Ativistas do Greenpeace realizaram um protesto nesta quarta-feira pela manhã, em frente à mina de urânio operada pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Caetité, na Bahia. Eles estenderam, no portão da mina, uma faixa com a frase "Área de contaminação". Nada mais apropriado. Ali, numa análise feita recentemente pelo Instituto de Águas e Gestão do Clima (Ingá) do governo baiano, foram descobertos dois pontos de água contaminados por urânio – um deles com índices de radioatividade 40 vezes acima do nível considerado tolerável para humanos pelo ministério da Saúde.
Eles se somam a outros dezessete pontos de água no município de Caetité em que análises realizadas desde 2005 detectaram níveis altos de radiação, o que torna a frase da faixa do protesto ainda mais adequada. Há fortes suspeitas de que a operação de mina da INB esteja provocando a contaminação. A estatal nega ser a responsável, alegando que a radioatividade encontrada na água da zona rural de Caetité é consequência da presença de urânio no solo da região.
Mas se recusa a apresentar qualquer prova de que o que ela diz é a verdade. Ainda que seja, isso não exime a empresa da responsabilidade de orientar a população local sobre os perigos que ela enfrenta. Mas a INB prefere tapar os ouvidos e os olhos para o problema, que por sinal ela já chegou até a afirmar que não existe, publicando no jornal que distribui à população local a manchete “Está tudo bem com nossos poços”.
Na última quinta-feira, dia 21, a prefeitura de Caetité e a INB foram notificadas para suspender imediatamente o uso de água de três pontos – um deles um poço em Barreiros, zona rural da cidade), onde detectou-se a presença de radioatividade nociva à saúde humana. A INB não deu qualquer satisfação sobre que atitudes tomou acerca dos dois pontos de água radioativa que foram encontrados no terreno de sua mina.
A prefeitura de Caetité ignorou a notificação até ontem, quando ativistas do Greenpeace foram ao prédio da Secretaria de Recursos Hídricos do município e convidaram o secretário a beber da água coletada no dia anterior no ponto contaminado de Barreiros. Nilo Joaquim de Azevedo, no entanto, zelou por sua saúde da maneira oposta que zelou pelo bem estar da população local e recusou-se a tomá-la. As autoridades locais seguiram seu exemplo e também não tiveram coragem de aparecer para bebê-la.
Mas tiveram peito para armar uma falseta. Logo depois do protesto do Greenpeace, a prefeitura despachou funcionários para lacrar o poço contaminado em Barreiros com um selo com data retroativa de 22 de janeiro – que no dia 26 do mesmo mês permanecia aberto e com sua água sendo consumida por 30 famílias que moram no local.
Dos 19 pontos de contaminação encontrados em Caetité desde 2005, alguns estão dentro da zona de operação da mina de urânio da INB e a maioria espalha-se pelo seu entorno, na área definida como zona de influência direta do empreendimento. "A empresa alega fazer mais de 16 mil análises de água anualmente, mas até hoje nunca tornou público seus métodos de exame e muito menos os resultados", afirmou André Amaral, coordenador da campanha de nuclear do Greenpeace.
Uma das condicionantes do licenciamento ambiental, que exigia a realização de estudos que poderiam mostrar a influência da mineração nos recursos hídricos da região, nunca foi devidamente cumprida. Em seu lugar, apresentou-se tão somente uma análise considerada incompleta e inconclusiva da antiga Secretaria de Recursos Hídricos do Estado da Bahia, que foi sucedida pelo Ingá. Outra condicionante, que demandava um acompanhamento periódico da saúde da população que habita um raio de 20 quilômetros a partir da mina também foi esquecida em alguma gaveta da INB.
Alguns pontos onde detectou-se contaminação por urânio em 2005 permanecem abertos e sua água segue sendo consumida pela população, sem que a empresa e o governo municipal se dignem a tomar qualquer providência.
Recentemente o Greenpeace denunciou um vazamento que levou a empresa a receber uma multa de R$1 milhão de reais do Ibama. Em 2000, primeiro ano de operação da mina, a INB tentou esconder que 5 milhões de litros de licor de urânio foram liberados no meio ambiente. As autoridades foram informadas sobre o caso seis meses depois, também por denúncia, dessa vez,do Ministério Público.
No verão de 2004, chuvas excessivas atingiram a área da mina e a bacia de retenção da mina transbordou sete vezes, liberando efluentes líquidos com concentração de urânio-238, tório-232 e rádio-226 no leito do Riacho das Vacas. Em função da avaliação dos impactos desse acidente e das condições de operação da mina da INB, os fiscais da CNEN elaboraram parecer técnico solicitando a paralisação das atividades de mineração em Caetité e a não-renovação da licença de operação.
Além de medidas para evitar deslizamentos, recomendou-se na época uma série de ações por parte da empresa, todas recusadas por Odair Dias Gonçalves, presidente da CNEN, órgão regulador da indústria nuclear, que curiosamente preside também o conselho administrativo da INB, a quem ele deveria controlar. O conhecimento dos técnicos, relevado por razoes obvias por Gonçalves, devia ter sido considerado: ano passado ocorreu um deslizamento que, segundo moradores da região próxima à mina, fez com que eles tivessem a sensação de que estavam vivenciando um terremoto, colocando em risco a vida dos próprios funcionários da mina.
(Greenpeace Brasil, 27/01/2010)