O anúncio da aquisição da Quattor Petroquímica pela Braskem, controlada pelo Grupo Odebrecht, gerou indignação no setor petroquímico brasileiro. A fusão causa mais polêmica pelo fato de a Petrobras estar envolvida na negociação. Para o presidente do do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas de Triunfo (Sindipolo), Carlos Eitor Rodrigues Machado, a Petrobras é um “instrumento do governo usado para fazer política”. Na opinião dele, “o governo está consolidando a entrega do setor para uma única empresa, para a Odebrecht, que controla a Braskem, sem considerar todas as consequências que isso terá sobre o setor petroquímico (...) e se omitindo com relação aos prejuízos que essa empresa tem imposto aos trabalhadores”.
Com a operação, a Braskem se consolida como a maior empresa petroquímica da América Latina, e segundo a Consutoria MaxiQuim, a 11ª produtora de petroquímicos do mundo. Além de criticar o monopólio do setor no país, na entrevista que segue, concedida, por telefone, Machado alerta para os prejuízos que o empreendimento irá gerar e lamenta a participação do governo neste projeto. E desabafa: “Os petroquímicos apoiaram massiçamente o Lula nas suas eleições desde 1989. Imagina o que esta categoria está sentindo hoje com o que o governo está fazendo”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O envolvimento da Petrobras na compra da Quattor Petroquímica representa o que para a sociedade brasileira?
Carlos Eitor Rodrigues Machado - Primeiro precisamos situar que a Petrobras é um instrumento usado para fazer política. Tanto é que não atribuímos responsabilidade alguma, de tudo isso, à própria Petrobras, que segue a orientação de Brasília. O movimento do governo neste caso, com esse golpe final da compra da Quattor, consolida a entrega de 100% da petroquímica brasileira para a Braskem. Para termos uma ideia, em 2007, quando a Braskem comprou o Grupo Ipiranga junto com a Petrobras, a empresa era dona de cerca de 40% do setor petroquímico. Agora, será dona de 100%. O governo está consolidando a entrega do setor para uma única empresa, para a Odebrecht que controla a Braskem, sem considerar todas as consequências que isso tem sobre o setor petroquímico, sem levar em conta o impacto desse monopólio sobre o consumidor, sobre o mercado, e principalmente, se omitindo com relação aos prejuízos que essa empresa tem imposto aos trabalhadores.
Dizem que a Petrobras está financiando a Odebrecht. Sim, o dinheiro está saindo dos cofres da empresa, mas ela está fazendo isso comandada pelo governo, porque ministros desse governo fazem parte do conselho administrativo da Petrobras. A ministra Dilma Rousseff é presidente do Conselho da estatal e está comandando toda essa operação. Então, é sacanagem atribuir à Petrobras esse financiamento da Odebrecht.
IHU On-Line - O ministro Lobão disse que com a participação da Petrobras o governo irá regular o mercado petroquímico. Como o senhor recebe essa informação?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – Sinceramente, nem a Dilma Rousseff, quando era ministra de Minas e Energia, se via com autonomia para tratar da questão do setor petroquímico. O ministro Lobão diz que não é concentração, mas isso é concentração e a Petrobras não irá regular mercado. A Petrobras já investiu, com seu retorno a petroquímica, 7,6 bilhões de dólares, correspondente à 13,7 bilhões de reais, para favorecer o grupo Odebrecht. Neste processo todo em que estamos acompanhando o setor petroquímico, e não é de agora, é desde 2005, quando frustrada a primeira troca de ativos entre Petrobras e Braskem, vemos que a Petrobras não tem autonomia alguma para isso, e muito menos o governo. A ordem que vinha de cima era fazer o que a Braskem quisesse. Agora vão querer dizer que o governo e a Petrobras estão regulando? Não. Na verdade essa venda da Quattor só demorou um pouco mais porque o governo não queria aceitar, num primeiro momento, a imposição do valor que a Braskem irá pagar pela matéria-prima, pela nafta e pelo gás, usado na petroquímica. O governo, então, está subordinado à Braskem e, obviamente, entrando com muito dinheiro. Eles agora irão fazer uma reestruturação do capital da Braskem, onde a Odebrecht irá aportar um bilhão de reais, e a Petrobras irá aportar 2,5 bilhões. Que parceria é essa?
IHU On-Line – Como o senhor percebe esse apoio do Estado e do BNDS ao capital privado, em especial ao Grupo Odebrecht?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – O governo tem demonstrado nesse processo todo, que não começou agora, uma relação muito nebulosa com o Grupo Odebrecht. As razões que levam a isso são inúmeras, mas o que não dá para admitir é que o governo concentre tantos privilégios a esse grupo. A grande pergunta é: “porque isso?”. Não podemos aceitar. Quem está pagando a conta de tudo é a Petrobras, diretamente, e a sociedade como um todo, indiretamente. Aí entra a questão do BNDES, considerando que a maioria dos recursos que o BNDES tem disponível em caixa é dinheiro do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador, que objetiva investir em projetos que tenham um compromisso com a geração de riqueza e emprego. O BNDES faz isso aí, sem garantia alguma. Veja bem, o governo entra com a maior parte do recurso e o recurso que a Braskem entra é financiado pelo BNDES.
IHU On-Line – O que a participação da Petrobras na Braskem, após a incorporação da Quattor Petroquímica, representa para o mercado petroquímico? Como o setor recebeu a notícia?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – Vemos o empresariado, o setor plástico, defendendo muito a negociação. Parece-me que esse pessoal não conhece a Odebrecht. Os empresários estão dizendo que, como a produção de resinas fica para um grupo só, eles terão ganho em escala. Só que esse ganho em escala irá para seus próprios cofres, ele jamais será repassado para outros produtos. A Braskem está demonstrando sua ganância, nesse processo todo. Ela objetiva ter o máximo de ganho somente para a empresa e não para repassar aos produtos e ao consumidor. Temos como referência a briga que tem sido sistemática da Braskem com a Petrobrás para segurar o preço “lá embaixo”. Isso que a Petrobras é fornecedora. Então, imagina o que ela irá fazer com esses empresários da terceira geração, de pequenas empresas. A Petrobrás irá massacrar esse pessoal. A consequência disso tudo irá recair nas empresas de transformação plástica e, consequentemente, sobre a sociedade. A Braskem não vai querer abrir mão das suas expectativas e perspectivas de ganho, até porque com isso ela ficará, e já está, altamente endividada, e irá querer recuperar isso o mais rápido possível. Quem vai pagar serão as empresas de transformação, mas a corda vai estourar na população, que é quem consome os produtos. Para nós na questão da concentração, de todas as questões que defendemos diretamente como o emprego e as condições dos trabalhadores, o principal prejudicado é o setor petroquímico, as pequenas empresas que operam nesta cadeia e a sociedade. O governo está nesse processo todo e não vê (ou faz que não vê) isso tudo. Tem se omitido em toda a discussão e em toda a cobrança que tentamos fazer neste sentido.
IHU On-Line – Já foi mencionado algo em relação a desemprego e novas demissões?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – O pessoal está dizendo que, em menos de 120 dias, nada irá acontecer em relação à Quattor. De fato isso não acontece de uma hora para outra. Tanto que o anúncio da compra da Quattor foi feito no Rio Grande do Sul em março de 2007. Já naquele ano aconteceram muitas demissões, até mesmo na petroquímica Triunfo, que já tinha a perspectiva de ser incorporada pela Braskem. Com isso se iniciou uma debandada geral. Gente que estava para se aposentar antecipou a aposentadoria, e o pessoal começou a se colocar em outras empresas. Em 2008, a Braskem intensificou as demissões e em 2010 está vindo para cima com tudo. Só em 2009, foram demitidas em torno de 300 pessoas. O próprio presidente da Braskem disse que enxerga como natural essas demissões. E na Quattor, como aconteceu na Bahia quando saiu a Braskem em 2002, como aconteceu aqui e está acontecendo a partir de 2007, não será diferente. Gostaríamos que o governo e a Petrobras tivessem um tratamento que procurasse exceder mais nisso, mas vemos pouca possibilidade, e fatalmente irá acontecer lá o que aconteceu na Bahia e aqui.
IHU On-Line – Como os petroquímicos gaúchos receberam a notícia da participação da incorporação da Quattor Petroquímica pelo Grupo Odebrecht/Braskem?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – Na verdade isso já está em andamento há algum tempo, já vínhamos discutindo isso com os trabalhadores da Quattor, com sindicatos de São Paulo, da Bahia e do Rio de Janeiro. Na questão da Quattor o ambiente estava mais propício para a Braskem do que aqui no sul. Um dos motivos é que lá não foi desenvolvida qualquer reação contrária porque o sindicato mantém relações com o governo. Um segundo motivo é que a Quattor estava muito endividada e para resolver o problema precisava ser incorporada pela Braskem. A Quattor responde por 25% do setor petroquímico. Seu peso no setor, em nível nacional, acaba não sendo tão significativo. A produção das unidades que a Quattor tem em São Paulo e no Rio de Janeiro são menores que a produção que a antiga Copesul tinha aqui no pólo de Triunfo. Sabíamos, desde o início do processo, que isso seria questão de tempo e já tínhamos colocado como dada esta questão. O que temos como informação é que a negociação só não havia saído antes porque não estava havendo acerto entre a Braskem e a Petrobrás no preço da nafta e do gás. Agora que acertaram isso eles consolidaram o anúncio.
IHU On-Line – Desde que comprou o grupo Ipiranga, a Braskem já demitiu mais de 500 funcionários. Como estão as negociações entre o Sindipolo e a empresa no que se refere a garantia dos direitos dos trabalhadores gaúchos?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – A Braskem quer acabar com a previdência complementar que temos no pólo petroquímico. Pagamos de 12 a 14% do salário, e a Braskem quer acabar com isso. Em várias oportunidades a empresa tentou tirar alguns direitos do acordo coletivo, alguns estão na justiça e outros estão nebulosos. O que acontece é que a negociação salarial, que está trancada agora, está trancada porque quer tirar vários direitos do acordo coletivo. Para a Braskem não existe margem para a negociação, o que existe, eventualmente, é fazer fortes movimentos com disposição pública, da Braskem e do governo, que dão certa atenuada nas suas ofensivas. Contra a Braskem, daqui para frente, teremos uma luta constante de tentar segurar o que temos e impedir demissões. Uma coisa que temos clara é que infelizmente os empresários não estão enxergando o real problema e estão, inclusive, comemorando esta concentração.
IHU On-Line – Na tua opinião, como essas fusões definirão o Brasil nas próximas décadas?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – O que percebemos é que no Brasil temos dois segmentos que são praticamente monopolizados: o setor do aço e o do cimento. O que resta para o pessoal da construção civil? Acontece que quem quer construir só tem uma alternativa, que é comprar o aço da Gerdau, assim como o cimento da Votoran, e pagar o preço que eles cobrarem. No caso do monopólio da petroquímica é a mesma coisa. O setor petroquímico e o plástico são produzidos a um custo muito baixo, o valor maior é o que é tirado como lucro para as empresas. O que vai acontecer é que irão potencializar ao máximo o faturamento, e todos os produtos oriundos desses setores seguramente terão uma elevação do preço, comparando com outros produtos nacionais que não são monopolizados. Na questão do emprego isso refletirá nas empresas de transformação, em todas as fases da cadeia petroquímica, e principalmente na renda. Hoje um operador petroquímico só tem emprego na Braskem, no Brasil inteiro. E se isso acontece, essa empresa irá pagar a ele o que ela bem entender. O futuro, “no frigir dos ovos”, será uma elevação de tudo que for oriundo da petroquímica. Vamos ver até que ponto o ministro Lobão vai dizer que o governo está regulando o setor. O governo deveria estar regulando, mas não está. Inclusive se a questão do governo fosse levada a serio, o CAD seria o primeiro a barrar este tipo de negociação. Quem acaba dando as cartas para o jogo é o grupo Odebrecht.
IHU On-Line – A carta publicada por vocês nos jornais na terça-feira, 26-1-2010, gerou bastante polêmica, inclusive entre outros sindicatos. Vocês sentem falta de apoio dos sindicatos e de alguns movimentos sociais em momentos como esse?
Carlos Eitor Rodrigues Machado – A CUT vive num dilema muito grande com o governo Lula. Tanto é que muitos sindicatos cutistas estão saindo da CUT e formando outras centrais sindicais, como a Intersindical. Tudo isso porque a CUT não sabe se defende o trabalhador ou o governo. Na dúvida, ela defende o governo e qualquer coisa que vá contra o governo, chama a atenção dos sindicatos da CUT. Eu sou petista, sempre votei e fiz campanha para o Lula até 2002, mas sempre tive claro que governo é governo, partido é partido e sindicato é sindicato. O objetivo e o papel do sindicato é defender os interesses dos trabalhadores, com independência de qualquer governo, mesmo no governo do seu partido. Muitos sindicatos não estão conseguindo esta autonomia porque em determinado momento, parte dos seus integrantes estão no governo, e quando vê alguma coisa mais forte em relação ao governo, o pessoal reage. Tem vários outdoors responsabilizando o governo pelo o que está acontecendo no polo. Muita gente nos criticou e nos critica. O governo tinha um projeto e esperávamos que tivesse um compromisso maior com os trabalhadores. E além de não demonstrar isso, está cedendo privilégios ilimitados a um grupo privado com o perfil do grupo Odebrecht. O pessoal tem o direito de nos criticar, mas penso que estamos cumprindo nosso papel de sindicato que representa a categoria, que está sendo prejudicada por uma ação de governo. Vamos cobrar a responsabilidade, seja de que governo for. 80% da CUT nacional forma atrapalhada entre defender o trabalhador e o governo. Nossa opção é clara. Somos representantes dos trabalhadores e agimos neste sentido. Inclusive é por isso que a CUT está perdendo sindicatos. Os trabalhadores não são bobos e sabem o que o governo faz a seu favor e contra eles. Os petroquímicos apoiaram massiçamente o Lula nas suas eleições desde 1989. Imagina o que esta categoria está sentindo hoje com o que o governo está fazendo. E é aí que o sindicato deve fazer a linha de frente, defendendo essas pessoas e seus direitos. Somos um sindicato cutista e achamos que a CUT ainda é a melhor alternativa para organizar os trabalhadores em nível nacional. Vamos fazer o melhor e o possível para assegurar que os ataques aos empregos sejam os mínimos possíveis.
(IHU Unisinos, 28/01/2010)