A liberação da licença ambiental da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, deixou ambientalistas, técnicos e críticos perplexos com a rapidez com que a análise dos estudos de impacto ambiental tramitou no Ibama e apontam falta de transparência no processo.
"O que se pode dizer hoje sobre esta licença, se desde novembro nenhum documento novo se tornou público?" Questiona Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA). "Não sabemos quais pedidos de complementação aos estudos foram feitos nem se foram respondidos, nada. Sem falar na rapidez do processo, que deve ser inédito", diz. O Ibama tornou público o EIA-Rima em maio. "O processo de licenciamento virou um vale-tudo, que não tem regras nem normas. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) se transformou em lei no país", continua.
A usina de Belo Monte tem trajetória mais tumultuada que as usinas de Santo Antonio e Jirau, no Madeira. A resistência indígena ao barramento do Xingu, que consideram sagrado, ganhou fama internacional. A previsão é que será preciso reassentar 19 mil pessoas e que o desvio de um trecho do rio complicará vida e biodiversidade em cem quilômetros de rio. A viabilidade econômica do projeto e o valor da obra são contestadas. O ambientalista Glenn Switkes, da ONG International Rivers, morto em dezembro, dizia que "ninguém conhece o real custo de Belo Monte."
Para os críticos, mesmo com 40 condicionantes Belo Monte é problema. "Para mim, qualquer condicionante que seja peca pela raiz", diz o bispo dom Erwin Kräutler, há 45 anos na região e há 30 como bispo da prelazia do Xingu. "Estou plenamente convicto que esta obra trará consequências imprevisíveis e irrecuperáveis para a região. E não tem como mitigar." Ele cita, por exemplo, danos ao porto de Vitória do Xingu, que abastece Altamira e toda a região da Transamazônica. Foi a dom Erwin que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que ninguém teria que "engolir goela abaixo" a usina. "Mas a partir daí, não teve mais diálogo", reclama o bispo.
Brent Millikan, pesquisador da ONG Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, lembra que, no fim de novembro, vazou um parecer da equipe técnica do Ibama levantando uma série de questões ao projeto. "Era impossível sair agora", questiona. A licença, diz, "cria um clima político de rolo compressor que é muito difícil de reverter." Francisco Hernandez, um dos organizadores de um painel de 40 especialistas independentes que analisou o projeto, lembra a complexidade de Belo Monte: o volume de terra da escavação é da mesma grandeza da que foi feita para construir o Canal do Panamá.
(Por Daniela Chiaretti, Amazonia.org.br / Valor Econômico / Portal do Meio Ambiente, 04/02/2010)