Teerã diz que só enviará urânio a outro país se receber no ato estoque enriquecido
Declaração de chanceler contradiz a do presidente Ahmadinejad, que afirmara na terça não ver problema em esperar até cinco meses
O ministro das Relações Exteriores do Irã, Manouchehr Mottaki, apresentou ontem uma nova exigência nas conversas acerca da proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) pela qual Teerã enviaria seu urânio para ser enriquecido no exterior.
Confirmando declaração dada na terça pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad, Mottaki disse, em entrevista ao jornal alemão "Süddeutsche Zeitung", que o Irã aceita "em linhas gerais" a ideia de repassar ao Ocidente estoques de urânio com baixo nível de enriquecimento (3,5%) e recuperá-los sob a forma de urânio enriquecido a 20%.
A sugestão foi elaborada depois que o Irã pediu autorização à AIEA para repor o combustível do reator de Teerã que produz isótopos médicos. O objetivo é impedir que o país tenha estoque de urânio suficiente para enriquecimento a 90%, necessário para produzir a bomba, que o Irã nega querer.
Mas Mottaki afirmou que o plano só será implementado se o Irã receber estoques do material enriquecido a 20% na mesma hora em que entregar o seu produto pouco enriquecido, e não um ano depois, como estipulado na atual proposta.
"É preciso que se assegure uma sincronicidade temporal, a troca deve ocorrer, portanto, de maneira simultânea", disse Mottaki, que participou ontem da Conferência de Segurança de Munique, espécie de encontro de Davos da geopolítica, neste ano, centrado no programa nuclear iraniano.
A declaração do ministro contraria o que fora dito pelo próprio Ahmadinejad na terça. O presidente afirmara "não ver problema" em esperar "quatro ou cinco meses" até recuperar de volta o urânio exportado.
Na prática, a exigência de Mottaki supõe que o país escolhido para a troca deverá ter um estoque de urânio enriquecido a 20% pronto para ser entregue ao Irã. "Assim que houver um volume de urânio enriquecido a 20% disponível e pronto para ser entregue, estamos dispostos a fazer a troca simultânea", disse Mottaki ao jornal.
Confiança
Data, local e quantidade de material a ser trocado ainda não foram definidos. "Todas as questões sobre a colocação em prática do acordo podem ser tratadas de comum acordo. O importante é que ambos os lados tomem medidas para construir a confiança. Nós temos o sentimento de que isso é o que acontece atualmente", disse Mottaki, no cargo desde 2005.
O chanceler, um dos mais próximos colaboradores de Ahmadinejad, afirmou que as discussões internacionais para romper o impasse sobre o programa nuclear iraniano entraram num momento menos tenso. "Estamos felizes que hoje haja um entendimento comum sobre a troca de urânio. E eu parto do princípio que o outro lado também reconheceu a boa vontade do Irã", disse Mottaki, que respondeu em tom conciliador a todas as perguntas.
O chanceler foi evasivo quando interrogado sobre se o Irã abandonaria as conversas sobre troca de urânio caso o Conselho de Segurança da ONU imponha ao Irã até o fim de março um quarto lote de sanções econômicas para forçar Teerã a congelar as atividades de enriquecimento de urânio.
"Não queremos pintar o Diabo na parede. Quando a situação acontecer, voltaremos a falar. A atual atmosfera nós vemos como positiva", disse.
(Folha de S. Paulo, 06/02/2010)