Executivo nega viés reestatizante e diz que fusão vai criar empresa capaz de competir globalmente
O presidente da Braskem, Bernardo Gradin, disse que a nova companhia petroquímica criada em associação com a Petrobras decorre das necessidades de um novo ciclo industrial. "As empresas pequenas estão desaparecendo. As empresas grandes, sólidas financeiramente, são as que devem ter a liderança", disse ele em entrevista à Folha.
FOLHA - Afinal, a nova companhia criada pela Braskem e pela Petrobras será pública ou privada?
BERNARDO GRADIN - Privada, pois o sócio Odebrecht terá mais de 50% do total das ações ordinárias e elegerá o presidente do Conselho de Administração, o presidente-executivo e o diretor financeiro.
FOLHA - Mas a gestão será compartilhada, não é?
GRADIN - O que vai ser compartilhado são as decisões estratégicas no âmbito do conselho. Serão divididos entre os dois principais acionistas tanto o direcionamento estratégico quanto as principais decisões de governança que rejam o futuro. Além disso, vários princípios foram estabelecidos. Entre eles, o de que a companhia permanecerá aberta e privada, com gestão profissional e com visão de longo prazo.
FOLHA - É verdade que, em um momento das negociações, a Petrobras, orientada pelo governo, quis comprar o controle da própria Braskem?
GRADIN - Que eu saiba, não. Houve momentos em que se ponderou qual era a melhor solução para a Quattor. Isso, sim. Mas eu não acompanhei todo o processo de negociação. É melhor direcionar essa pergunta ao pessoal da Petrobras ou da Odebrecht.
FOLHA - O sr. não vê essa operação como um símbolo da reestatização do setor petroquímico brasileiro?
GRADIN - Não vejo isso. Vejo que, a partir dos princípios alinhados de governança entre os dois sócios, criamos uma companhia capaz de competir globalmente. As empresas pequenas estão desaparecendo. As empresas grandes, sólidas financeiramente, são as que devem ter a liderança do novo ciclo da indústria.
FOLHA - Como a operação se insere no mercado petroquímico mundial?
GRADIN - Houve nos últimos anos muito investimento no Oriente Médio e na China. Depois que esse ciclo de investimentos passar, provavelmente haverá uma transformação do cenário petroquímico, um avanço no processo de consolidação. Estaremos presentes. Se não tivéssemos a pretensão de nos tornar internacionais, essa operação não seria necessária.
FOLHA - Toda a capacidade de produção de PE (polietilenos) e PP (polipropileno) do Brasil ficará nas mãos do Grupo Odebrecht e da Petrobras. Não é concentração em excesso?
GRADIN - É verdade que seremos a única produtora brasileira. Mas a facilidade de importação é muito grande, inclusive de produtos com preços mais baixos do que aqueles com que são vendidos nos respectivos países produtores. Hoje, mais de 25% do que o Brasil consome é importado. Um dos maiores produtores na Argentina, por exemplo, não tem qualquer alíquota para colocar o produto no Brasil. É por isso que o Cade determinou que o mercado relevante para a petroquímica é o internacional. Trata-se de uma commodity facilmente transportável num mercado global do qual o Brasil participa com apenas 4%.
FOLHA - A Petrobras é a única fornecedora de nafta, a matéria-prima da petroquímica. Não é arriscado para a Braskem ter um sócio que, a rigor, pode asfixiá-la no futuro?
GRADIN - Isso só o futuro dirá. De uma certa maneira já era assim antes. A Petrobras já era participante do conselho das duas empresas. E já era a única fornecedora nacional. Além disso, o contrato de matéria-prima não foi alterado, permanece vigente.
FOLHA - A Braskem tem investido no uso do etanol como fonte de matéria-prima para a fabricação de produtos químicos, em substituição à nafta. Esse esforço vai continuar?
GRADIN - Sim. A Braskem tem o alvo de desenvolver tecnologias e se associar a empresas que desenvolvam tecnologias que agreguem valor ao etanol brasileiro. Achamos que é uma vantagem comparativa especial do Brasil. E que, no futuro, o etanol vai ter como competir com o petróleo, com ganhos.
Sem dúvida permanece no portfólio de investimento e na intenção estratégica da Braskem o desenvolvimento de biopolímeros. Já temos um projeto piloto em construção, que vai ser o maior do mundo, que fica pronto no final do terceiro trimestre deste ano. Outros certamente virão.
(Por Marcio Aith, Folha de S. Paulo, 23/01/2010)