Está em curso uma ofensiva do setor ruralista — que inclui Ministério da Agricultura, bancada do agronegócio e fabricantes de agrotóxicos — sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O objetivo do lobby é suspender a fiscalização e obrigar a Anvisa a liberar a comercialização de agrotóxicos no país, muitos já proibidos e banidos na China, na União Europeia e no Paraguai, por exemplo. A agência é responsável pelo controle desses produtos e por identificar seus malefícios à saúde.
A pressão sobre a Anvisa aumentou no segundo semestre de 2009. Diretores do ministério, dirigentes de empresas, sindicatos de fábricas desses defensivos agrícolas e parlamentares iniciaram uma campanha para rever proibições da Anvisa e suspender consultas públicas feitas pela agência, com parecer pelo banimento desses ingredientes.
As empresas estão recorrendo à Justiça, que tem dado ganho de causa à Anvisa.
Stephanes participa de pressão sobre Anvisa O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, participa diretamente dessa ação contra a Anvisa e comandou, no início de dezembro, uma reunião em sua sala para tratar do assunto. Estavam presentes todos os segmentos interessados na liberação dos agrotóxicos, e representantes do Ministério do Meio Ambiente e da Anvisa. A temperatura subiu, e o clima fechou entre Stephanes e representantes da Anvisa. O ministro não esconde o descontentamento.
— A Anvisa não pode decidir sozinha sobre agrotóxicos. Não é uma decisão exclusiva da agência. Sei que a agricultura orgânica é melhor do que a que utiliza agrotóxico. Mas não tenho dúvida que, sem esses produtos (agrotóxicos), não vamos produzir mais e alimentar mais gente. Claro que, se algum deles faz, de fato e comprovadamente, mal à saúde, defendo que seja retirado do mercado — disse Stephanes.
Essa frente de defesa do agronegócio contra a Anvisa chegou ao extremo no dia 23 de dezembro do ano passado, quando dois parlamentares da bancada ruralista — Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Paulo Piau (PMDB-MG) — enviaram um ofício ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Nesse ofício, argumentaram que, na reunião no Ministério da Agricultura, ficou decidido que a Anvisa cedera e teria se comprometido a fazer mudanças na reavaliação toxicológica de ingredientes ativos, utilizados em mais de 200 agrotóxicos no Brasil.
Esses parlamentares chegaram a enviar em anexo a minuta de uma instrução normativa, a ser baixada por Temporão, suspendendo consultas públicas de quatro produtos e revogação de decisões sobre vários agrotóxicos. Os parlamentares chegaram a fazer, no documento, duros ataques à direção da Anvisa, acusada por eles de defender interesses obscuros.
“É um tiro de morte na autonomia da Anvisa” “Sr. ministro, estamos falando de produtos essenciais para a agricultura brasileira, setor responsável pelo superávit da balança comercial e grande gerador de riquezas e empregos neste país. São claros e evidentes os interesses obscuros dos gestores dessa agência (Anvisa) ao se intitularem os únicos e exclusivos responsáveis por tão importante decisão”.
O ex-ministro da Saúde Agenor Álvares, diretor da Anvisa desde maio de 2007 e responsável pela área de agrotóxicos, reagiu com indignação à pressão dos setores ruralistas. Afirmou que, na reunião no Ministério da Agricultura, da qual participou, jamais a agência cedeu e sinalizou com a revisão de consultas públicas ou proibições.
Agenor disse que não foi feito acordo algum e que não haverá qualquer recuo da Anvisa.
O diretor afirmou também que essa pressão visa a atingir a autonomia da Anvisa e criticou a elaboração da instrução normativa que, se fosse publicada, iria liberar todos os produtos hoje sob suspeita de agredir a saúde.
— É uma proposta inaceitável, dos maiores absurdos que já vi. Essa pressão é uma intervenção direta na autonomia de uma agência, cujo papel é proteger a saúde da população. E estamos obtendo o respaldo da Justiça nas nossas decisões. Se interesse escuso há, é o de defender a saúde do brasileiro contra esses produtos. Essa pressão é um tiro de morte na autonomia da Anvisa, que não vai arredar pé — disse Agenor.
Produtos perigosos
ABAMECTINA: O produto pode provocar aborto ou má-formação. É proibido na Nova Zelândia.
ACEFATO: Pode causar danos no cérebro e nos nervos e provocar câncer a longo prazo. É proibido em toda a Comunidade Europeia.
CARBOFURANO: Provoca sintomas graves, que aparecem em um ou poucos contatos com o produto e pode levar à morte. É proibido na Comunidade Europeia, Estados Unidos, Líbia e Canadá.
CIHEXATINA: Pode causar câncer, aborto e má-formação no feto. Pode atingir o cérebro e os nervos. É proibido no Japão, Estados Unidos, Canadá, China, Áustria e Comunidade Europeia.
ENDOSSULFAN: Pode alterar o funcionamento de várias glândulas, como tireoide, e atingir órgãos como ovários, testículos e o pâncreas. É proibido na Comunidade Europeia, Índia, Burkina Faso, Cabo Verde, Nigéria, Senegal e Paraguai.
FORATO: Causa vários sintomas graves que podem levar à morte e tem capacidade de provocar danos no cérebro e nos nervos. É proibido nos Estados Unidos, Comunidade Europeia, Tailândia e Austrália.
METAMIDOFÓS: Pode causar danos no cérebro e nos nervos e outros sintomas graves, com risco de morte. É proibido na Comunid a d e Europeia, Paquistão , Kuwait, Indonésia e China.
TRICLORFOM: Pode causar câncer, má-formação no feto, além de atingir o cérebro. É proibido na Comunidade Europeia.
(Por Evandro Éboli, O Globo, IHU Unisinos, 01/02/2010)