O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou ontem, em sua conferência no Fórum Social Mundial (FSM) de sua passagem pelo evento em 2003, logo após assumir a presidência da República, e aproveitou para fazer uma balanço de seus sete anos gestão.
Mas também avaliou o próprio FSM. Falando de improvisso, disse que o Fórum, que veio com a proposta de um outro mundo possível, está mais maduro em relação a suas lutas e práticas depois desses dez anos. Mas sugeriu aos participantes que façam uma carta final com poucas reivindicações.
Ao projetar o futuro do evento, o presidente conclamou os participantes a continuarem acreditando e "construindo utopias". Também fez referência à saida do evento da Capital gaúcha e apontou que, se o evento tivesse continuado em solo gaúcho, "teria se tornado enorme".
Por duas vezes durante seu pronunciamento de 42 minutos, ontem no ginásio do Gigantinho, que recebeu quase 7 mil pessoas, Lula falou por duas vezes sua ida a Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial - evento ao qual o FSM faz contraponto.
O presidente, que repete este ano o trajeto de 2003, quando também veio a Porto Alegre para depois participar do encontro na Europa, sustentou que Davos "não tem mais o glamour que tinha naquele ano". Segundo ele, o sistema financeiro já não pode desfilar "como se fosse exemplar porque provocou a maior crise dos últimos anos" em razão de sua incapacidade adminsitrativa.
"Vou com o orgulho para dizer que, se em 2003 o grande medo era de que Lula não conseguiria governar, agora posso mostrar que foi um torneiro mecânico quem mais fez universidades e mais criou escolas técnicas neste Pais", discursou.
O presidente também relatou a cobrança dos participantes do primeiro FSM sobre o fim da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e da situação atual, em que o Brasil é credor de US$ 14 bilhões junto ao fundo emprestados durante a crise mundial.
Em tom de desculpa, disse que nem sempre o que um governante planeja é o que consegue realizar. "Quando mais fizemos, mais a sociedade vai demandar. Tem gente que acha que isso é ruim. Acho que a razão pela qual se chega ao poder é a de se criar uma outra relação entre estado e sociedade", sustentou, exemplificando a aproximação do seu governo com causas dos movimentos sociais e dos direitos humanos. "Tem gente que acha que a democracia é um pacto de silencio, quando é o contrário", sustentou.
Outro tema da fala de Lula foi a situação do Hati. Os representantes do FSM cobraram que o Brasil atue para impedir o possível domínio norte-americano. Lula falou das ações de auxílio humanitário feitas pelo País há cinco anos e da recente aprovação do envio de mais 900 soldados.
"Os brasileiros ensinaram como se deve ser uma força de paz, sem sonegar os direitos humanitários. Devemos estar indignados do que aconteceu. Não podemos esquecer que foi o primeiro país negro a conquistar a independência em 1904. Talvez este terremoto mexa com a vergonha dos governantes para que se faça no Haiti agora o que poderia ter sido feito há dez anos, quando começou a se discutir a democracia naquele país", analisou, pedindo solidariedade dos manifestantes do Fórum.
Sobre Copenhague, disse que o Brasil foi com a melhor proposta e está pronto para o debater sobre clima. Falou que quer igualdade de condições com os países ricos e respeito à soberania e aos interesses de cada pais. "Não aceitamos mais que coloquem o dedo sujo de óleo no combustível limpo produzido neste País".
Público aplaude petista e aclama Dilma
O presidente Lula afirmou, no final de seu discurso de ontem, que voltará a participar do Fórum Social Mundial (FSM) em 2011, como fez nas outras edições, "mas desta vez como ex-presidente". A pausa que fez na sequência foi a deixa para que o público entoasse Olé, olé, olá/ Dilma, Dilma.
O petista também foi homenageado com o mesmo cântico às 20h18min, quando as luzes do Gigantinho foram diminuídas. O público também entoou Lula!/ Guerreiro!/ Do povo breasileiro!. Mas, o presidente só apareceu mais de meia hora depois para falar a quase 7 mil pessoas.
Além de delegados do FSM, prestigiaram o evento ministros - Dilma Rousseff (Casa Civil), Tarso Genro (Justiça), Luiz Dulci (Secretaria-Geral), Edson Santos (Igualdade Racial), Paulo Vanuchi (Direitos Humanos) e Altermir Gregolim (Pesca) -, o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (PMDB), que foi vaiado ao ser anunciado, os senadores petistas Paulo Paim e Ideli Salvati, o governador da Bahia, Jacques Wagner, além de deputados, secretários e vereadores. A governadora Yeda Crusius não foi ao evento, mas recebeu a comitiva presidencial no desembarque, por volta das 19h, no aeroporto Salgado Filho.
No palco ficaram apenas Lula o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, e a presidente do ONG Cotidiano Mulher, uruguaia Lilian Celiberti, e o coordenador do Ibase, Cândido Grzwybowski. Eles cobraram de Lula ações na área de direitos humanos e democracia.
FSM vai ao Gigantinho para ver presidente
No evento que atraiu mais público nesta edição do Fórum Social Mundial (FSM) - depois da Marcha de Abertura - quase 7 mil pessoas foram ontem ao Ginásio Gigantinho, em Porto Alegre, para assistir ao pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Uma fila imensa se formou por toda a calçada do estádio Beira-Rio e dobrou em direção à avenida Padre Cacique, que estava com uma pista bloqueada para abrigar os participantes.
A massa vermelha que se distinguia de longe poderia ser confundida com torcedores do Internacional, que lotam o local em dias de jogo. Ontem, no entanto, a multidão era composta de militantes do PT, da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e, em menor escala, de outros partidos de esquerda.
A maioria dos ativistas usava camiseta vermelha com os dizeres Lula é Brasil Social Mundial e boné da CUT. Mas também teve público apartidário, caso da argentina Valentina Chirici, que enfrentou 18 horas em um ônibus de Buenos Aires até Porto Alegre para participar do FSM.
"É o meu sonho estar aqui e poder entrar em contato com tantos movimentos sociais", alegrou-se a portenha, que trabalha em uma ONG ligada à economia solidária. Valentina foi uma das primeiras da fila e chegou às 15h para conferir o discurso de Lula. "Pelo que falam no exterior, ele parece ser bom", arriscou.
Há três anos morando em Estocolmo, na Suécia, a gaúcha Paola Santoretto aproveitou a vinda ao Brasil para conferir as atividades do Fórum. "Espero poder levar conhecimentos para meus alunos na Suécia", destaca a professora universitária de Mídia e Tecnologia. O namorado de Paola, o sueco Nicklas Keijser, nunca havia participado de um Fórum Social Mundial e ficou empolgado com o evento.
Previstos para serem abertos às 16h, os portões permaneceram fechados até as 17h. O atraso irritou quem estava na fila. Revoltados com a demora, os militantes exigiam acesso, que logo foi liberado.
Perto das 19h, mais de 3 mil pessoas ainda esperavam para entrar no Gigantinho - o ginásio, que tem capacidade para 12 mil pessoas, teria ocupação máxima de 10 mil participantes no encontro de ontem. Cerca de 175 homens da Brigada Militar faziam a segurança externa do local. O efetivo estava dividido em cinco pelotões, cavalaria, grupamento de incêndio e tropas do Batalhão de Operações Especiais.
Todos que entravam eram submetidos à revista com detector de metais e não era permitido portar bandeiras, faixas ou quaisquer objetos que pudessem ser arremessados. O acesso foi lento e as medidas de segurança desagradaram alguns militantes que foram proibidos de levar seus cartazes.
Mas na fila, a manifestação foi livre e, em certos momentos, virou campanha eleitoral - teve gente segurando faixas com mensagens de boas-vindas de deputados do PT, outros distribuíam panfletos e alguns parlamentares levaram até carro estampado para marcar presença.
Fora do Gigantinho, a animação ficava por conta de uma roda de capoeira com crianças vindas de Alvorada. Vestidos de branco e tocando berimbau, os capoeiristas atraíram a atenção de quem esperava para entrar no Gigantinho. Dentro do ginásio, desde às 18h30min os participantes conferiram diversas apresentações musicais, como a do cantor Nei Lisboa e dos destaques das escolas de samba de Porto Alegre.
O presidente Lula era aguardado para as 19h30min, mas depois das 20h sua chegada ao Estado ainda não havia sido anunciada. A demora não atrapalhou o clima festivo e "olas" que passavam pelas arquibancadas animaram o ginásio.
(Por Gisele Ortolan, JC-RS, 27/01/2010)