Uma verdadeira guerra está sendo travada nos mares gelados que circundam a Antártida. De um lado, um grupo de ativistas para lá de corajosos e audaciosos. De outro, caçadores de baleias. A bordo de navios, singrando os mares revoltos e gélidos do sul do planeta, eles escrevem uma história repleta de aventuras: são embarcações que se perseguem, se caçam e até se lançam umas contra as outras.
O último lance desta batalha naval ocorreu no começo do mês, quando um catamarã ultramoderno da organização Sea Shepherd (Guardiões dos Mares) foi abalroado por um navio que fazia a escolta da frota baleeira japonesa. O catamarã Ady Gil acabou naufragando. Seis tripulantes tiveram de ser socorridos por um navio da organização, o Bob Harper. O Ady Gil também foi resgatado. Ele está sendo restaurado para novas aventuras.
“O Ady Gil é a embarcação mais rápida do mundo. Ele é usado para perseguir e localizar navios baleeiros, muitas vezes se posicionando na frente dos arpões para proteger as baleias”, diz o brasileiro Cristiano Pacheco, da Sea Shepherd no Brasil.
A Sea Shepherd é conhecida por ações ousadas e agressivas. Sua estreia arrebatadora foi em 1980: um dos seus navios afundou a baleeira espanhola Sierra. Desde então foram realizadas mais de 200 expedições – e mais de cinco baleeiras foram afundadas.
O fundador da Sea Shepherd, Paul Watson, deixou o Greenpeace por considerá-lo manso demais. A organização foi fundada por ele na virada dos anos 70 para 80. De lá para cá, se envolveu em dezenas de campanhas de preservação da vida marinha, sempre intervindo direta e fisicamente contra caçadores de golfinhos, tubarões, focas, baleias e outros seres marinhos.
A Sea Shepherd não é ligada a nenhum financiador com interesses comerciais. Ela viabiliza suas ações com contribuições voluntárias, de pessoas. O catamarã Ady Gil, por exemplo, foi doado por um jornalista milionário dos EUA.
O Ady Gil estava participando da mais recente missão da Sea Shepherd. Ele fuçava os mares antárticos atrás de baleeiras japonesas, com o apoio de dois navios grandes da Sea Shepherd, o Bob Harper e o Steve Irwin (o principal deles). Até um helicóptero é utilizado para perseguir e fustigar os caçadores, que respondem com jatos de água expelidos por canhões.
A missão é impedir a matança de cinco espécies que chegam em dezembro aos mares da Antártida, um verdadeiro santuário. É a época, para baleeiras japonesas, principalmente, da temporada de caça. Os japoneses usam uma brecha no acordo internacional que proíbe a caça comercial. Eles alegam que fazem a caça com objetivo científico, o que é permitido. Mas todos sabem que o objetivo é abastecer o mercado negro de carne de baleia, uma iguaria no Japão.
“Eles têm uma cota de baleias que podem ser capturadas a cada temporada. Mas acabam matando muito mais. No ano passado, em 2009, a estratégia da Sea Shepherd de perseguir a frota baleeira conseguiu reduzir o abate a 305 baleias”, diz o voluntário brasileiro Cristiano Pacheco.
Guardiões do Mar lutam contra pesca
A Sea Shepherd atua no Brasil, com sede no Rio Grande do Sul. Embora no país, a caça às baleias seja proibida desde 1986, o braço brasileiro da organização protege golfinhos no Amapá e em Santa Catarina e tubarões no Rio Grande do Sul. Uma das suas armas é a lei: a organização promove ações judiciais contra pesca, sendo pioneira na América Latina nestas iniciativas.
“Conseguimos embargar a instalação de uma fábrica de fosfato em Santa Catarina, que pode causar impactos no ecossistema marinho, rico em golfinhos e em baleias franca”, diz Cristiano Pacheco, diretor-jurídico voluntário da Sea Shepherd no Brasil, que aqui adota o nome Guardiões do Mar.
Aliás, o litoral de Santa Catarina é um dos santuários para baleias da espécie franca. O Parque Nacional de Abrolhos é outro local de refúgio para centenas de baleias jubarte. Estes dois locais atraem legiões de visitantes por ano.
“A baleia não é vista mais como um recurso explorável, mas como um ícone de preservação e um espetáculo da natureza”, diz o biólogo marinho André Silva Barreto, da Universidade do Vale do Itajaí, de Santa Catarina.
O Brasil é um dos países signatários de um tratado que impôs uma espécie de moratória ou trégua na caça às baleias na década de 1980, e que é regido pela International Whaling Comission (IWC ou, traduzindo, Comissão Baleeira Internacional).
Baleias sempre foram caçadas ao longo da história. No século 16, no Brasil, o pescador caçava baleias munido de um arpão manual a bordo de um barco a remo. A matança cresceu com a caça industrial, especialmente na Paraíba, na primeira década do século 20. Segundo dados oficiais, mais de 20 mil baleias de todas as espécies foram abatidas em 75 anos de caça no país. No Estado do Rio, em Arraial do Cabo, havia uma indústria de processamento de carne de baleia nos anos 60.
“O Brasil sempre foi pródigo em baleias. Há relatos de que o som das baleias que frequentavam a Baía de Guanabara chegava a incomodar os moradores do Rio”, diz o biólogo.
A rainha destas espécies é a baleia-azul, o maior ser vivo que já habitou o planeta. Supera, com suas 190 toneladas e 35 metros de comprimento, os maiores dinossauros, extintos há 65 milhões de anos. Em 1904, começou a ser capturada na Antártida. Em 30 anos, os caçadores acabaram com a população de baleias-azuis na região. Só em 1930, foram capturados 30 mil animais da espécie, hoje ameaçada de extinção. Sua presença é rara no litoral brasileiro.
“De qualquer modo, temos observado um aumento da população de baleias no litoral brasileiro. Elas aparecem com mais frequência no Rio e na Bahia, retornando a seus antigos ecossistemas”, diz o biólogo.
(Jornal do Brasil / ANDA, 28/01/2010)