos, e era um decreto interessante. Mas depois foi fazendo portarias e colocando novas regras, tornando cada vez mais complicado titular terras", explica.
Mas a burocracia, que faz com que uma terra demore no mínimo cinco anos para ser reconhecida, não é o único problema: "Logo que [o presidente Lula] assumiu, se criou uma grande expectativa. Mas depois começou a haver certa resistência, inclusive na imprensa. No ano de 2007, a gente contou 68 matérias contrárias aos quilombolas, quatro delas no Jornal Nacional. A gente viu que quando teve essa reação, o governo recuou, começou a tornar o processo mais complicado".
Atualmente existem mais de 900 processos de titulação de terras de quilombos no Incra. Em 76% deles, nada foi feito. Em apenas 11% dos casos o processo foi iniciado, com o trabalho de identificar o território e fazer o estudo de identificação. O maior problema é a falta de equipe para realizar os trabalhos, e desde 2004 o Incra não utiliza todo o orçamento disponível para encaminhar os processos.
Durante o anúncio no ano passado, o presidente do Incra Rolf Hackbart chegou a declarar que "quando o Estado reconhece o direito à propriedade das comunidades quilombolas, repara uma dívida social histórica, dando aos quilombolas cidadania e o direito de permanência das comunidades negras em seu território historicamente ocupado". Com a ausência do reconhecimento dessas comunidades e da negação de seus territórios, essa dívida parece se que se estenderá por mais um tempo.
(Por Aldrey Riechel, Amazonia.org.br, 11/02/2010)