No último dia 1º, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciou a liberação da Licença Prévia (LP) para a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). O projeto recebe críticas de pesquisadores, ambientalistas, moradores e indígenas há mais de 20 anos. Eles alertam para os danos ambientais, sociais e prejuízos econômicos que surgirão com a construção do projeto.
Uma das pessoas que têm chamado a atenção para esses impactos é Antonia Pereira Martins, que vive em Altamira (PA), desde o nascimento, em 1979. A cidade será afetada pelo empreendimento. Antonia participa do Movimento Xingu Vivo para Sempre, uma rede de movimentos, ativistas e organizações que tentam impedir a construção do megaprojeto.
Segunda ela, ao contrário do discurso de que a obra trará crescimento, a usina não beneficiará os moradores da região, cuja função - segundo ela - será a de apenas carregar cimento da obra, já que o governo não investe em educação.
Antonia afirma que as informações de que "nenhum indígena será deslocado", que foi dada pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, não é verdadeira, dizendo também que os impactos do projeto chegarão a todos os povos da região do Xingu.
Em um bate-papo com o site Amazônia, Antonia diz que o projeto é arbitrário e que somente o anúncio das obras já tem levado muitas pessoas para a região.
Veja abaixo trechos do bate-papo:
Amazonia.org.br - O que vocês do Movimento pensam a respeito do projeto hidrelétrico da usina de Belo Monte?
Antonia Martins - Todos nós aqui ficamos muito tristes com essa decisão do Ibama de conceder a licença prévia sem respeitar as decisões dos técnicos, que falaram de vários processos que não estavam certos: da vazão reduzida do rio, das comunidades indígenas que não foram ouvidas. Então, primeiro a gente quer protestar contra isso. Ao mesmo tempo, temos que dizer que o presidente Lula, em julho do ano passado, ao dizer que Belo Monte não ia ser "empurrada goela abaixo", está descumprido o que ele prometeu para a gente. Talvez seja porque nossos votos aqui não relevem a candidata dele [Dilma Roussef], que tem pouco voto na Amazônia. Talvez seja por isso. A gente está triste, mas não desanimada. Estamos firmes, nós vamos recorrer no campo jurídico de todas as questões para as quais cabem recursos e também nos instrumentos internacionais de que o Brasil é signatário. Já tem um monte de advogado que está se colocando à nossa disposição pra fazer as petições junto a OEA e a outros organismos.
Amazonia.org.br - Agora que o governo já liberou a licença prévia e a própria Fundação Nacional do Índio (Funai) já havia dado um parecer positivo, você acredita que é possível o governo desistir desse megaprojeto?
Antonia - Na verdade, o governo está sendo autoritário. A gente entende que isso é um megaprojeto sem fundamento. O que todo mundo sabe é que a energia de Belo Monte não será destinada ao povo da Amazônia. Eles [o governo] falam que ela vai acompanhar o sistema que é interligado, mas o que os técnicos dizem é o seguinte: como é que o governo vai fazer uma barragem no Xingu, onde o centro consumidor está a não sei quantos mil quilômetros para chegar ao destino final? Então a gente vê a insanidade do governo, para não dizer outra palavra. E existe um gasto, além do gasto da construção, ainda vamos ter mais um que será feito por causa da linha de transmissão. O problema de Belo Monte não é só um problema do povo da Amazônia e, especialmente de nós do Xingu, mas é um problema do Brasil, porque o governo vai gastar nessa obra dinheiro dos fundos de pensão, dos aposentados que já deram sua vida trabalhando, dos impostos, da comunidade em geral. Então, percebe-se que o governo já tem a decisão de fazer, a gente entende isso, mas eu acho que deveria analisar melhor. Porque temos condições, nós da Amazônia, nós do Xingu, temos condições de contribuir com o desenvolvimento do Brasil, sem necessariamente fazer a barragem de Belo Monte.
Amazonia.org.br - O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, falou durante o anúncio da liberação da licença prévia que, para fazer a barragem, não será necessário que nenhum povo indígena saia do lugar. O que os povos acham disso?
Antonia- Ele é um mentiroso e ele sabe que isso não é verdade. E quantas pessoas, quantos indígenas não vão sair de seus lugares. O povo do Bacajá, por exemplo, vai ficar no seco. Você acha que alguém agüenta viver sem água?
Amazonia.org.br - Então acreditam que esse projeto irá trazer muitos impactos às populações indígenas?
Antonia - Vai impactar os povos indígenas na sua maioria, todos os povos da região do Xingu. Essa de dizer que não afeta é tudo mentira. É mentira. Você pode escrever o que eu estou te falando: o Minc é um mentiroso. Eles [governo e beneficiários do projeto] não querem respeitar a legislação. [O empreendimento] Vai afetar não só os povos indígenas, como também os trabalhadores rurais, os ribeirinhos, as comunidades que moram aqui em Altamira. Não é só um grupinho de gente, vai afetar muita gente. São mais de 40 mil pessoas que terão que se deslocar, mais de 40 mil!
Amazonia.org.br - A senhora também vive na região no Xingu?
Antonia - Moro aqui em Altamira, moro aqui desde quando cheguei aqui no Pará, foi em 1979. Eu amo essa terra, não tem um lugar melhor do que esse aqui não.
Amazonia.org.br - Tem pessoas que dizem que somente o anúncio de que uma usina seria construída já estimulou a ida de muitas pessoas à região em busca de emprego...
Antonia - Mas com certeza! Bastou o Jornal Nacional anunciar.
Amazonia.org.br - E chegaram muitas pessoas à região?
Antonia - Sim. E porque também é uma forma de pressão, quando eles anunciam. Daí eles dizem: "Ah, em tal lugar estão pegando os currículos", sabendo que nós, que o povo de Altamira talvez carregue um saco de cimento e olhe lá! Porque nós não temos engenheiro civil, nós não temos engenheiro elétrico, nós não temos gente especializada porque nunca o governo investiu. Então o que vai sobrar para nós, se sobrar, será carregar cimento.
Amazonia.org.br A senhora participou de alguma audiência pública sobre o projeto da usina?
Antonia - Participei da audiência realizada em Altamira.
Amazonia.org.br - E como foi essa audiência?
Antonia - Foi uma porcaria. Havia cadeiras impedindo a população de participar. Porque primeiro eles deram a fala para todos os políticos na primeira hora da tarde. Depois, quando já era madrugada, é que a população pôde falar. As audiências foram feitas de uma forma muito errada.
(Por Aldrey Riechel, Amazonia.org.br, 08/02/2010)