A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de suspender a homologação de terras indígenas até que o assunto seja julgado, provocou questionamentos de líderes indígenas e de representantes de entidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). Os fazendeiros e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) elogiaram a decisão. Nos dias 19 e 20 deste mês, o ministro concedeu liminares suspendendo homologações que estendiam a demarcação das terras Arroio-Corá, em Mato Grosso do Sul, e Anaro, em Roraima.
No Cimi, o secretário adjunto, Cleber Buzatto, disse ter “estranhado” uma decisão tão rápida durante o recesso do Judiciário. “Estranhamos a rapidez do presidente do Surpremo em conceder essas liminares em meio ao recesso, quando existem questões mais urgentes para o país no STF há mais tempo”, afirmou Buzatto. “Essa decisão está vinculada a uma série de outras em que há prejuízo de uma determinada classe social no país.”
Buzzato lamentou os elogios feitos pela presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), a Mendes, mas ressaltou que a entidade confia na Justiça brasileira e entende que essa é uma posição do presidente da Suprema Corte e não deverá ser seguida pelos outros juízes do tribunal.
O advogado do Cimi, Rogério Batalha, também acha que a decisão de Mendes deverá ser revista pelos demais ministros na hora do julgamento. Batalha lembrou que o principal fundamento usado por Mendes ao conceder as liminares foi o fato de que os índios não ocupavam as terras em 1988, quando a Constituição foi promulgada. Usada também no julgamento da Raposa Serra do Sol, em Roraima, essa premissa foi fundamental para que fosse mantida pelo STF a demarcação da terra indígena.
“Esses fundamentos devem ser revistos pelos demais ministros do Supremo, porque a situação de Mato Grosso do Sul não é semelhante à de Roraima”, explicou o advogado. Segundo ele, os índios não ocupavam a terra em 1988 porque haviam sido violentamente expulsos do local por colonos, com a “anuência do Estado”.
A decisão de Mendes agradou aos fazendeiros da região. Eles alegam que os índios chegaram lá há pouco tempo. Para o dono da fazenda Polegar, Otacílio Carollo Tramujas, a decisão do STF deixou expectativas positivas para os produtores rurais. “Isso nos animou, porque não queremos tirar os índios, mas estamos aqui há muitos anos, e nunca teve índio. Depois, eles apareceram dizendo que era deles [a terra]”, diz. A fazenda perdeu 1.500 hectares com a homologação feita pelo governo federal, que agora foi suspensa pelo Supremo até que o plenário julgue finalmente o assunto.
Otacílio disse que a fazenda sempre foi produtiva com a criação de gado, mas a situação mudou desde que começou a disputa com os índios: parte da área foi ocupada e ele não pode mais trabalhar no terreno. “Se você for ver a minha terra, ela vai estar improdutiva, mas isso é de 2001 para cá, quando começou o problema.”
Os índios sustentam que ocupam as terras há mais de 100 anos. O líder Guaranai Kaiowá Anastácio Peralta conta que eles foram retirados de lá na época em que foram demarcadas oito reservas na região, entre 1910 e 1927. Assim, os índios que viviam fora das áreas demarcadas foram removidos pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI, substituído em 1967 pela Funai) para que as terras fossem liberadas para colonização.
“Então não demarcaram nossas terras. Fomos expulsos pelo próprio órgão [SPI] e pelos fazendeiros. Há mais de 100 anos que estamos na nossa terra, mas fomos expulsos. Eles também não estavam aqui, são todos de fora”, acusa o índio.
A CNA comemorou a decisão e reforçou o pedido de que Supremo crie uma súmula vinculante para o assunto. Assim, diversas questões parecidas não precisariam chegar à instância final, sendo resolvidas mais rapidamente com base nas orientações da Suprema Corte.
Em nota, a Funai afirma que o amplo direito de defesa e do contraditório foi respeitado durante o processo de homologação da terra e que “não existem, portanto, vícios de maculação nos processos em questão”. A nota lembra que a Procuradoria Federal Especializada da Funai vai recorrer da decisão referente à Terra Indígena Anaro, em Roraima, e que já entrou com recurso no caso da Arroio Corá, de Mato Grosso do Sul. Conforme o texto, a Funai espera que a Advocacia-Geral da União (AGU) apresente os recursos cabíveis para o plenário do Supremo Tribunal Federal.
(Por Mariana Jungmann, Agência Brasil, 21/01/2010)