Agentes públicos do governo Lula já foram acionados na Justiça mais de 830 vezes, apenas nos últimos três anos, por conta de obras ou atos de gestão, e boa parte dessas ações foi proposta por integrantes do Ministério Público. Foi esse levantamento que levou o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams, a advertir os procuradores do Pará que ameaçaram ingressar com ações contra os técnicos do governo que cuidam do processo de licenciamento ambiental da usina de Belo Monte.
O episódio levou a um impasse entre a AGU e o Ministério Público Federal, pois o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, respondeu imediatamente às críticas de Adams, fazendo a defesa da base do MPF.
O impasse começou a ser superado, anteontem, em reunião entre Adams e Gurgel. O encontro contou ainda com o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e procuradores do Pará. Os procuradores disseram que não pretendiam ingressar com novas ações antes de conhecer os termos da licença prévia ambiental concedida pelo Ibama para a hidrelétrica. Eles alegaram a Adams que não foram bem compreendidos pelos jornais que divulgaram que eles entrariam com ações contra Belo Monte.
Minc defendeu o processo técnico de licenciamento ambiental. Ele disse que é favorável à hidrelétrica desde que se cumpram, passo a passo, as exigências ambientais na região, onde vivem índios, animais e comunidades extrativistas.
Gurgel defendeu o papel do Ministério Público de acompanhar esse processo e de ingressar com ações, caso verifique ilegalidades. Por outro lado, ele garantiu que abusos de procuradores serão levados ao Conselho Nacional do MP para julgamento. O procurador-geral também informou a Adams que reconhece o papel da Advocacia-Geral da União de defender os agentes públicos, em especial do Ibama.
Por fim, Adams disse que o conflito com o MP ocorreu porque o movimento dos procuradores focou os agentes públicos. Isso seria, segundo ele, uma forma de intimidação. "Esses agentes ficam com medo de tomar novas decisões", justificou.
O advogado-geral também criticou integrantes do MPF que esvaziaram uma audiência pública sobre Belo Monte, em Belém, ao pedir a todos os presentes que fossem embora simplesmente por serem contrários à hidrelétrica. "Isso não é função da instituição Ministério Público. É um ato de agente político e não de agente de Estado", diferenciou.
Para Adams, o encontro com Gurgel deu à construção de Belo Monte um foro qualificado. "Agora, não é mais uma questão local, de Altamira, ou do Pará. É um tema nacional, que vai ser discutido por chefes de instituições públicas." O advogado-geral acredita que o processo de construção da usina ganhou novo impulso por conta desse episódio e, com isso, haverá menos interrupções. "Houve um momento de conflito ao tornarmos públicas nossas críticas, mas, agora, evoluímos para uma compreensão."
Apesar do acerto de intenções, a AGU deverá entrar com representação contra procuradores que questionaram os procedimentos para a construção das usinas de Jirau, no rio Madeira, e Belo Monte.
As mais de 830 ações contra os agentes públicos envolvem desde técnicos subalternos do Ibama, como Adriano Rafael Arrepia de Queiroz, o coordenador de licenciamento que atua em Belo Monte, até ministros, autoridades do primeiro escalão do governo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. São 724 ações contra servidores da administração direta, como ministérios do governo, e mais de cem processos envolvendo técnicos da administração indireta, como autarquias.
Há ações de improbidade contra servidores que inscreveram empresas no Cadastro Nacional de Inadimplentes (Cadin), que deram registro de patente ou que liberaram importações. Há professores federais acionados por abandonar alunos durante doutorado e engenheiros do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes acusados de homicídio por causa de acidentes em rodovias federais. Na área ambiental, técnicos do Ibama que liberam obras são constantemente acusados de crimes.
Queiroz sofreu ação de improbidade pelo fato de liberar as audiências públicas para a construção da hidrelétrica. Para a AGU, a ação funciona como uma ameaça, pois, se aceita, o coordenador do Ibama pode perder nomeações, pagar multas e, em último caso, ser exonerado e perder os direitos políticos (não votar nem ser votado).
Lula responde a diversas ações populares por atos de governo. O presidente é réu em Chapecó, no interior de Santa Catarina, por ter assinado medida provisória vedando o ressarcimento do DPVAT (seguro obrigatório de veículos) para quem tem assistência do Sistema Único de Saúde (SUS). Em outra ação, em Blumenau, Lula é réu por ter criado o Parque Nacional do Itajaí, em 2004. Num terceiro processo, o presidente responde, junto com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, pela liberação de R$ 750 milhões de créditos no orçamento com o objetivo de fazer superávit no balanço patrimonial da União. Lula sofreu uma ação de improbidade por causa de arrecadações do Fundo Penitenciário, mas essa foi julgada improcedente pela Justiça.
(Por Juliano Basile, Jornal Valor, IHU Unisinos, 10/02/2010)