Chanceler diz nunca ter tratado tema com Lula, mas que não tem preconceito contra ideia caso haja pedido da comunidade internacional
Ministro confirma, porém, que a possibilidade de que seja a Turquia a receber o combustível iraniano agrada mais ao governo brasileiro
O chanceler Celso Amorim afirmou ontem, em Buenos Aires, não ter "preconceito" contra a hipótese de o Brasil ser depositário de urânio enriquecido iraniano desde que esse fosse um pedido feito pela "comunidade internacional".
A possibilidade de que o Brasil participasse de alguma forma do acerto entre o Irã e as potências do P5+1 (China, Rússia, EUA, Reino Unido, França e Alemanha) para que o país persa enviasse seu urânio pouco enriquecido ao exterior e em troca recebesse o combustível com enriquecimento adequado para fins medicinais foi levantada pelo chanceler iraniano e pelo presidente da agência atômica do país, depois que o presidente Mahmoud Ahmadinejad reacendeu nesta semana a esperança de que haja um acordo sobre o assunto.
Amorim disse "nunca sequer ter comentado" essa hipótese com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e disse que, havendo o pedido, seria necessário estudar se há "condições técnicas" para implementá-la.
"Não vejo nisso nenhum problema, mas também não vejo nenhum atrativo. Não teria preconceito contra ela [a ideia], se houver um pedido da comunidade internacional. Até hoje, não veio", afirmou.
Amorim descartou completamente, porém, a possibilidade de o Brasil vir a enriquecer o urânio para o Irã. "Pelo que tenho lido, o Brasil, não tecnologicamente, mas industrialmente, não teria condições de produzir essa quantidade que seria necessária. Se você não tem condições de fazer industrialmente, não adianta discutir hipótese", afirmou.
O chanceler afirmou ver disponibilidade do Irã em negociar a questão, contrariamente à avaliação do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon. "O que tenho sentido das autoridades iranianas com quem falei, o próprio presidente Ahmadinejad e o ministro [das Relações Exteriores, Manouchehr] Mottaki é disposição de trabalhar e trabalhar com base na proposta de acordo que foi feita pela agência [AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica)]."
Amorim evitou usar a palavra "cooperação" para definir a atitude do Brasil em relação à questão nuclear iraniana.
"Eu não diria que é uma colaboração com o Irã. Temos um diálogo com o Irã, como temos com os EUA, com a França, com a Turquia, na busca de uma solução pacífica e diplomática pra essa questão."
O chanceler confirmou a informação divulgada ontem pela Folha de que o Brasil vê a Turquia como um bom destino para o urânio do Irã. "As soluções aventadas, que envolveriam depósito do urânio enquanto não se efetiva a troca, esse país poderia ser a Turquia. Não posso falar em nome deles, mas é uma hipótese correta, viável. A gente tem trocado ideias sobre as formas de chegar a esse acordo, porque há uma proximidade entre aquilo que o Irã está desejoso de fazer e o que foi proposto. É uma questão de afinar um pouco a sintonia."
Venezuela
Amorim comentou também o cenário venezuelano. Disse que não cabe ao Brasil julgar a democracia da Venezuela e que não há "democracia perfeita". Afirmou acreditar que, "em política, você pode ser mais eficaz por meio do exemplo". Disse que é isso que o Brasil "tem feito, de maneira fraternal, sem imposições e interferências".
Para ele, "os povos, quando estão realmente insatisfeitos, encontram sua maneira. Não me parece que seja o caso lá. Não me parece que a maioria do povo esteja insatisfeita".
(Por Silvana Arantes, Folha de S. Paulo, 06/02/2010)