André Pasqualini fez da causa um ideal de vida; cicloativista luta pela inclusão das bicicletas no trânsito da capital
O paulistano André Pasqualini, de 35 anos, é um cicloativista fervoroso que não recua diante de enfrentamentos e não mede esforços para deixar claras suas posições. Ele defende o uso da bicicleta como um meio de transporte e não apenas como um instrumento de lazer e esporte. Em uma cidade como São Paulo, com frota de 4,9 milhões de automóveis circulantes e congestionamento que já chegou ao pico de 295 quilômetros, sua luta parece inglória. Mas ele acredita e briga pela causa, que já virou ideal de vida.
Se houver um grupo de bikers reivindicando algo na cidade, pode ter certeza de que ele estará lá, no meio do agito. Pasqualini ficou famoso por isso. Toda última sexta-feira do mês, ele sai na Bicicletada, evento com mais de 400 ciclistas que parte da Praça das Bicicletas, no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação. "O objetivo é formar uma massa de bikers que marque presença na cidade", diz Pasqualini.
Em dezembro, eles invadiram o estacionamento do então recém-inaugurado Shopping Vila Olímpia, na zona sul. Enquanto pedalavam, gritavam: "Shopping de otário, que não tem bicicletário." Pasqualini era um deles. "Os seguranças ficaram atordoados. Depois de ver o desespero dos funcionários, que não sabiam o que fazer, deixamos o lugar e voltamos para às ruas."
Pasqualini também estava no primeiro World Naked Bike Ride, realizado em São Paulo em 2008. Criado na Espanha, o movimento pretende mostrar a fragilidade dos ciclistas e, para isso, todos pedalaram na Avenida Paulista sem roupa. "Pasqualini foi o único peladão preso", diz Reginaldo Assis de Paiva, presidente da Comissão de Bicicletas da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP). "Ele já é conhecido e acaba sendo responsabilizado."
Dias depois do ato, Pasqualini recebeu uma carta registrada da Companhia de Engenharia e Tráfego (CET), com um boleto no valor de R$ 1.289,25, por causa dos custos operacionais que o evento trouxe à cidade, com vencimento para o dia 25 de março de 2009. "Depois, a multa acabou sendo cancelada", conta Pasqualini. "Expliquei que eu não era o organizador do evento. Estava lá como todo mundo."
SEM CAPACETE
Pasqualini não tem carro. Todos os dias, enfrenta as vias mais movimentadas da capital, como a Marginal do Pinheiros, na zona sul, onde é visto frequentemente entre carros, caminhões e motos. Detalhe: ele circula sem capacete. "Não é um equipamento de segurança necessário na cidade", diz. "O item protege de quedas, e não do trânsito. Além disso, o capacete é um sintoma de que a cidade não respeita o ciclista. "
De tênis, camiseta e shorts, ele pedala para participar de reuniões importantes, visitar os amigos e até mesmo pegar o filho, Marcos, de 3 anos, na escola. "Hoje, o centro expandido está melhor para a bicicleta do que há dez anos, quando o trânsito era menor." A frase que causa um certo estranhamento vem seguida de explicação: "A lentidão é segura para o ciclista. O perigo maior está nas vias rápidas."
Ele não é do tipo que prima exatamente pela cautela e segurança. "Lugar de ciclista não é na ciclovia", diz. Pasqualini acha que a cidade tem de se acostumar à bicicleta. "A ciclovia é importante principalmente em locais como a Marginal, onde a velocidade dos carros passa dos 60 km/h. Mas precisa haver uma educação do trânsito para que não aconteça como em Santos, cidade onde os motoristas não admitem ciclistas no meio do trânsito por causa da ciclovia."
O engajamento na luta pela integração da bicicleta com a cidade lhe rendeu a fama de "brigão". Para o amigo Thiago Benicchio, de 30 anos, ativista e um dos integrantes da Bicicletada, Pasqualini tem muita vontade e fé de que pode mesmo construir uma cidade melhor. "Mas a fé cega", diz o amigo. "Há sempre o risco de ficar intransigente, de ter dificuldade com o diferente e, por isso, escorregar. É preciso ter cuidado."
Descendente de italianos, Pasqualini não fica calado. Fala alto. "Ele é uma figura importante. Sem os Andrés a gente não consegue nada. No mundo, as primeiras conquistas são dos brigões", diz Paiva, da ANTP.
Pasqualini é apenas um dos 300 mil paulistanos que usam a bicicleta como meio de transporte. "O número de viagens de bike é quatro vezes maior do que as de táxi", diz Paiva.
Em abril do ano passado, um grupo de ativistas repintou 2 quilômetros que demarcavam o acostamento da Marginal do Pinheiros, no trecho entre as Pontes João Dias e Morumbi. Pasqualini era um deles. O ato foi uma espécie de protesto contra a proposta da CET de criar ali mais faixas de carro, eliminando o local antes destinado à circulação de pedestres e bicicletas. Pouco depois, caminhões da companhia apagaram o trabalho dos ciclistas.
Pasqualini agora está em outra empreitada. Mobilizou os amigos ciclistas na realização de um calendário para levantar fundos para a ONG que criou, a CicloBR. Cada mês é representado por um ciclista que posou com sua bike, sem roupa. Há figuras famosas no meio, caso de Renata Falzoni, ativista fundadora dos Night Biker"s Club do Brasil. Pasqualini tirou a roupa para o projeto e fotografou numa pose muito parecida com a da foto ao lado, só que de costas.
A amiga Teresa D"Aprile, de 63 anos, fundadora do Saia da Noite, um grupo feminino de ciclistas, foi uma das poucas convidadas que recusaram o convite. "Todo mundo me chama de mãe e de tia. Não me senti à vontade", explica. "Mas Pasqualini é muito carismático. Ele inventa e todo mundo vai atrás."
FRASES
Teresa D"Aprile, Líder do Saia na Noite:
"Ele tem carisma. Conquista facilmente as pessoas. Hoje a Bicicletada é um sucesso.
Onde ele vai, todo mundo vai atrás"
Reginaldo Assis de Paiva, Presidente da Comissão de Bicicletas da ATP:
"O André é brigão. Ele é uma figura importante, sem os Andrés a gente não consegue nada. No mundo, as primeiras conquistas são dadas assim, com a ajuda dos brigões"
"As autoridades já ficam de olho nele. Quando teve a pedalada dos pelados na Avenida Paulista, ele foi o único a ser preso pela polícia"
Thiago Benicchio, Cicloativista:
"Ele tem muita vontade e crença de que as coisas podem mudar. Isso é bonito e correto. Mas corre-se o risco de ficar intransigente ao diferente"
(Por Valéria França, Estadao.com.br, 31/01/2010)