Possibilidade de o Tietê voltar a ter peixes na capital é descartada
O homem joga a bituca de cigarro na calçada. A mulher esquece de recolher as fezes do seu cachorro durante o passeio vespertino. No sábado pela manhã, o programa ainda pode ser lavar carros na rua.
Todo esse lixo, sólido e líquido, vai chegar ao Tietê e aos seus afluentes quando chove. Sem falar no esgoto doméstico, a principal fonte poluidora do rio, que entra limpo na cidade de Mogi das Cruzes.
A chamada poluição difusa -toda sujeira despejada no rio sem ser esgoto- matou definitivamente o Tietê na cidade de São Paulo, afirmam os especialistas. Ela representa cerca de 30% do esgoto que compõe a água escura que se vê da marginal, estima a Sabesp.
Mesmo que o programa de despoluição do rio paulista atinja as suas metas em alguns anos e praticamente corte o fornecimento de esgoto para o Tietê, ele nunca mais vai ter peixes. O rio está morto, porque a carga de poluição difusa será sempre longe de zero.
"Você pode até ter um ou outro peixe entrando [sob a ponte das Bandeiras ou dos Remédios, por exemplo] mas ele vai viver pouco tempo e morrer", afirma Malu Ribeiro, coordenadora de projetos da ONG SOS Mata Atlântica, instituição que, historicamente, vigia a qualidade ambiental do rio.
Além das bitucas, dos restos da lavagem do carro e dos dejetos animais, tem muito mais coisa, afirma Antonio Costa e Silva, engenheiro civil da Sabesp. "O resto dos pneus dos carros, as toneladas de carbono que existem no ar [por causa da queima de combustível]. Tudo vai para o rio quando chove."
Pelo cronograma da companhia de água, o grande marco será o ano de 2018. "Nós vamos universalizar a coleta e o tratamento de esgoto [nos municípios atendidos pela Sabesp]", afirma Costa e Silva.
Números de hoje mostram que o projeto de despoluição do Tietê já conseguiu avanços. "Saímos de um patamar de 4.000 litros por segundo de esgoto tratado, em 1992, para os atuais 16 mil litros por segundo, em média", diz a Sabesp. Até agora, foram investidos no programa R$ 1,6 bilhão, entre recursos estaduais e federais.
Apesar disso, relatórios da Cetesb (agência ambiental do Estado) mostram que a situação continua "péssima" no Tietê na capital. "Essa é a classificação da água no nosso ponto de coleta na ponte dos Remédios, por exemplo", diz Nelson Menegon Júnior, gerente da divisão de qualidade das águas e do solo da Cetesb.
Em números aproximados, diz Menegon Júnior, a vazão média do Tietê é de 60 metros por segundo. Porém, 37 metros por segundo é formado por matéria orgânica biodegradável. As bactérias comem esse esgoto e, neste processo, esgotam o oxigênio disponível na água. Por isso, não existe peixe.
Para a ambientalista da SOS Mata Atlântica, mesmo sem peixe, e muito menos sem a possibilidade de mergulho no Tietê na capital, a diminuição de esgoto em direção ao rio terá um benefício. "A melhora do odor pode fazer, pelo menos, que se pense em navegar no Tietê a partir de 2018", afirma.
A questão, lembra Ribeiro, não é apenas o cheiro, mas também o contínuo trabalho para que o rio não seja assoreado. Ao lado do desprezado Tietê, do ponto de vista paisagístico pelo menos, existe o Pinheiros.
Mas, apesar de integrado ao horizonte da cidade, este canal artificial tem uma água via de regra pior que a de seu vizinho. "Em dia quente, dá para sentir isso da marginal", diz Ribeiro.
(Por Eduardo Geraque, Folha de S. Paulo, 25/01/2010)