Nos últimos meses o Supremo Tribunal Federal tem dado atenção especial às questões indígenas do País. Suspendeu parcialmente a Terra Indígena (TI) Arrio-Korá, no Mato Grosso e também parte da TI Anaro, em Roraima, retirando a Fazenda Topografia da área de posse dos índios. As decisões causaram repercussões e desagradaram indígenas, ativistas e ambientalistas.
Mércio Gomes, antropólogo e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) avalia que o Supremo consegue estar ao mesmo tempo "além" e "aquém" do que se espera para uma política indigenista no Brasil. "Eles avançaram em relação a uma posição, do tipo americana, de congelar os processos de demarcação de terras ou eles estão muito aquém, trabalhando no sentido do favorecimento do processo de tomada de terras indígenas e consolidação dessa tomada", explica.
No caso da Terra Indígena Anaro, em Roraima, há uma contradição na decisão, já que Gilmar Mendes havia dito que o STF não iria julgar as áreas que já estão homologadas. "Ele considera que está em andamento e resolveu reabrir o negócio de uma terra que está homologada. Aliás, tem duas ou três terras que já estão homologadas e possuem contestação no Supremo. E o Supremo não toma a decisão".
Para Egon Heck, do Conselho Indígena Missionário, o Supremo, "especialmente a partir de sua presidência, tem se revelado ágil nas decisões contra os índios". Ele trabalha com indígenas, principalmente no Mato Grosso do Sul, mas afirma que as decisões impactam a todos os povos. Segundo ele, situações de negação das terras acentuam os problemas das comunidades como suicídios entre as populações jovens.
Gomes acredita que somente se pode esperar que o próprio órgão tome uma medida diferente. "Só quem pode intervir agora é uma nova interpretação pelo Legislativo. Porque quem está avaliando isso é a corte maior da interpretação da constituição. Os guardiões da Constituição Brasileira e a gente o que pode fazer?"
Condicionantes
Mércio afirma as condicionantes que foram utilizadas para a validação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima, vieram "para reformular a política indigenista". O antropólogo cita dois tópicos que são, segundo ele, os mais problemáticos: "a argumentação do relator [ministro Carlos Ayres Britto] de que há uma data de reconhecimento de ocupação tradicional, que é promulgação da constituição" e o ponto que diz que "Terra Indígena já demarcada não pode ser ampliada".
Essas medidas e outras que foram utilizadas neste caso em Roraima podem se tornar ferramentas para impedir a homologação e ampliação de novas Tis. "Toda vez que o Supremo for acionado ele vai dizer isso. E quando estiver nos tribunais regionais, eles também vão alegar isso. Porque está funcionando como uma súmula, um acórdão que tem sentido de uma súmula".
Para Egon essas condicionantes custam um "preço altíssimo" que os povos indígenas estão pagando pelo reconhecimento de Raposa Serra do Sol, "uma vez que se colocaram essas condicionantes, que afetam os demais povos de uma maneira muito direta", diz.
Segundo ele é preciso haver bom senso e não apenas colocar condicionantes contra os índios, mas deveria se condicionar a expansão de multinacionais. "Por que aos índios se privam de suas terras e aos grupos econômicos não se põe nenhuma condição? Ao contrário, só se dá benefícios fiscais, estímulos para aumentarem ainda mais a cana em algumas regiões", questiona. "A gente realmente não entende porque a prevalência tão selvagem dessa lógica de produção em detrimento de direitos humanos de grupo como os povos indígenas e outros", diz.
(Amazonia.org.br, 03/02/2010)