No terceiro dia de Fórum, uma heterogênea mesa discutiu o “Bem-viver”. As falas foram taxativas. Para a construção de um outro modelo de sociedade, a noção de bem-viver deve deixar de se basear no padrão de consumo, passando a tomar como referência a capacidade de felicidade, solidariedade e coletivismo. “No conceito clássico de bem-viver, não importa se somos felizes, se temos famílias desestruturadas, nada disso. Temos que construir outro modelo, de civilização e sonhos”, disse a sulafricana Mercia Andrews, da Trust for Community Outreach and Education (TCOE).
Uma frase de Ana Maria Prestes, da Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE), resume a dimensão desse debate no décimo aniversário do evento. “A inclusão desse tema no Fórum Social Mundial é, por si só, uma demonstração do exito do Fórum. Em 2001 e 2002, talvez não fosse possível falar disso. Agora, o tema amadureceu. O Fórum tem essa capacidade de resgatar temas milenares que haviam sido subjugados”, disse.
Na opinião de Zraih Abderkadel, do Fórum das Alternativas do Marrocos, já estaríamos em uma nova fase nesse processo. O conjunto de governos progressistas e de esquerda teriam projetado um conjunto de alternativas e modelos para conformar um projeto de enfrentamento ao de consumo. Nesse sentido, o equatoriano Segundo Churuchumbi, da Ecuarunari, ressaltou a importância de que essa construção seja coletiva, e parta das próprias mobilizações do Fórum.
O italiano Marco Deriu, da Universidade de Parma, preferiu exemplificar com números a falência do modelo estruturado no consumo. Segundo ele, a humanidade consome anualmente 60 bilhões de toneladas de recursos naturais. Estariamos consumindo 30% a mais do volume que a terra é capaz de regenerar. Teríamos uma espécie de “dívida ambiental”. “Muita gente usa o conceito de 'desenvolvimento sustentável'. Acho isso uma forma de fazer as mesmas coisas de sempre com uma tinturinha verde. É preciso que a mudança seja radical. Uma reorientação completa da política ambiental e do desenvolvimento”, afirmou.
Chamou a atenção os resultados de uma pesquisa realizada pela equipe de Mercia na África do Sul. Os dados foram coletados na cidade natal da ativista, onde muitos vestigios do apartheid permaneceriam presentes. Perguntava-se o que as pessoas queriam, o que era necessário mudar em suas vidas. 68% afirmaram que queriam terra. E a grande maioria deles não queria muito. Apenas de 1 a 5 hectares. Entre as mulheres, o pedido majoritário foi por paz. A pesquisa comprovaria que, em meio a sociedade civil, nem sempre flui o ideário de consumo desenfreado.
(Por Leandro Uchoas, Brasil de Fato, 27/01/2010)