A partir da década de 60, as mudanças nas características dos resíduos tornaram-se mais evidentes no Brasil, com as embalagens retornáveis sendo substituídas por embalagens descartáveis. Diante desse quadro, o poder público tem buscado, há décadas, dar respostas, de um lado, ao surgimento dos catadores de lixo -reflexo das sucessivas crises financeiras- e, de outro, à criação de política de coleta seletiva. Tal dicotomia resultou em tratamento distinto de políticas públicas.
Mais atualmente, porém, o marco ambiental vem sendo corretamente interligado ao marco social. De sua parte, os catadores passaram a se organizar, a partir da realização, em 1999, do 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel, início da formação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Por sua vez, o poder público começou a criar centenas de projetos solidários, prevendo a inclusão dos catadores na coleta seletiva.
Mas em 2009 a crise mundial levantou a questão de que não eram mais suficientes as políticas que definiam os princípios, diretrizes e benefícios para uma gestão sustentável de resíduos, em níveis social, ambiental e político, pois, na ponta final, os valores dos materiais recicláveis continuavam a obedecer à lógica de mercado.
O atual desaquecimento na economia mundial derrubou em até 70% o preço de muitas sucatas e materiais recicláveis, reduzindo drasticamente a renda de catadores e trabalhadores de cooperativas de reciclagem. Comprovou-se, assim, que, se por um lado, a tutela de políticas públicas funcionava, por outro, no contexto econômico, a diretriz continuava sendo mercantilista e liberal.
Emergencialmente, se discute desde outubro a redução proporcional do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e outros incentivos fiscais, visando estimular as empresas a utilizarem matérias-primas renováveis em seus produtos.
Em que pese a boa intenção, a iniciativa resolve o problema apenas em parte, já que não ataca o núcleo da discussão, qual seja, os valores repassados aos catadores, que ainda são controlados pelo mercado.
Urge, assim, a necessidade de se instituir, como política pública federal, um controle social dos valores dos produtos dos materiais recicláveis, de modo a que se complete de vez o processo social de inclusão, desde a coleta até a venda. Se isso não ocorrer, não veremos nunca a emancipação social dos catadores.
(Por Fabio Pierdomenico, Folha de S. Paulo, 27/01/2010)
*FABIO PIERDOMENICO é economista, advogado e professor de direito ambiental e foi diretor técnico do departamento de limpeza urbana da Limpurb entre 2002 e 2004 (gestão Marta)