Choque de placas que formam a crosta da Terra provoca fenômenos que têm como usina de força o núcleo do planeta
O motor de tantos sismos como vulcanismo é uma descoberta recente na história da ciência. Foi em 1912 que o astrônomo e metereologista alemão Alfred Lothar Wegener (1880-1930) expôs os esboços do que ficou conhecido como tectonia de placas. A versão finalizada destas idéias é de 1915 e, por surpreendente que possa parecer, até meados do século passado havia certa resistência em relação a elas.
A idéia básica de Wegener, reformulada em detalhes, foi comprovada nos anos 60, beneficiada pelo refinamento e especialmente processamento de dados com a disponibilidade crescente de computadores. As novas gerações, para quem os computadores integram a banalidade dos eletrodomésticos, podem surpreender-se com essa realidade. Mas era assim, na infância de seus pais.
As placas tectônicas podem ser pensadas como enormes balsas rochosas flutuando sobre uma camada pastosa e mais densa, o manto, que se estende por mais de 5 mil km e envolve um núcleo líquido no interior do que está o caroço sólido da Terra. O manto não é uma porção uniforme e está dividido entre uma parte superior, mais densa, separadas por uma região de transição.
Com alguma frequência se compara a crosta, superfície fraturada da Terra, com a casa quebrada de um ovo cozido. Cada porção inteira, na casca fraturada do ovo, seria uma placa. Mas essa analogia, como qualquer outra, tem limitações. As placas tectônicas, comparativamente, quase sempre são blocos maiores que as menores e mais numerosas porções da casca partida de um ovo cozido. Outra analogia que ajuda a compreender a estrutura da Terra é considerar a crosta, superfície sobre a qual vivemos, como a casca de uma maçã em relação à polpa, neste caso, as camadas inferiores.
As placas incluem tanto regiões emersas – como a América do Sul, situada sobre a placa Sul-Americana – como áreas oceânicas. Sondagens com a ajuda de ondas de choques de sismos, entre outras técnicas, demosntraram que as placas oceânicas são mais finas que as massas continentais. Nos oceanos elas teriam espessura infeiror a 10 km contra até 90km sob os grandes maciços montanhosos.
As placas são postas em movimentos pelo calor do centro da Terra. A usina de força dessa energia interior inclui o calor remanescente da formação do planeta, há 4,6 bilhões de anos, a radioatividade produzida por núcleos pesados e instáveis como o urânio e mesmo a pressão gravitacional.
Há 600 milhões de anos um único um imenso supercontinente, a Pangéia, envolto também por um único oceano, o Panthalassa, começou a fracionar-se. A Pangéia voltaria a se recompor, formando a Pamgéia II. Mas nessa divisão formou o Gonduana, que incluiu terras que hoje formam a América do Sul, a África e a Antártida e a Laurásia, reunindo a atual América do Norte, Europa e Ásia.
Quando expôs sua teoria Wegener foi chamado de “aventureiro” e “charlatão” por ousar propor que o rígido e imóvel aparente sob os nossos pés na verdade é plástico e está em movimento. Ele explicou sismos e vulcanismo pela ação das placas, por atrito ou estiramento. Nas regiões de contato, como acontece entre a Placa Sul-Americana e a Placa de Nazca, no Pacífico, o atrito faz com que Nazca, menos densa, mergulhe sob a balsa Sul-Americana. Esse mergulho levanta a borda oeste da Placa Sul-Americana e está na origem da enorme cadeia Andina que ainda cresce alguns centímetros por ano. O estiramento cria estruturas como a Dorsal Atlântica, que percorre o Atlântico no sentido norte-sul.
O atrito acumula um enorme esforço na borda das placas e quando a estrutura rochosa dessas áreas cede sob essas forças, libera energia sob forma de sismos. É como se um martelo gigante golpeasse essas regiões. A destruição nas bordas das placas faz com que material das profundezas atinja a superfície sob a forma de vulcanismo. Mas tanto sismo como vulcanismo podem ocorrer no interior de placas por outros processos envolvendo torções da placa. Sismos podem ainda ser produzidos pela formação de enormes reservatórios de hidrelétricas ou por acomodações de falhas geológicas.
O trabalho de Wegener, que morreu fazendo pesquisas na Groenlândia, é fundamental para a montagem do enorme e complexo quebra-cabeças envolvendo tanto a previsão de sismos com a atividade vulcânica. Evitar prejuízos materiais e especialmente perdas humanas depende fundamentalmente dessas previsões. Por enquanto, boa parte desse desafio ainda pertence ao futuro.
De certa forma, é surpreendente que o encaixe, como peças de um quebra-cabeças, envolvendo a costa ocidental da África e a costa do Brasil não tenha sugerido mais cedo a idéia de que um dia eles tenham sido únicas. Há uma versão de que o filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) considerou esta hipótese, por volta de 1620. Depois disso houve quem relacionasse a partilha de uma terra única com o dilúvio bíblico. No século 19 o astrônomo inglês George Howard Darwin (1845-1912), segundo filho do naturalista Charles Darwin, propôs que o leito do oceano Pacífico teria se formado pela separação da massa que originou a Lua.
A separação das terras que hoje formam a África e América do Sul está na origem do Atlântico Sul, oceano que continua crescendo a velocidades em torno de 2 cm ao ano devido ao afastamento das placas.
A vigilância das placas mesmo para a detecção dos sismos silenciosos com o uso de satélites do sistema GPS pareceria pura ficção científica à época de Wegener. Os satélites GPS (da sigla em inglês para Global Positionning System) em órbita da Terra utilizam quasares como referência a seus próprios posicionamentos, compensando, por exemplo, ligeiras perturbações na rotação da Terra por fenômenos como o El Niño.
Os quasares, astros mais luminosos do Universo, são estruturas ainda enigmáticas, tidas como núcleos de galáxias em formação. Os quasares só são observados a enormes distâncias, o que significa que estão muito afastados de nós também no tempo. De qualquer maneira, distantes bilhões de anos no espaço-tempo, permitem avaliar deslocamentos de poucos milímetros na superfície da Terra. Mesmo levando-se em conta muitos outros movimentos como a distensão do espaço atribuída ao Big Bang, o vôo do Sol acompanhado dos planetas em direção à constelação de Hércules (ápex solar) e mesmo o giro da Terra em torno do Sol. Na realidade, ainda hoje, tudo parece apenas ser ficção.
(Por Ulisses Capozzoli, Scientific American Brasil, 21/01/2010)